Judiciário
STF e o Marco Civil da internet: liberdade de expressão na berlinda
Por Roberto Tomé
A liberdade de expressão no Brasil está pendurada por um fio — e, pasmem, o nó quem está desfazendo é o STF. O tribunal decidiu mexer no vespeiro do Marco Civil da Internet, mais especificamente no polêmico artigo 19. E o que isso significa? Que as plataformas digitais podem acabar sendo transformadas em fiscais e juízes do que você posta.
Essa história ganhou força depois que o ministro Luiz Fux resolveu abrir a boca esta semana. Segundo ele, plataformas devem ter carta branca para apagar conteúdos “prejudiciais” sem precisar da tal autorização judicial. Parece eficiente, não é? Afinal, ninguém quer conteúdo nocivo vagando por aí. Mas, aqui vai à pergunta de um milhão: quem decide o que é prejudicial? E se alguém, por acaso, apagar sua postagem só porque não gostou da sua cara? É, meu amigo, quem defende sua liberdade de expressão?
O Marco Civil, quando surgiu lá em 2014, foi um sopro de esperança no meio do caos digital. “Um dos mais avançados do mundo”, diziam. Respeito à liberdade de expressão, proteção à privacidade, regras claras. Beleza. Mas, ao que parecem, essas garantias podem estar com os dias contados.
No centro da confusão está o artigo 19, aquele que basicamente diz que as plataformas só podem ser responsabilizadas pelo que a galera posta se desobedecerem a uma ordem judicial para remover o conteúdo problemático. É um filtro sensato, não? Dá tempo para avaliar as coisas antes de jogar tudo no lixo. Mas agora querem transformar isso em um “apague agora, pergunte depois”.
Fux, seguindo a trilha já aberta por Dias Toffoli, colocou na mesa um argumento sedutor: “É preciso proteger as vítimas de danos irreparáveis”. Quem discordaria? O problema é que, nesse processo, a linha entre proteger e censurar começa a ficar bem borrada.
Vamos pensar juntos: se plataformas digitais forem obrigadas a remover conteúdos com base em critérios vagos como “desinformação” ou “discurso de ódio”, quem garante que isso não vira censura disfarçada? Pior: essas empresas podem acabar adotando a postura do “melhor prevenir que remediar” e apagar tudo o que parece remotamente polêmico. Adeus debate público, adeus pluralidade de ideias.
E não para por aí. Tem mais coisa errada nesse caldo. Quando o STF resolve reinterpretar um artigo tão claro quanto o 19, ele está invadindo um território que não é dele. Quem deveria mexer nisso é o Congresso Nacional, não os ministros togados que ninguém elegeu.
Isso tem nome: ativismo judicial. E é perigoso. Porque não se trata apenas de decidir sobre um artigo de lei, mas de minar a confiança no equilíbrio entre os poderes. É como se o STF dissesse: “O Congresso não sabe o que faz, então deixa com a gente”. Será que essa é mesmo a solução?
O desfecho desse julgamento é mais do que jurídico. É cultural, social, político. A internet que conhecemos — um espaço de liberdade, com todos os seus problemas e virtudes — pode estar à beira de se tornar algo muito diferente. Imagine uma internet onde o medo de punições faz todo mundo pisar em ovos. Onde opiniões fortes e críticas incisivas são limadas para evitar processos. Esse é o Brasil que queremos?
A verdade é que proteger vítimas e combater abusos é importantíssimo, mas a liberdade de expressão não pode ser um dano colateral. Se perdermos isso, o preço será alto demais para a democracia. O STF precisa entender que mexer nessa balança exige cautela. Porque uma vez que o pêndulo inclina para o lado errado, trazer de volta o equilíbrio pode ser uma missão impossível.