Judiciário
Definições da jurisprudência sobre a técnica do julgamento ampliado
A técnica do julgamento ampliado está prevista no artigo 942 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015: quando o resultado da apelação não for unânime, o julgamento terá prosseguimento com a presença de outros julgadores, que serão convocados em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado final, assegurando-se às partes o direito de sustentar oralmente perante os novos juízes.
Segundo o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão, essa técnica tem o objetivo de aperfeiçoar a prestação jurisdicional, ampliando o debate sobre a questão decidida por maioria de votos.
O ministro ressaltou que o parecer acolhido na votação do novo CPC pela Câmara dos Deputados ressaltou que essa sistemática alcança o mesmo propósito dos extintos embargos infringentes, mas de maneira “mais barata e célere, além de ampliada, pois a técnica tem aplicação em qualquer julgamento de apelação (e não em apenas alguns) e também no caso de agravo, sobre o qual silenciava o CPC/1973 em tema de embargos infringentes”.
Escopo amplo
Por se tratar de uma técnica de incidência ampla, a Quarta Turma do STJ estabeleceu que, nos recursos de apelação, a ampliação do quórum de julgadores deve ser utilizada tanto nos casos em que há reforma da sentença quanto nos casos em que a sentença é mantida, desde que a decisão não seja unânime.
Para o ministro Salomão, relator do REsp 1.733.820, a lei não deixa dúvidas quanto ao cabimento da técnica do artigo 942 sempre que o resultado não for unânime no julgamento da apelação.
“Não obstante as críticas à opção do legislador de adotar um escopo amplo para a técnica do artigo 942 do CPC de 2015 na apelação, entendo que a interpretação não pode afastar-se da letra da lei, que não deixa dúvidas quanto ao seu cabimento em todas as hipóteses de resultado não unânime de julgamento da apelação, e não apenas quando ocorrer a reforma de sentença de mérito”, disse ele.
Mandado de segurança
Nesse mesmo sentido, no REsp 1.837.582, o ministro Og Fernandes determinou ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) que adotasse a técnica prevista no artigo 942 do CPC no julgamento de apelação em mandado de segurança impetrado por uma candidata a bolsa de doutorado. O recurso tinha sido indeferido por maioria.
Selecionada para a concessão de bolsas, a candidata foi comunicada de que não poderia recebê-la, tendo em vista uma portaria da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) que veda a bolsa para quem exerça atividade de magistério no momento do recebimento do benefício – o que era o seu caso.
A segurança foi denegada em primeira instância – decisão mantida pelo TRF2. Apesar de ter decidido a apelação por maioria de votos, o tribunal entendeu que não seria o caso de submissão do processo ao julgamento ampliado, pois a técnica não atingiria os mandados de segurança.
De acordo com o ministro Og Fernandes, a posição do TRF2 se distanciou do entendimento do STJ em duas dimensões: primeiro, porque o julgamento ampliado deve ser adotado de ofício pelo órgão julgador, não havendo a necessidade de que a parte interessada o suscite, podendo ser a inobservância do procedimento objeto de embargos declaratórios; em segundo lugar, porque a técnica se aplica indistintamente ao julgamento de apelação, sendo irrelevante sua origem ter sido em mandado de segurança.
Debate integral
A ampliação do julgamento alcança todos os capítulos do processo, como estabeleceu a Terceira Turma no julgamento do REsp 1.771.815. O colegiado decidiu que essa técnica possibilita que os novos julgadores convocados analisem integralmente o recurso, não se limitando aos pontos sobre os quais houve inicialmente divergência.
O relator, ministro Villas Bôas Cueva, destacou que o artigo 942 não criou uma nova espécie recursal, mas sim uma técnica de julgamento “a ser aplicada de ofício, independentemente de requerimento das partes, com o objetivo de aprofundar a discussão a respeito da controvérsia fática ou jurídica sobre a qual houve dissidência”.
“O prosseguimento do julgamento com quórum ampliado em caso de divergência tem por objetivo a qualificação do debate, assegurando-se oportunidade para a análise aprofundada das teses jurídicas contrapostas e das questões fáticas controvertidas, com vistas a criar e manter uma jurisprudência uniforme, estável, íntegra e coerente”, afirmou.
Conflito intertemporal
Em 2019, o colegiado também definiu que a data da proclamação do resultado do julgamento não unânime define a incidência da sistemática de ampliação do colegiado. Se a proclamação foi após 18 de março de 2016 – data em que o CPC/2015 entrou em vigor –, deve ser observada a regra de ampliação de julgamento pelo órgão julgador.
O ministro Villas Bôas Cueva, cujo voto prevaleceu no julgamento do REsp 1.762.236, explicou que a aplicabilidade da regra do artigo 942 do CPC “só se manifesta de forma concreta no momento imediatamente após a colheita dos votos e a constatação do resultado não unânime, porém anterior ao ato processual formal seguinte, qual seja, a publicação do acórdão”.
“Tendo em vista que não se trata de recurso – nem mesmo de recurso de ofício, como a remessa necessária –, a aplicação da técnica ocorre em momento anterior à conclusão do julgamento colegiado, ou seja, a ampliação da colegialidade faz parte do iter procedimental do próprio julgamento, não havendo resultado definitivo, nem lavratura de acórdão parcial, antes de a causa ser devidamente apreciada pelo colegiado ampliado”.
Citando precedente relatado pela ministra Nancy Andrighi em processo sob segredo de Justiça, o ministro destacou que, nos casos em que a conclusão do julgamento ocorreu antes de 18 de março de 2016, mas o acórdão só foi publicado após essa data, “haverá excepcional ultratividade do CPC/1973, devendo ser concedida à parte a possibilidade de oposição de embargos infringentes, observados todos os demais requisitos cabíveis”.
No caso em análise, Villas Bôas Cueva observou que a proclamação do resultado do julgamento não unânime ocorreu em 6 de abril 2016, razão pela qual o Tribunal de Justiça de São Paulo deveria ter promovido, de ofício, a ampliação do colegiado.
Agravo de instrumento
O CPC estabeleceu algumas restrições para a aplicação da nova técnica processual nos casos de ação rescisória – aplicável quando se tratar de rescisão de sentença – e de agravo de instrumento – quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito (artigo 942, parágrafo 3°).
Segundo a ministra relatora do AREsp 1.654.813, Nancy Andrighi, o posicionamento do STJ é no sentido de que a técnica diferenciada de julgamento só será exigível nas hipóteses em que o agravo de instrumento julgar antecipadamente o mérito da demanda – “o que permite a interpretação de que tal dispositivo se dirige às ações de conhecimento, não se aplicando, assim, ao processo de execução”.
Com esse entendimento, a ministra negou o pedido de um condomínio para anular o julgamento de agravo de instrumento que negou a penhora de um imóvel objeto de dívida. O recorrente argumentou que foi descumprida a regra de ampliação do julgamento, uma vez que a decisão impugnada não foi unânime.
A ministra esclareceu, contudo, que a decisão foi proferida em cumprimento de sentença, sendo inadmissível a discussão a respeito da necessidade de julgamento ampliado na hipótese.
Recuperação judicial
No caso de agravo de instrumento contra decisão que se pronuncia sobre o crédito e a sua classificação em procedimentos de recuperação judicial, se o recurso for julgado por maioria, deve se submeter à técnica de ampliação do colegiado.
A tese foi aplicada pela Terceira Turma no REsp 1.797.866, ao anular acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que, analisando decisão de primeiro grau relativa à impugnação de créditos em uma recuperação, reformou o julgado por maioria de votos, mas afastou a ampliação do colegiado por entender que o julgamento dizia respeito apenas a um incidente processual, e não ao mérito.
O relator, ministro Villas Bôas Cueva, destacou que a impugnação ao crédito não é um mero incidente processual na recuperação, mas uma ação incidental, de natureza declaratória, inclusive com a previsão de produção de provas e a possibilidade da realização de audiência de instrução e julgamento.
“Sob essa perspectiva, a decisão que põe fim ao incidente de impugnação de crédito, pronunciando-se quanto à validade do título (crédito), seu valor e a sua classificação, é inegavelmente uma decisão de mérito”, disse o relator.
Prejuízo ao menor
Ainda que não se trate de processo criminal regido pela proibição de reformatio in pejus e estando o menor infrator sujeito a medida socioeducativa de natureza sancionatória, a Sexta Turma entendeu que é incabível a complementação do julgamento segundo a técnica do artigo 942 do CPC quando em prejuízo do menor.
Para a ministra Maria Thereza de Assis Moura – relatora de recurso em que o Ministério Público do Rio de Janeiro pedia a aplicação da técnica em ação referente à execução de medida socioeducativa em vara da infância e da juventude –, o sistema recursal da lei processual civil é aplicável aos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude, inclusive os relativos à execução das medidas socioeducativas (artigo 198 do Estatuto da Criança e do Adolescente).
Contudo, ela entendeu que a aplicação da técnica de julgamento prevista no artigo 942 do CPC nos procedimentos da Justiça da Infância e da Juventude, quando a decisão não unânime foi favorável ao adolescente, implicaria conferir ao menor tratamento mais gravoso que o atribuído ao réu penalmente imputável – já que os embargos infringentes e de nulidade, ainda previstos na legislação processual penal (artigo 609), somente são cabíveis na hipótese de o julgamento tomado por maioria não beneficiar o réu –, “culminando em induvidosa afronta às normas protetivas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente”.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
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