Internacional
México: os refugiados desabrigados de Matamoros
Com as promessas do novo governo americano de reverter a política de refugiados de Trump, muitos se colocam em marcha rumo aos EUA. Mas na fronteira, realidade é outra
César Moncada está sentado numa varanda abandonada. Foi lá que ele, a esposa e seus dois filhos encontraram um cantinho para dormir. Outras três famílias também estão deitadas em seus sacos de dormir, parecendo exaustas. Há meses na estrada, eles vêm todos de Honduras.
“Disseram-nos que aqui em Matamoros os refugiados enfim têm permissão para ir para o outro lado”, conta César. Por “outro lado” ele se refere aos Estados Unidos. Uma ponte sobre o Rio Grande conecta a cidade de Matamoros, no nordeste do México, com a pequena Brownsville, no sul do Texas.
Há dois anos, milhares de refugiados ocuparam um parque em Matamoros, bem na fronteira com os EUA. Com a ajuda de indivíduos que doaram tendas e cobertores, o local acabou se tornando o campo de refugiados não oficial de Matamoros – com até 4 mil ocupantes.
Agora, o novo presidente americano, Joe Biden, decidiu por decreto que esses refugiados, que há anos esperam por asilo, finalmente têm permissão para cruzar a ponte para os EUA. Trata-se de uma excelente notícia – para quem já estava no local. Os demais agora têm um problema.
Quando a terra natal se torna perigosa demais
César vem de um pequeno povoado perto de San Pedro Sula, no norte de Honduras, a mais de 2 mil quilômetros de Matamoros. Lá, ele vivia com a esposa e dois filhos. “Meu país é lindo”, diz. “É a nossa casa, mas fomos forçados a deixar tudo para trás.”
César era dono de uma barbearia na rua principal do povoado. Certo dia, recebeu o comunicado de que agora teria que pagar 1.500 lempiras (cerca de 350 reais) por mês à quadrilha que domina o tráfico de drogas na região. A taxa lhe garantiria “o direito de manter a loja”.
“Mil e quinhentas lempiras! Acabava de fazer 2 mil lempiras com a loja, e com isso ainda tive que pagar aluguel, alimentação e mensalidades escolares. Eu não teria como pagar isso. Mas eu sabia que essa gangue mandava no povoado.” Foi então que veio a primeira ameaça: se não pagasse, fariam algo com sua filha de seis anos. Em seguida, veio a segunda, de que levariam seu filho de 13 anos para a gangue. “E então, o que fazer? O que faz um pai, um marido, uma pessoa?”
Quando a fuga é a única solução
César e sua esposa fizeram as malas e deixaram a casa, a loja, a vida anterior. Ele conta que a família chegou a viajar de ônibus, mas na maioria das vezes esteve a pé. Recentemente, estiveram em Reynosa, outro ponto de fronteira entre México e EUA, a cerca de 90 quilômetros de Matamoros. Mas lá ninguém lhes explicou como e nem onde solicitar asilo.
Eles ficaram então sabendo dessa cidade mais a leste, onde os refugiados estariam finalmente conseguindo atravessar. Ao lado de outras três famílias de Honduras, caminharam então de Reynosa a Matamoros. Agora estão aqui, deitados na rua – e sem permissão para entrar no campo de refugiados. “Dizem que querem fechar o acampamento. Perguntamos se podíamos pelo menos ter uns cobertores, antes de serem jogados fora. Mas até isso eles recusaram”, conta César.
Nos próximos dias, mais famílias chegarão a Matamoros. Em poucos dias, cerca de 50 migrantes já se juntaram às primeiras quatro famílias. Uma delas é Josselin. Em lágrimas, ela conta como o cunhado foi morto a tiros por uma gangue em Honduras, diante de seus próprios olhos. O marido decidiu então que tinham que partir.
Assim como Josselin, a maioria dos refugiados é de Honduras, e todos têm histórias semelhantes. Eles fogem da morte, e sonham com uma vida melhor e, acima de tudo, mais segura, nos EUA.
Quando refugiados não encontram abrigo
O voluntário José Luis (nome alterado por medo de represálias da polícia) é cidadão americano e mora do outro lado da fronteira, perto de Brownsville. Ao lado de sua esposa e de outros ajudantes, ele já havia auxiliado refugiados no campo de Matamoros. Homem de ação, ele agora tenta ajudar César e as outras famílias.
“O mais importante é primeiro encontrarmos acomodação para eles”, explica. “Matamoros é uma cidade perigosa. Muitos por lá exploram a vulnerabilidade das famílias. Os polleros, por exemplo, cobram dinheiro para mostrar aos migrantes qual o melhor ponto do Rio Grande para atravessar”. Há muitos criminosos circulando em Matamoros. E são as crianças que correm o maior risco de serem apanhadas. É muito perigoso, ressalta José Luis, que repete: “Eles precisam de um abrigo já!”
José Luis já acolheu em sua própria casa, nos EUA, migrantes que haviam sido admitidos no país, mas que ainda não sabiam para onde ir. As organizações não governamentais, afinal, acabam sendo a primeira parada dos requerentes de asilo que atualmente são admitidos nos EUA, a menos que eles tenham familiares ou amigos no país.
“Os centros de acolhimento do lado mexicano estão todos lotados”, relata José Luis. “Nem mesmo o pastor da igreja de Matamoros pode receber mais gente. Por causa da covid-19, ele também atingiu seu limite de capacidade.”
Quando a fuga fracassa
Poucos dias depois, José Luis tem um semblante frustrado e triste. “Há tantos homens como César. Não podemos salvar todos”, lamenta. Ele diz ter falado há pouco com o hondurenho, e que a polícia teria enxotado todos para fora da varanda. Com medo, as famílias acabaram fugindo em direções diferentes, em vez de ficarem juntas.
E César? Ele e a família foram presos pela polícia mexicana: “Eles serão enviados de volta – para Honduras.”