CIÊNCIA & TECNOLOGIA
LEILÃO DO 5G NO BRASIL: ESTAMOS ATRASADOS OU CHEGAREMOS A TEMPO?
Não importa quem pesquise ou faça estimativas, as oportunidades de negócio relacionadas a implantação do 5G no Brasil são sempre tratadas no superlativo. Um estudo do IDC divulgado em outubro do ano passado e feito sob encomenda do Movimento Brasil Digital, por exemplo, estima que o mercado de soluções B2B com base na próxima geração de redes móveis atingirá aproximadamente US$ 22,5 bilhões até 2024, com crescimento médio anual (CAGR) de 179%.
O número considera aplicações de robótica, segurança, nuvem, internet das coisas (IoT), inteligência de dados, IA e realidade virtual/aumentada. Só para os fabricantes de equipamentos de infraestrutura (que inclui backhaul, ou seja, as redes de fibra óptica, além de estações rádio base e outros equipamentos) a oportunidade é de US$ 2,5 bilhões até 2024. O CAGR nesse caso é de 131%.
Outros grandes números: a fabricante de equipamentos Ericsson calcula que 205 mil empregos diretos seriam gerados com a implantação do 5G no Brasil. Além disso, seriam R$ 70 bilhões em impostos e contribuições recolhidas até o ano de 2025, com um incremento do produto interno bruto (PIB) nacional de 2,4% por ano durante os próximos dez anos.
Mas para que tudo isso aconteça e todos esses números possam ser postos à prova, a realização dos leilões dos espectros de frequências precisa acontecer. A atual promessa da Agência Nacional de Telecomunicações, a Anatel, que formula e publica o edital que regulará o processo, é que o leilão ocorra ainda no primeiro semestre de 2021. A mesma promessa foi descumprida algumas vezes durante 2020.
No dia 1º de fevereiro a agência reguladora adiou para o 24 de fevereiro a análise da proposta de edital após um pedido de vistas feito pelo presidente da agência, Leonardo de Morais. Houve quem comemorasse e quem lamentasse o adiamento.
Considerando que parte das principais economias do mundo já têm redes 5G comerciais lançadas pelo menos desde 2019, a grande pergunta é: estamos atrasados? Em caso afirmativo, quais os prejuízos para a transformação digital do Brasil e dos negócios que aqui operam?
Questão de timing
No atletismo, em corridas de velocidade – como os 100 ou os 200 metros rasos, por exemplo – quem sai na frente tem a vantagem. Já nas maratonas de 42 km, saber moderar o passo é importante para obter a vitória. Talvez essa diferença alegórica ilustre as diferentes formas de pensar de analistas, operadoras de telecomunicações e fabricantes de equipamentos para as vindouras redes 5G. São corredores de diferentes modalidades.
“Eu não acho que se caracteriza uma demora”, diz Eduardo Tude, presidente da Teleco, consultoria especializada no mercado de telecomunicações. “Primeiro porque, para o usuário final, a maioria dos dispositivos móveis à venda na América Latina ainda não tem chips compatíveis com a nova geração de redes. E, segundo, porque as aplicações corporativas só se beneficiarão do 5G quando o release 16 dos padrões da 3GPP estiverem comercialmente disponíveis nos cores de rede.”
A 3GPP (do inglês 3rd Generation Partnership Project) é uma organização que reúne entidades desenvolvedoras de padrões de telecomunicações e normaliza as tecnologias usadas nas redes móveis de todo o mundo. Isso inclui estações rádio base, core de redes e serviço associados.
“No release 15, o foco foi principalmente o novo hardware e as interfaces para atender esse aumento de capacidade. Quando você vai para o mercado corporativo não basta ter um serviço e dizer que ele tem latência mais baixa. Tem que ter garantia da latência, de disponibilidade”, explica Tude. “Isso só se viabiliza com o novo core 5G.”
O release 16 é, entre outras coisas, responsável por definir o funcionamento de recursos de internet das coisas (IoT) no ambiente 5G, além de aumentar a eficiência ao permitir o uso de faixas não-licenciadas de espectro e redes privadas, entre outras vantagens. Só a partir dele é possível estabelecer as uma rede de “comunicação ultra confiável e de baixa latência”, ou na sigla em inglês URLLC.
O problema é que isso exige das operadoras a criação de redes novas, desvinculadas das existentes, o que exigiria mais investimentos. “Elas [redes no release 16] só vão estar mesmo comercialmente no mundo a partir do ano que vem. Hoje o que as operadoras fazem é basicamente a colocação do rádio 5G mantendo um core 4G, com objetivo de aumento de capacidade e foco no usuário pessoal”, explica Tude.
Luciano Saboia, líder de pesquisas sobre telecomunicações do IDC, tem opinião parecida. Para ele, o mero incremento de velocidade que os usuários finais terão em seus dispositivos não é um grande motivador para incentivar uma migração. E os investimentos que as operadoras terão que fazer no core de suas redes para suportar as aplicações corporativas, essas sim grandes beneficiárias da tecnologia, será grande.
Luciano Saboia, líder de pesquisas sobre telecomunicações do IDC
“É preciso considerar o aspecto de oportunidade e o cenário econômico. Veja que é comum que as operadoras investiam entre R$ 6 bilhões e R$ 9 bilhões de reais no Brasil todos os anos, isso falando das quatro grandes. E o 5G entra disputando essa bolsa de CAPEX”, diz o analista, se referindo ao orçamento que as telcos dispõem para investir em infraestrutura. “Antes de colocar o Brasil como atrás na corrida, é importante que o leilão ocorra no momento adequado para os investimentos e os consumidores estarem aptos a consumir, ou vamos patinar.”
Saboia preferiu não entrar nos aspectos políticos que envolvem o leilão. Diz que não acompanha os atores políticos que influenciam no processo de publicação do edital do 5G. Mas que, sob o ponto de vista mercadológico, o processo “de modo geral está no momento adequado”, e que o Brasil tem “condições de recuperar” desvantagens no calendário global de lançamento das novas redes.
Das quatro grandes operadoras de telecomunicações brasileiras procuradas pela reportagem, a única que deu retorno antes do fechamento foi a TIM, que preferiu não tecer juízo a respeito dos prazos estabelecidos para o leilão do 5G. Por escrito, Marco Di Costanzo, diretor de infraestrutura de redes da operadora, se limitou a dizer que “o setor defende que o edital do leilão de frequências 5G deve garantir um leilão isonômico, com regras e obrigações iguais para todos os participantes e que promova a segurança para investimentos no país”.
Defendeu também que, como tem feito o setor desde o princípio, seja um processo não-arrecadatório, ou seja, mais focado em obrigações do que em valores. Isso permitiria, segundo ele, “investir ainda mais na implementação de redes, aumentando a abrangência e fomentando a difusão dos novos serviços”.
Costanzo também disse que a empresa aguarda a divulgação das regras do leilão de radiofrequência e das condições da Anatel para planejar a rede e o alcance da cobertura 5G no Brasil, mas que isso demanda um nível de investimento “elevado em relação a outros países”. Segundo ele, a empresa pretende investir cerca de R$ 12,5 bilhões para ampliação e modernização de infraestrutura de rede para 4G, 5G e fibra óptica – sem especificar em quanto tempo o montante será gasto.
Defende também a necessidade de incentivos para criação de uma infraestrutura que viabilize a competitividade do país. “Acreditamos que é preciso pensar no desenvolvimento tecnológico do Brasil”, disse.
100m rasos
Do lado dos que tem pressa e defendem que os investimentos precisam ser feitos o mais rápido possível estão os fabricantes de equipamentos e infraestrutura para a implantação da nova geração de redes móveis. “Nós não estamos no timing certo. Deveríamos ter feito [o leilão] há mais tempo”, deixa bem claro Francisco Soares, vice-presidente de relações governamentais da Qualcomm.
Francisco Soares, vice-presidente de relações governamentais da Qualcomm
Para ele, o 5G é uma tecnologia disruptiva que trará grandes transformações e benefícios sociais, só possíveis de serem aproveitados com uma rede implementada. “Se não estamos perdendo tempo para trazer soluções novas só possíveis com o 5G. Deixando de ganhar alguma coisa, de trazer investimentos, trazer uma indústria 4.0”, ressalta o executivo.
As discussões técnicas que têm atravancado o processo de leilão – como o uso de frequências atualmente usadas por serviços de TV via satélite, por exemplo – tem levado tempo demais, acredita Soares. Pelos cálculos dele, se as regras do leilão forem finalmente aprovadas em fevereiro, como se promete, serão mais 150 dias para o Tribunal de Contas da União aprovar o certame – embora o órgão prometa publicamente uma análise de 60 dias.
“Aí tem que preparar o leilão, marcar data, e acho que não acontece antes de junho desse ano. [Depois] Vamos ter os vencedores, que vão assinar os termos e começa a operar 300 dias após a assinatura. Então, estamos no timing bom? Não”, diz Soares. “O lado positivo é que pelo menos está saindo.”
Vinicius Fiori, gerente de marketing da Ericsson, é mais comedido, mas também faz críticas. “Pelas nossas análises e acompanhando o que tem acontecido mundo afora, estamos no sinal amarelo, indo para o vermelho”, diz. O problema se acentua quando se considera que o 5G “é a plataforma de inovação mais importante da próxima década, e a cada mês que passa estamos menos competitivos”, pondera.
Vinicius Fiori, gerente de marketing da Ericsson
Além disso o consumidor também quer acesso rápido ao 5G. Um estudo feito pela fabricante sueca indicou que, em abril de 2020, 60% dos consumidores brasileiros disse que a nova geração de redes móveis, se implementada, teria ajudado a lidar com a crise causada pela pandemia de COVID-19. Mesmo sem ela houve, segundo Fiori, um incremento de 30% no tráfego de dados logo no começo da quarentena.
“Hoje gastamos muito mais internet, e o 5G poderia nos apoiar porque é muito mais eficiente”, diz. “Mesmo em alguns países já tinham adotado o 5G, a demanda cresceu muito mais rápido do que esperado”.
Dados da fabricante indicam que a expectativa antes da crise era ter terminado 2020 com 170 milhões de assinaturas 5G no mundo – ao término do ano eram 220 milhões, bem acima do projetado. “Nos países mais competitivos globalmente, o 5G foi acelerado, inclusive com estímulos dos governos”, reitera. “E as economias que investiram mais estão se recuperando mais fortemente.”
Na América Latina, segundo a Ericsson, 59% das assinaturas de serviços móveis são 4G – número que deve permanecer estável em 56% em 2026, mas as conexões 5G já serão 27%. Enquanto isso, nos Estados Unidos, a nova geração chegará a 80% do total, e na Europa a 66%. “Como a gente compete? De fato não podemos mais atrasar”, diz Fiori.
Catapulta para o futuro
As primeiras redes de testes para o 5G surgiram em 2018. A primeira grande rede comercial surgiu pouco depois, na Coreia do Sul, em março de 2019, e desde então o país incrementou substancialmente a cobertura e a infraestrutura necessária. Na China o 5G também começou em 2019, e ao final de 2020 já tinha 800 mil estações rádio base instaladas no país.
Marcelo Motta, diretor de cibersegurança e soluções da Huawei
“Se compararmos com o Brasil atual, somando o 2G, o 3G, o 4G e 4,5G, o Brasil tem só 100 mil estações. Só na China há quase um milhão só de 5G. Isso é para dar um panorama de como a tecnologia está evoluindo rápido mundialmente”, compara Marcelo Motta, diretor de cibersegurança e soluções da Huawei.
A baixa densidade de estações rádio base no Brasil, um país de dimensões continentais, é outro fator crítico a se considerar diante do prazo estendido a que o edital do 5G é submetido pelo governo federal. Segundo Motta, o gap de densidade de estações com relação a outras economias é evidente e deve continuar a longo prazo, o que deve ser um problema.
“Não temos tempo a perder porque a extensão territorial nossa é muito grande. Quanto antes acelerarmos, mais rapidamente podemos fechar [as lacunas]”, diz o executivo da Huawei. “De fato os governos enxergam o 5G como catapulta para o desenvolvimento econômico, visto que a economia digital cresce duas vezes mais rápido que a tradicional. A oportunidade é essa.”