CIDADE
O Drama dos Ribeirinhos de Cicerolândia: Uma Luta Pelo Rio Mamuaba
Por décadas, o Rio Mamuaba foi mais que um curso d’água para os pescadores e ribeirinhos de Cicerolândia, em Santa Rita, Paraíba. Era a fonte de sustento, um parceiro na sobrevivência e, para muitos, quase um membro da família. A convivência harmoniosa com a natureza e a parceria com a usina local de cana-de-açúcar eram pilares da comunidade. Mas, como tantas histórias que envolvem terras e dinheiro, esse equilíbrio foi brutalmente rompido.
Em 2017, as terras que abrigavam o acesso ao rio foram vendidas para os empresários José Américo Tavares e Marcos Américo Tavares, os “Américos”. Com a compra, veio a imposição: os nove acessos ao Rio Mamuaba foram fechados. A decisão não só afetou a rotina dos moradores, como destruiu a base de sua subsistência. Pior: capangas armados, segundo relatos, passaram a patrulhar a área, afastando os ribeirinhos à força. Clima de medo? É pouco para descrever.
Ao perceberem que seu sustento estava em jogo, os moradores buscaram ajuda nas autoridades locais. Registraram boletins de ocorrência, denunciaram as ameaças, clamaram por justiça. A resposta? Silêncio. Enquanto isso, a monocultura de cana avançava até as margens do rio, violando descaradamente as leis ambientais que proíbem plantios a menos de 500 metros de corpos d’água utilizados para abastecimento público. Mas quem ligava? Certamente, não os poderosos.
O que torna a situação ainda mais revoltante é o contexto. Antes do fechamento, a comunidade havia concluído cursos criados numa parceria da (APAC. Associação dos Pescadores e Aquicultores de Cicerolândia) com UFPB (Professora Jane Torelle) e secretaria de Agricultura do município (Sec. Sildo) sobre criação sustentável de tilápias e preservação da mata ciliar. Era um passo importante rumo à sustentabilidade, com o apoio do poder público e a promessa de um futuro melhor. No entanto, os “Américos” cortaram o acesso ao rio, transformando um projeto promissor em apenas boas intenções.
Sem outra saída, os ribeirinhos recorreram à Justiça. E venceram. Mais de uma vez. Mas, como em tantas batalhas judiciais, a vitória inicial muitas vezes é apenas o começo de outra guerra. Liminares estrategicamente obtidas pelos advogados dos fazendeiros barraram a execução das decisões favoráveis aos moradores. O tempo passava, e as famílias continuavam isoladas do rio que era, por direito, delas.
A perseverança, no entanto, trouxe aliados importantes. O Ministério Público Federal (MPF), na figura do procurador José Godoy, assumiu a causa. Godoy exigiu que o direito ao acesso à água fosse restabelecido. Um direito básico, garantido pela Constituição, mas que parecia precisar de muito esforço para ser reconhecido. Esse apoio reacendeu as esperanças da comunidade, mas o desfecho ainda depende de ação concreta.
Segundo, Alexandre Ramalho (Presidente da APAC), não é só uma luta pelo direito de ir e vir. É sobre comida no prato, dignidade, respeito. As famílias foram empurradas para uma situação de extrema vulnerabilidade, dependendo de favores e soluções improvisadas para sobreviver. E não é só a economia local que sofre. A mata ciliar, antes preservada por quem vivia ao redor, está ameaçada. O plantio de cana avança sem critério, colocando em risco todo o equilíbrio ecológico da região.
A história de Cicerolândia é um retrato triste do Brasil onde o poder econômico frequentemente atropela comunidades tradicionais e ignora leis ambientais. É também um lembrete de que a luta pela justiça é longa, cansativa e, muitas vezes, desigual. Mas os moradores não desistiram. Estão de pé, enfrentando adversidades, e mostrando que, mesmo diante de forças muito maiores, a resistência é possível.
Os jovens ficaram sem uma esperança e jovens desocupados e desesperançosos é um prato cheio para a criminalidade. Que aumentou muito nesses anos de proibição do acesso.
A pergunta que fica é: quem vai estar ao lado deles quando a poeira baixar? Porque, no fim, o Rio Mamuaba não é só deles. Ele é nosso, da sociedade, da natureza, do futuro.