Judiciário
Procuradores de Curitiba receberam dados sigilosos sobre Lula de modo informal
Embora a “lava jato” em Curitiba critique o compartilhamento de dados com a PGR, a remessa de informações fora dos canais oficiais é prática comum desde os primórdios da operação. É o que mostram conversas entre os procuradores reveladas em reportagem do The Intercept Brasil publicada nesta segunda-feira (10/8).
Segundo a notícia, os procuradores de Curitiba receberam uma investigação sigilosa sobre o ex-presidente Lula cerca de um mês antes de formalizar a solicitação de acesso aos autos.
O caso ocorreu em 2016, durante os preparativos para a operação que obrigou Lula a prestar depoimento. O compartilhamento de informações, oriundas de uma investigação do MPF em Brasília, ocorreu semanas antes da condução coercitiva do ex-presidente.
O material remetido a Curitiba de modo informal é um conjunto de correspondência trocadas de 2011 a 2014 entre o governo brasileiro e autoridades de Angola, Cuba, Panamá, República Dominicana e Venezuela, e fazia parte de uma investigação aberta para apurar se Lula havia favorecido a Odebrecht em obras financiadas pelo BNDES.
Trata-se de um Procedimento Investigatório Criminal (PIC), instrumento utilizado pelo Ministério Público para abrir investigações preliminares sem a necessidade de autorização judicial.
A equipe, liderada por Deltan Dallagnol, se aproveitou da falta de normas precisas a respeito do compartilhamento de provas no Ministério Público para “dar uma olhadinha” nas investigações sigilosas conduzidas por colegas do DF. A investigação em questão está em sigilo até hoje.
A ideia da força-tarefa em Curitiba era compor um caso forte, de modo a reforçar sua pretensa competência em processos envolvendo Lula, algo que a defesa do petista sempre contestou, já que os casos deveriam ser concentrados na Justiça Federal de São Paulo, onde o ex-presidente vive e estado em que estão o tríplex do Guarujá e o sítio de Atibaia.
“Nada melhor para nós, LJ [‘lava jato’], minimizarmos ao máximo o risco de perder o caso por competência, do que entrarmos com CNO [construtora Odebrecht] e LULA. Se entrarmos fraco, ou com um caso satelitario, é capaz de não nos deixarem trabalhar […] Aí já sabem, colocou a perninha da LJ lá com força, teremos trabalhos para mais uma década. Rsrsrs”, afirmou o procurador Roberson Pozzobon em uma conversa de 7 de fevereiro.
Segredo
Segundo mostrou o Intercept, os procuradores buscaram manter segredo sobre o acesso ao PIC. Quando a revista Época publicou reportagem sobre a investigação, o procurador Paulo Galvão enviou o link e fez um pedido.
“Não vamos deixar transparecer q tivemos acesso, pq já teve briga na prdf [Procuradoria da República no Distrito Federal] por conta de acesso à esses autos. Combinei com o Julio [Noronha, membro da “lava jato”] que, se for útil usar, vamos refazer as provas”.
De acordo com a conversa, os procuradores pretendiam estudar o PIC que veio de Brasília, transformando-o em uma outra investigação, sem demonstrar que tiveram acesso ao procedimento de modo informal.
Os membros da força-tarefa disseram que a defesa de Lula, em manifestação, pedia desde 2015 uma cópia do caso. Com isso em vista, Noronha solicitou que os colegas mantivessem a manobra em segredo. “Pessoal, por favor, lembre de não dizer que tivemos acesso a esses autos! Só confusão que vem de lá”.
Procurada pelo Intercept, a PGR reconheceu que o ofício é o caminho correto para a troca de informações dentro da procuradoria. Disse, no entanto, que não vê violação flagrante no procedimento informal.
“Provas pertencem à instituição Ministério Público Federal, e não a determinados membros ou grupos. Foi nesse contexto que a PGR solicitou, por meio de ofícios, o compartilhamento de dados das forças-tarefas em 13 de maio”, disse.
Para a defesa de Lula, feita pelo advogado Cristiano Zanin, é inaceitável que o Ministério Público use suas funções para perseguir pessoas, sem observar o sigilo de dados e informações pessoais.
“Atuei como advogado do ex-presidente Lula nesses procedimentos citados pelo capítulo divulgado hoje pela Vaza Jato e sempre ficou claro para mim que a ‘lava jato’ obtinha ilegalmente dados de pessoas que seus integrantes queriam atingir e promovia uma verdadeira lavagem desses dados para tentar dar aparência de legalidade, além de usar de delações premiadas dirigidas e mentirosas e outros métodos reprováveis para atingir seus objetivos pré-definidos”, afirmou em nota à ConJur (veja íntegra abaixo).
Compartilhamento com a PGR
Para esconder da Procuradoria-Geral da República seus métodos de trabalho, os membros da “lava jato” em Curitiba alegaram que a PGR estaria querendo cavar informações sigilosas. O motivo para não colaborar é o de que não haveria fundamento legal para o compartilhamento.
Pouco a pouco, no entanto, ficam claros os motivos pelos quais há tanta resistência: segundo o PGR, Augusto Aras, os procuradores de Curitiba armazenam dados de 38 mil pessoas. A quantidade de informações guardadas por eles é superior às que estão agregadas no próprio Sistema Único do Ministério Público Federal.
Conforme revelou a ConJur em 30 de junho, a despeito do que dizem os lavajatistas, uma série de decisões proferidas em 2015 pela 13ª Vara Federal de Curitiba a pedido da própria autodenominada “força-tarefa da lava jato” dão base jurídica para a partilha de informações.
Em 6 de fevereiro de 2015, por exemplo, o então juiz federal Sergio Moro autorizou que provas e elementos de informação colhidos pelo MPF no Paraná fossem compartilhados com o Supremo Tribunal Federal. Na ocasião, Moro encarregou o MPF de efetivar o compartilhamento “através da Procuradoria-Geral da República”.
Pouco mais de três meses depois, em 21 de maio de 2015, uma nova decisão do futuro ministro da Justiça de Bolsonaro autorizou, nos mesmos termos, a remessa de dados colhidos pelos procuradores de Curitiba ao Superior Tribunal de Justiça.
Uma terceira decisão, desta vez da juíza Gabriela Hardt, autorizou que o envio de informações ao STF e STJ englobasse “todos os fatos e feitos, existentes ou futuros, conexos a assim denominada operação ‘lava jato’, a fim de se evitar questionamentos sobre a extensão temporal das autorizações”. A ordem foi proferida em 2 de junho de 2015.
Confira a íntegra da nota da defesa de Lula sobre a reportagem do Intercept:
“É inaceitável em qualquer país democrático o que a Vaza Jato mostra mais uma vez hoje: membros do Ministério Público usando suas funções para perseguir pessoas e atuando com base no “dá uma olhadinha aí”, sem observar o sigilo de dados e informações pessoais. Isso é próprio de um Estado policial e incompatível com o Sistema de Justiça brasileiro, que é norteado por uma Constituição inovadora, tem excelentes quadros em todas as carreiras e sempre teve boa reputação.
Atuei como advogado do ex-presidente Lula nesses procedimentos citados pelo capítulo divulgado hoje pela Vaza Jato e sempre ficou claro para mim que a ‘lava Jato’ obtinha ilegalmente dados de pessoas que seus integrantes queriam atingir e promovia uma verdadeira lavagem desses dados para tentar dar aparência de legalidade, além de usar de delações premiadas dirigidas e mentirosas e outros métodos reprováveis para atingir seus objetivos pré-definidos.
Para além da Vaza Jato ou de qualquer fato novo, já colecionamos uma série de provas sobre as atuações ilícitas dos membros da Força-Tarefa da ‘lava jato’ e do ex-juiz Sérgio Moro nos casos envolvendo o ex-presidente Lula e por isso temos a legítima expectativa de que o Supremo Tribunal Federal reconheça tanto a suspeição do ex-juiz Sergio Moro como dos procuradores da ‘lava jato’ de Curitiba, tal como pedimos em sede de habeas corpus, e, como consequência, declare a nulidade das 3 ações propostas contra Lula no âmbito dessa operação.”