Internacional
Como a Alemanha lida com seu passado colonial?
Genocídio, arte saqueada, caveiras roubadas: apelos para que Berlim reconheça as consequências de sua atividade colonialista na África se intensificam. Que progressos foram feitos até agora?
Naita Hishoono se confronta todo dia com os efeitos do passado colonial da Alemanha na Namíbia. Um passeio pela capital do país, Windhoek, o evoca nos nomes de ruas, de lojas e de uma imponente igreja construída durante na época da colonização. E sob a superfície se esconde algo mais sinistro e assustador: o genocídio dos povos herero e nama pelas tropas coloniais alemãs. É um capítulo sombrio que todo namibiano conhece, mas de que mal se ouve falar na Alemanha.
Para Hishoono, que dirige a organização não governamental Instituto Nacional para a Democracia, é gritante a diferença na forma como namibianos e alemães percebem os crimes da Alemanha durante a época colonial. “Os namibianos estão bem cientes do colonialismo, porque vemos a arquitetura, o impacto econômico, vemos e vivemos isso todos os dias. Na Alemanha, se pode esquecer completamente que o país tinha colônias, pois não se percebe nada disso no dia a dia”, disse recentemente numa conferência organizada pelo Instituto GIGA de Estudos Africanos, sediado em Hamburgo.
Berlim também está ciente disso. “Nós, na Alemanha, vendemos a nós mesmos a ilusão de que saímos dos tempos coloniais com apenas alguns arranhões ou que o colonialismo alemão foi breve demais para causar danos duradouros”, declarou Michelle Müntefering, secretária de Estado no Ministério do Exterior durante uma sessão parlamentar em novembro de 2020.
A Alemanha se tornou potência colonial relativamente tarde, só ocupando solo africano na década de 1880. Tais territórios seriam perdidos em seguida, já durante a Primeira Guerra Mundial. Foram necessários mais de 100 anos para um governo alemão reconhecer oficialmente as ações coloniais do país na África. Em 2018, a coalizão governamental do bloco conservador cristão CDU/CSU e o Partido Social-Democrata (SPD) concordou em fazer uma revisão do passado colonial do país.
Pouco progresso
Embora passem praticamente despercebidos, os vestígios coloniais ainda estão presentes na Alemanha: seja em ruas e memoriais que homenageiam alemães acusados de crimes coloniais; seja quando antigas colônias reivindicam objetos de arte saqueados durante a era colonial que se encontram em museus alemães.
“Cobrimos alguns aspectos em termos de legislação”, declarou Müntefering. O governo, de fato, implementou uma série de novas medidas: os museus chegaram a um consenso sobre como proceder com os artefatos saqueados durante a época colonial. E foi estabelecida uma central de contato para ex-colônias exigirem a devolução de suas posses.
A política também está se tornando mais ativa, e se registram alguns resultados positivos. A ministra alemã da Cultura, Monika Grütters, convidou as partes interessadas para discutir o destino dos famosos Bronzes de Benin, considerados butim colonial, Nesta quinta-feira ficou decidido que serão devolvidos à Nigéria em 2022.
Museus e arquivos também devolveram esqueletos trazidos à Alemanha durante o período colonial – para experimentos científicos duvidosos, entre outros fins. Cidades começaram a renomear ruas batizadas em homenagem aos colonizadores. Na última sexta-feira (23/04), foi a vez da Wissmannstrasse, em Berlim: até então, a rua carregava o nome de Herrman von Wissmann, que suprimiu de forma sangrenta um levante contra o domínio colonial alemão na África Oriental Alemã.
Mas isso tudo ainda não é suficiente, diz Hishoon: “Há pouco interessados pela história colonial alemã, seja por estudarem o tema, por terem parentes aqui, ou porque ouviram falar a respeito. Contudo o assunto não está realmente entre as prioridades da política alemã.”
Países discutem reparações
Isso é evidente na maneira como a Alemanha lida com os crimes da era colonial. Desde 2015, o governo federal e a Namíbia negociam um pedido oficial de desculpas pelo genocídio dos herero e nama, sem resultados até o momento.
Em fevereiro, o embaixador da Tanzânia na Alemanha, Abdallah Possi, exigiu que o governo começasse a negociar um acordo de reparações com seu país. Isso permitiria a Berlim mostrar que “os alemães finalmente aceitaram a responsabilidade pelos abusos dos direitos humanos durante a era colonial e levam a sério o que aconteceu aos tanzanianos no passado”, declarou ao diário berlinense Tagesspiegel. Possi estava se referindo à rebelião Maji Maji, um levante contra as forças coloniais alemãs de 1905 a 1907, que fez cerca de 250 mil vítimas.
Depois que a mídia alemã publicou os comentários de Possi, o Ministério do Exterior rebateu que o governo tanzaniano ainda não havia abordado Berlim oficialmente sobre eventuais reparações. Com isso, o assunto quase desapareceu do debate público, e o parlamento alemão permaneceu em silêncio.
O sistema escolar alemão tampouco reserva ao tema do colonialismo o espaço necessário. “Muitos dos meus alunos não sabem nada sobre a África ou colonialismo. Outros estão muito bem informados porque tiveram bons professores. Mas no currículo, o tópico é abordado em apenas uma ou duas horas”, comentou o historiador colonial Jürgen Zimmerer durante a conferência do Instituto GIGA.
Hishoono também acredita que o estudo do colonialismo deve ganhar mais destaque. As políticas escolares, porém, não cabem ao governo federal, e sim aos estaduais.