Internacional
Frente ampla ameaça reeleição da extrema direita na Hungria
Para tentar derrotar nas urnas o premiê nacionalista Viktor Orbán, há mais de uma década no poder, partidos de todo o espectro político se uniram e, poucos meses depois, já aparecem à frente nas pesquisas
Nos últimos meses, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, vem assistindo a seu partido, o Fidesz, perder apoio para uma nova frente ampla de partidos de oposição, levando analistas a questionar se os dias do governo do mandatário nacionalista de direita estão contados.
Em dezembro passado, após meses de negociações, seis legendas oposicionistas concluíram que sua única chance de sucesso era se unir e anunciaram que disputariam juntas as eleições parlamentares de 2022 para tentar tirar Orbán do poder. Os seis partidos, que incluem representantes da esquerda à direita no espectro político, veem a democracia húngara em risco.
No poder desde 2010, o premiê vem aplicando nos últimos anos uma agenda autoritária ao cercear a oposição, a Justiça, a imprensa e ONGs, apontam críticos e observadores, o que fez com que entrasse em confronto com a União Europeia (UE) diversas vezes nos últimos anos. Orbán também se notabilizou por promover leis anti-LGBT e anti-migração.
Segundo análise do site Politico que agrega dados de diferentes pesquisas eleitorais, logo ao ser criada, em dezembro, a frente Oposição Unida entrou num páreo apertado com o Fidesz nas intenções de voto, ambas aparecendo com 47%. Após pequenas variações nos últimos meses, os oposicionistas alcançaram 49% no fim de março, contra 46% do partido de Orbán.
Os seis partidos de oposição – que incluem a Coalizão Democrática, de esquerda, o Jobbik, de direita, e o liberal Momentum – vão apoiar um mesmo candidato para o posto de primeiro-ministro e definirão uma plataforma comum.
Após o anúncio da frente ampla, a política húngara Klára Dobrev, membro da Coalizão Democrática e vice-presidente do Parlamento Europeu, falou num “momento histórico na política”.
Pleito mais difícil de Orbán
Analistas consideram que, após mais de uma década à frente do país, Orbán enfrentará seu pleito mais difícil no ano que vem, devido não tanto à pandemia de covid-19 e seus efeitos econômicos, mas sobretudo à formação da aliança da oposição na esteira de desgastes nos cenários interno e externo.
O governo húngaro tem sido criticado tanto por grupos de oposição quanto por organizações internacionais por o que classificam de um recuo democrático e limites à liberdade de imprensa, acusações que as autoridades húngaras negam.
Após as últimas eleições parlamentares, em 2018, observadores da Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) concluíram que as eleições foram “caracterizadas por uma sobreposição generalizada entre os recursos do Estado e do partido no poder, minando a capacidade dos concorrentes de competir em pé de igualdade” e que “os eleitores tinham uma ampla gama de opções políticas, mas a retórica intimidante e xenófoba, o viés da mídia e o financiamento opaco da campanha restringiram o espaço para um debate político genuíno, prejudicando a capacidade dos eleitores de fazer uma escolha totalmente informada”.
Recentemente, em um de seus últimos conflitos com a União Europeia, Orbán bloqueou a aprovação do orçamento plurianual do bloco e de um fundo bilionário para recuperação pós-pandemia, ignorando críticas da oposição no próprio país e provocando uma crise política na UE.
A postura do governo húngaro, ao lado do da Polônia, foi um protesto contra um mecanismo que condiciona o recebimento da ajuda financeira da UE ao respeito ao Estado de direito. Os governos de Hungria e a Polônia são alvos de ações legais da Comissão Europeia por supostas violações de princípios democráticos.
Na UE, a imagem do Fidesz também foi arranhada nos últimos meses por um escândalo envolvendo um eurodeputado pelo partido, que participou de orgia ilegal em Bruxelas. Além de violar as regras do lockdown em vigência, o político húngaro estava em posse de drogas ilícitas, segundo autoridades belgas.
Uma disputa acirrada pela frente?
Diante do desgaste do Fidesz e das ameaças à democracia no país, os partidos que compõem a frente Oposição Unida disseram ter se comprometido a não nomear candidatos que já se envolveram em práticas de corrupção ou cooperaram com o partido governista.
A aliança afirmou que seu objetivo é criar uma “Hungria independente, habitável e orgulhosa” e prometeu “pôr fim a autoridades colocando os húngaros uns contra os outros”. Lutar contra a corrupção e restaurar a liberdade de imprensa estão no topo da lista de prioridades.
A frente unida logo obteve sucesso entre os que estavam insatisfeitos com o governo, mas não tinham preferência partidária ou estavam indecisos. A aliança também desafiou a base da estratégia central do Fidesz, de dominar o centro político e impedir que os partidos à sua esquerda e direita cooperassem.
“Poderá ser uma disputa muito apertada”, afirmou Andras Biro-Nagy, diretor do think tank Policy Solutions à Balkan Investigative Reporting Network, sobre as eleições do ano que vem.
Para Biro-Nay, uma grave crise está se aproximando, e a grande questão é se o governo será capaz de alterar suas políticas econômicas para ajudar os mais vulneráveis. “A principal preocupação dos húngaros não é mais a migração ou a corrupção, mas o aumento do custo de vida. Este governo está deixando muitas pessoas para trás”, diz.
Apesar do clima de otimismo à medida que a Oposição Unida avança nas pesquisas, ainda há obstáculos pela frente. “Mesmo que a oposição ganhe as eleições, funcionários corruptos e juízes politizados não desaparecem da noite para o dia, e Orbán também não. Os bilhões que ele e seus amigos roubaram não retornarão por magia, e os contratos do governo não podem ser rapidamente reescritos”, avalia László Gendler, servidor da prefeitura de Budapeste, citado pela Human Rights Foundation (HRF).