Judiciário
Fachin declara vara de Curitiba incompetente e anula condenações de Lula
Ficam anuladas todas as decisões do sítio de Atibaia, triplex do Guarujá, e dois casos envolvendo o Instituto Lula. Leia a decisão
O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu que a 13ª Vara Federal de Curitiba é incompetente para julgar as ações do ex-presidente Lula. Por isso, determinou a nulidade de todas as decisões praticadas nas ações penais do triplex do Guarujá, do Sítio de Atibaia e dois casos envolvendo o Instituto Lula.
Lula elegível
Com a decisão, todas as condenações de Lula em segunda instância ficam anuladas e com isso, ele volta a ser elegível pela Lei da ficha-limpa e poderá se candidatar normalmente.
Eventual recurso do Ministério Público Federal provavelmente irá a plenário, e não para a 2ª Turma, já que o ministro Edson Fachin já havia afetado o caso ao plenário – mas, ao decidir hoje, revogou essa afetação.
Fachin atendeu a pedido de defesa de Lula que argumentou que há jurisprudência no Supremo sobre os limites da competência da 13ª Vara Federal de Curitiba. O ministro entendeu “a causa de pedir subjacente à pretensão deduzida nesta impetração aborda questão cujos contornos já foram submetidos não só ao crivo do Plenário do Supremo Tribunal Federal”, no julgamento do Inquérito 4.130, em 23 de setembro de 2015, mas de outras decisões da 2ª Turma. Leia a íntegra da decisão.
Com a decisão, os processos deverão ser enviados à Seção Judiciária do Distrito Federal, onde agora deverão ser iniciadas do zero.
Com a anulação das condenações e decisões nas ações penais, Fachin determina a perda de objeto de outros habeas corpus de Lula. Entre eles, o HC em que o petista pede a declaração de suspeição do ex-juiz Sergio Moro, o HC 164.493.
Os argumentos de Fachin
O ministro diz em sua decisão que, “de forma inédita”, a defesa de Lula submete ao STF pretensão de reconhecimento da incompetência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba para o processo e julgamento da denúncia ali oferecida no caso do triplex do Guarujá, sob a alegação de que “não há correlação entre os desvios praticados na Petrobras e o custeio da construção do edifício ou das reformas realizadas no tal tríplex, em tese, feitas em benefício e recebidas pelo Paciente; nem, tampouco, vínculo inerente às imputações julgadas improcedentes”. Como os outros processos são correlatos, Fachin estende a declaração de incompetência para as outras ações penais de Lula.
“Nessa ambiência, cumpre perscrutar, a partir do precedente firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento da questão de ordem suscitada no INQ 4.130, os contornos jurisprudenciais já delineados pela Segunda Turma para a definição da competência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba no que toca às ações de responsabilização criminal relacionadas à denominada “Operação Lava Jato”, escreve o ministro.
O ministro cita diversos precedentes do STF que limitaram a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba, reiteradamente a Corte afirmou que aquele juízo só deveria julgar os crimes praticados direta e exclusivamente contra a Petrobras.
O principal precedente citado por Fachin é o INQ 4130. Foi neste caso que o plenário do Supremo decidiu manter no tribunal apenas a investigação contra a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), investigada pelo suposto recebimento de quantias da empresa Consist.
Naquela ocasião, o STF decidiu desmembrar o procedimento, para remeter à Seção Judiciária Federal de São Paulo a investigação contra pessoas sem prerrogativa de foro. Em questão de ordem, ficou decidido que como as empresas envolvidas no suposto esquema se situavam em São Paulo, era daquele município a competência. Foi fixado, ali, que apenas os processos que se referiam somente à atos contra a Petrobras é que deveriam ficar em Curitiba.
De 2015 para cá, a 2ª Turma do STF tem adotado o mesmo entendimento para decidir sobre o juízo competente para processar e julgar casos de corrupção da Lava Jato. Agora, Fachin aplica o mesmo entendimento a Lula: como os supostos ilícitos de Lula teriam ocorrido em Brasília e são relacionados a outras empresas que não a Petrobras, é da Justiça Federal do Distrito Federal a competência.
“Como se vê, diante da pluralidade de fatos ilícitos revelados no decorrer das investigações levadas a efeito na “Operação Lava Jato”, a competência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba foi sendo cunhada à medida em que novas circunstâncias fáticas foram trazidas ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal que, em precedentes firmados pelo Tribunal Pleno ou pela Segunda Turma, sem embargo dos posicionamentos divergentes, culminou em afirmá-la apenas em relação aos crimes praticados direta e exclusivamente em detrimento da Petrobras S/A”, afirma Fachin.
Fachin explica que, de acordo com o MPF, a celebração fraudulenta de contratos entre a Petrobras S/A e o Grupo OAS contou com a participação do ex-presidente Lula, enquanto ele era presidente da República. De acordo com as investigações, Lula teria sido beneficiado com bens e valores, submetidos a processo de ocultação ou distanciamento de suas origens ilícitas.
“Ocorre que a conduta atribuída ao ora paciente, qual seja, viabilizar nomeação e manutenção de agentes que aderiram aos propósitos ilícitos do grupo criminoso em cargos estratégicos na estrutura do Governo Federal, não era restrita à Petrobras S/A, mas a extensa gama de órgãos públicos em que era possível o alcance dos objetivos políticos e financeiros espúrios”, aponta Fachin.
Assim, conclui que “o Ministério Público Federal, à época em que aforou a denúncia em desfavor do paciente, já tinha ciência da extensão alcançada pelas condutas que lhe foram atribuídas, as quais abarcaram não só a Petrobras S/A, mas outros órgãos públicos, sociedades de economia mista e empresas públicas no âmbito das quais, com semelhante modus operandi, foram celebradas contratações revestidas de ilicitudes, em benefício espúrio de agentes públicos, agremiações partidárias e empreiteiras”.
“No caso, restou demonstrado que as condutas atribuídas ao paciente não foram diretamente direcionadas a contratos específicos celebrados entre o Grupo OAS e a Petrobras S/A, constatação que, em cotejo com os já estudados precedentes do Plenário e da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, permite a conclusão pela não configuração da conexão que autorizaria, no caso concreto, a modificação da competência jurisdicional”, diz o ministro.
Fachin destaca que o único ponto de intersecção entre os fatos narrados na ação penal do triplex do Guarujá e a causa atrativa da competência da 13ª Vara Federal de Curitiba é o pertencimento do Grupo OAS ao cartel de empreiteiras que atuava de forma ilícita – dentre outros órgãos públicos, sociedades de economia mista e empresas públicas –, em contratações celebradas com a Petrobras S/A. “Mas não cuida a exordial acusatória de atribuir ao paciente uma relação de causa e efeito entre a sua atuação como Presidente da República e determinada contratação realizada pelo Grupo OAS com a Petrobras S/A, em decorrência da qual se tenha acertado o pagamento da vantagem indevida”, ressalta o ministro.
A manifestação da defesa de Lula
Os advogados de Lula, Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Zanin Martins, se manifestaram por meio da seguinte nota:
“Recebemos com serenidade a decisão proferida na data de hoje pelo Ministro Edson Fachin que acolheu o habeas corpus que impetramos em 03.11.2020 para reconhecer a incompetência da 13ª. Vara Federal Criminal de Curitiba para analisar as 4 denúncias que foram apresentadas pela extinta “força tarefa” contra o ex-presidente Lula (HC 193.726) — e, consequentemente, para anular os atos decisórios relativos aos processos que foram indevidamente instaurados a partir dessas denúncias.
A incompetência da Justiça Federal de Curitiba para julgar as indevidas acusações formuladas contra o ex-presidente Lula foi por nós sustentada desde a primeira manifestação escrita que apresentamos nos processos, ainda em 2016. Isso porque as absurdas acusações formuladas contra o ex-presidente pela “força tarefa” de Curitiba jamais indicaram qualquer relação concreta com ilícitos ocorridos na Petrobras e que justificaram a fixação da competência da 13ª. Vara Federal de Curitiba pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Questão de Ordem no Inquérito 4.130.
Durante mais de 5 anos percorremos todas as instâncias do Poder Judiciário para que fosse reconhecida a incompetência da 13ª. Vara Federal Criminal de Curitiba para decidir sobre investigações ou sobre denúncias ofertadas pela “força tarefa” de Curitiba. Também levamos em 2016 ao Comitê de Direitos Humanos da ONU a violação irreparável às garantias fundamentais do ex-presidente Lula, inclusive em virtude da inobservância do direito ao juiz natural — ou seja, o direito de todo cidadão de ser julgado por um juiz cuja competência seja definida previamente por lei e não pela escolha do próprio julgador.
Nessa longa trajetória, a despeito de todas as provas de inocência que apresentamos, o ex-presidente Lula foi preso injustamente, teve os seus direitos políticos indevidamente retirados e seus bens bloqueados. Sempre provamos que todas essas condutas faziam parte de um conluio entre o então juiz Sergio Moro e dos membros da “força tarefa” de Curitiba, como foi reafirmado pelo material que tivemos acesso também com autorização do Supremo Tribunal Federal e que foi por nós levado aos autos da Reclamação nº 43.007/PR.
Por isso, a decisão que hoje afirma a incompetência da Justiça Federal de Curitiba é o reconhecimento de que sempre estivemos corretos nessa longa batalha jurídica, na qual nunca tivemos que mudar nossos fundamentos para demonstrar a nulidade dos processos e a inocência do ex-presidente Lula e o lawfare que estava sendo praticado contra ele.
A decisão, portanto, está em sintonia com tudo o que sustentamos há mais de 5 anos na condução dos processos. Mas ela não tem o condão de reparar os danos irremediáveis causados pelo ex-juiz Sergio Moro e pelos procuradores da “lava jato” ao ex-presidente Lula, ao Sistema de Justiça e ao Estado Democrático de Direito”.