Segurança Pública
PM, a construção flagrancial e a inviolabilidade domiciliar. Antes do que nunca: HC nº 598.051
A advocacia democrática se espanta positivamente, quando são reconhecidos nos direitos fundamentais seus efeitos de aplicabilidade imediata e de impossibilidade de redução do seu núcleo (art. 5º, § 1º da CRFB/88). Nesse sentido, a decisão da 6ª Turma do STJ é redundantemente óbvia, mas não deixa de ser importante e paradigmática.
1º: A permanência, quando característica de um tipo penal preenchido pela conduta proibida correspondente, não se confunde com o flagrante, condição capturável pelos sentidos primários de quem observa e pode “flagrar”. Não fosse isso, a Policia estaria autorizada a se aventurar por meio de “tentativa e erro”, “consertando”, fraudando os fatos, quando o erro se impusesse. Derrubar-se- ia a porta da casa do morador X, na favela Y, e se droga não fosse achada, o policial a plantaria, justamente para não responder pelo abuso. Outro ponto é que conceito de direito processual (flagrante – situação apreendida pela visão, pela audição, em pré- determinação de direito) não se mistura com conceito de direito material (permanência – característica do injusto constatada, posteriormente, judicialmente). São dimensões incontamináveis.
2º: A presunção de inocência é uma garantia que se estende para todas as áreas do direito e que, inclusive, deve nortear a atuação dos servidores do Estado. A história da presunção de veracidade da palavra do policial não possui lastro constitucional. E o abuso das PMs brasileiras é notório.
3º: No Rio de Janeiro, está em vigor há mais de dez anos a Lei Estadual de nº 5.588/2009 que determina a instalação de câmeras no carro da PM.
“Art. 1º. Deverá o Poder Executivo instalar câmeras de vídeo e de áudio nas viaturas automotivas que vierem a ser adquiridas para servir as áreas de Segurança Pública e defesa civil.
Parágrafo único. Nas viaturas já existentes, a instalação do referido sistema deverá ser implantada de forma gradativa.
Art. 2º. As câmeras ou microcâmeras deverão ser integradas ao sistema de comunicação central dos órgãos de Segurança Pública e Defesa Civil, para geração e transmissão de imagens e som do interior da viatura em formato digital.
Art. 3º. As imagens devem ser arquivadas por um período mínimo de dois anos e poderão ser utilizadas para atender a demanda judicial e administrativa.
Art. 4º. Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.”
Ou seja, até no Estado da federação, onde o abuso estatal é mais notório, sabe-se, há 11/12 anos, que a Polícia deve lastrear o ato que produz. O ato administrativo- inclusive aquele específico capaz de ser elemento informativo em processo penal – deve conter motivação concretamente demonstrável. Qualquer trabalhador possui celular, o policial é um trabalhador. A instituição militar, ademais, deve garantir essa tecnologia básica. Assim, a gravação necessária para comprovar a legalidade do ingresso policial na moradia de um “suspeito” não merece tempo de adequação para ser exigível. “A lei não pegou” não pode ser justificativa, quando o tratamento jurídico diz respeito a direito fundamental de primeira dimensão.
4º: Direito à moradia é direito à moradia digna; livre de perturbações, protegida contra poluições e agressividades produzidas ou produzíveis pelo Estado. Se inexiste abuso em bairro rico (o que é correto), não pode existir abuso em bairro pobre. Inviolabilidade domiciliar é garantia cara, parte do corpo espiritual do direito à moradia digna. Como reconheceu o MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ:
O domicílio é, portanto, “uma projeção espacial da privacidade e da intimidade” (ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 18. ed. São Paulo: Verbatim, 2006, p. 208).
O consentimento do morador para o ingresso do militar – que não possui mandado de judicial – em seu domicílio não pode ser adquirido via constrangimento. O medo contamina o consentimento, que deve ser espontâneo. Muito difícil imaginar um investigado, um suspeito, um custodiado suicida. Nesse sentido, a presença e o registro do consentimento espontâneo ou do flagrante materialmente descritível, por testemunhas, é essencial.
Questões que possuem pertinência com o tema de standards probatórios e da contradição entre Estado Policial e Estado de Direito Democrático este subscritor já apontou em textinhos como:
Habeas Corpus e Velhacaria. Quais absurdos vocês já viram? Que fazer? (jusbrasil.com.br)