Judiciário
Comercialização de outorga de táxis e transferência a herdeiros é inconstitucional
STF decidiu que comércio de licenças viola princípios da proporcionalidade, isonomia, impessoalidade e eficiência
O Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional a livre comercialização de autorização de táxis, bem como a transferência a herdeiros. O colegiado votou o tema por meio do plenário virtual e, por maioria de 7 votos contra 4, entendeu que essas práticas são incompatíveis com os princípios da moralidade, isonomia e impessoalidade públicas, ao mesmo tempo em que gera “incentivos econômicos perversos”, atentando contra a eficiência administrativa.
A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 5337 foi ajuizada pelo então procurador-geral da República Rodrigo Janot contra dispositivos da lei federal que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana que permitem a livre comercialização de autorizações de serviço de táxi e a transferência aos sucessores legítimos do taxista, em caso de falecimento. Para a PGR, os dispositivos legais questionados (parágrafo 1º, 2º e 3º do artigo 12-A da Lei 12.587/2012) violam os princípios constitucionais da isonomia e da impessoalidade.
Fux, relator do caso, cita doutrina que aponta que, até pela ótica do legislador, que o serviço de táxi não é propriamente um serviço público, mas, sim, um serviço de utilidade pública, que são institutos diferentes. Para ele, a ideia de autorizar a transferência da outorga do serviço de táxi a terceiros pelo tempo remanescente do prazo dela é “verdadeira comoditização” das outorgas, transformadas em mercadorias.
O relator foi acompanhado por Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Nunes Marques, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber. Os ministros Luiz Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio e Dias Toffoli divergiram. O caso foi julgado no plenário virtual até a última sexta-feira (26/2).
“Em se tratando de exploração de atividade econômica de interesse público cuja execução não é acessível a toda a população, o tratamento preferencial conferido aos herdeiros dos taxistas implica em restringir ainda mais a entrada dos demais interessados no mercado”, afirmou também Fux. Leia a íntegra do voto.
De acordo com ele, a morte de qualquer integrante da família pode provocar o endividamento do grupo, o que não justifica o que ele chamou de privilégio e “inegável apropriação privada de ato administrativo de natureza pública”.
A ideia de que são serviços de utilidade pública implica dizer, segundo Fux, que os táxis se enquadram em atividades da iniciativa privada que exigem autorização prévia para que possam ser exercidas, impondo ainda a sujeição contínua delas à regulação do poder público autorizante.
Segundo ele, uma das principais inovações da Lei de Mobilidade Urbana foi a natureza de utilidade pública dada ao serviço e sua sujeição ao poder de polícia administrativa. Embora não se enquadrem na ideia de serviços públicos stricto sensu, mas entre as “atividades da iniciativa privada”, os serviços se submetem a uma intensa regulação do poder público autorizante, por meio de um ordenamento jurídico setorial.
“O caput do artigo 12-A, ao afirmar a existência de direito à exploração de serviços de táxi a ser outorgado a qualquer interessado que satisfaça os requisitos exigidos pelo poder público local, nada mais fez que reconhecer algo que é decorrência lógica da natureza jurídica do serviço: sendo ele uma atividade econômica sujeita ao consentimento de polícia (e não serviço público), a sua exploração é chancelada por aqueles que cumprirem os requisitos legais aplicáveis”, disse.
Os critérios utilizados para o acesso à outorga devem ser objetivos, segundo o relator, impessoais e isonômicos, “tal qual em qualquer outra hipótese em que o poder público realize uma escolha alocativa de bens ou serviços escassos”. “Frise-se: quando a escolha da Administração Pública sobre o acesso de um cidadão a determinado bem jurídico culminar na preterição de outros interessados quanto a esse mesmo bem, há de existir justificação clara, racional e objetiva a respeito dessa escolha ou da forma como ela se dá”, acrescentou.
Nem mesmo os taxistas, em princípio, conforme diz o ministro, têm a garantia de que poderão exercer, de modo ininterrupto, a atividade durante todo o prazo da outorga, já que podem ser acometidos por doenças, ter o veículo avariado, deixar de cumprir alguma das condições legais, ver revogado ou anulado o ato de outorga.