Internacional
Indignação segue ocupando as ruas da Colômbia
Um protesto contra o ajuste fiscal se tornou uma manifestação generalizada de revolta com a desigualdade, a pobreza e a violência policial, que já paralisa o país há mais de um mês. As denúncias de violações se acumulam
O presidente da Colômbia, Iván Duque, ordenou na sexta-feira (28/05) a militarização das ruas da cidade de Cali, epicentro dos protestos que ocorrem há mais de um mês no país. Não há sinais, porém, de que a medida deva aplacar a ira dos manifestantes, em meio a constantes denúncias de violações dos direitos humanos por parte das forças policiais.
A Colômbia vive atualmente a mais intensa onda de protestos em décadas. O gatilho foi um ajuste fiscal proposto por Duque, que, para muitos colombianos, tornaria ainda mais difícil sobreviver numa economia já debilitada pela pandemia.
Mas os protestos logo se transformaram em uma manifestação generalizada de indignação com a desigualdade e pobreza, que cresceram junto com a pandemia, e com a violência com a qual a polícia vem reagindo ao movimento.
A crise mais delicada da história recente do país completou um mês sem solução para os bloqueios e a instabilidade política, que impedem o funcionamento normal do país, e muito menos para problemas crônicos como a desigualdade denunciada desde o início pelos manifestantes.
As manifestações, que perderam força, mas seguem desencadeando confrontos e mortes, deixaram pelo menos 43 mortos – um número que varia dependendo da fonte -, pelo menos 129 desaparecidos e duros prejuízos para a economia, de empresas a agricultores e comerciantes.
A onda de protestos, a mais longa da história da Colômbia, também expôs a falta de liderança das partes não apenas para acalmar os ânimos, mas também para abrir negociações que levassem a um acordo que leve em conta as demandas dos jovens, que se tornaram a força motriz por trás das manifestações, e permitisse um retorno à normalidade em um país já duramente afetado pela pandemia.
Cali: o epicentro dos confrontos
“A partir desta noite de sexta-feira começa o envio máximo de assistência militar à Polícia Nacional na cidade de Cali e no departamento de Valle de Cauca”, disse o presidente Duque, que foi à capital regional para realizar uma reunião com as forças de segurança.
De acordo com ele, estarão à frente da operação “oficiais da mais alta experiência”. Por meio dessa assistência militar, os soldados ficarão destacados em várias cidades do país até que os distúrbios, que começaram há mais de um mês, terminem.
A ONG Human Rights Watch, que coloca o número de mortes em 63, diz que a situação na cidade de Cali, de 2,2 milhões de habitantes , é “muito grave”.
José Miguel Vivanco, diretor executivo da ONG para as Américas, exortou Duque a tomar “medidas urgentes para levar uma desescalada a situação, incluindo uma ordem específica proibindo os agentes do estado de usar armas de fogo”.
“A Colômbia não pode lamentar mais mortes”, escreveu no Twitter seu tweet.
As violentas manifestações, duramente reprimidas pelas forças policiais, e a maioria das mortes, foram registadas no departamento de Valle de Cauca, onde fica Calu. A região é marcada pela pobreza, racismo, tráfico de drogas e ainda pelo ressurgimento do conflito com um grupo dissidente das Farc, após os acordos de paz assinados com a guerrilha em 2016.
Na segunda-feira, o governo Duque disse que não acederia imediatamente a um pedido da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para visitar e investigar alegações de violações de direitos humanos.
“Todas as visitas são bem-vindas”, disse Marta Lucia Ramirez, vice-presidente da Colômbia, durante uma viagem a Washington. Mas, segundo ela, grupos externos terão que esperar até que as autoridades colombianas conduzam suas próprias investigações sobre irregularidades.
Os manifestantes conseguiram resposta a algumas de suas reivindicações, mas prometeram permanecer nas ruas. Estudantes, professores, trabalhadores da saúde, agricultores, comunidades indígenas e muitos outros grupos fazem hoje parte das manifestações.
Mortos e desaparecidos
Os violentos protestos deixaram pelo menos mais três mortos na cidade na sexta-feira, incluindo um procurador de Cali que disparou contra a multidão, antes de ser linchado pelos manifestantes.
Com estas vítimas, sobe para 49 o total de pessoas que morreram desde o início da contestação social, há mais de um mês, contra o governo do conservador Ivan Duque, incluindo dois agentes da Polícia, segundo uma contagem da agência de notícias AFP.
No entanto, a rede de organizações da sociedade civil local “Defender a liberdade: um assunto de todos” elevou na sexta-feira para 59 as vítimas nos protestos contra o governo colombiano.
“Ao longo de um mês de protestos, contamos 59 homicídios, 32 deles cometidos presumivelmente pelas forças de ordem pública. Os restantes presume-se que foram mortos por civis não identificados no contexto do protesto”, disse o porta-voz da rede Óscar Ramírez.
O porta-voz sublinhou que o uso desproporcional da força contra os manifestantes por parte das autoridades policiais e o uso indevido de armas de fogo deixaram 866 pessoas feridas, 51 delas com lesões oculares. A ONG Human Rights Watch contabilizou 61 mortos.
A Procuradoria-Geral da Colômbia diz que “as autoridades ainda estão procurando 129 pessoas que foram dadas como desaparecidas durante os protestos das últimas semanas”. Mas a ONG Indepaz diz ter conseguido consolidar “uma lista de 346 nomes de pessoas que foram dadas como desaparecidas diretamente à organização”.
Sem conciliação à vista
O secretário de Estado americano, Antony Blinken, encontrou-se com a vice-presidente da Colômbia, Marta Lucia Ramirez, em Washington, na sexta-feira.
O diplomata americano “expressou sua preocupação e condolências pela perda de vidas durante os recentes protestos na Colômbia e reiterou o direito inquestionável dos cidadãos de protestar pacificamente”, de acordo com o porta-voz Ned Price.
Blinken também “saudou o diálogo nacional que o presidente Duque convocou como uma oportunidade para o povo colombiano trabalhar em conjunto para construir um futuro pacífico e próspero”.
Mas duas semanas de negociações para acabar com a agitação ainda não deram frutos.
A fim de avançar, os líderes de protesto insistem que o governo deve reconhecer os abusos da polícia e das Forças Armadas.
Mas Bogotá alega que guerrilheiros de esquerda e combatentes dissidentes das Farc se infiltraram nas manifestações para fomentar a violência e a depredação.
Na quinta-feira, o Senado colombiano lançou uma moção de censura contra o ministro da Defesa, sob quem a polícia está subordinada.
Os 30 dias de violência e incerteza parecem não ser suficientes para que as partes que resistem à negociação resolvam um protesto social que, ao que tudo indica, está longe de ter encerrado. Soma-se a isso a proximidade de um ano eleitoral como 2022, e muitos políticos contam com a conveniência de seus movimentos.
Enquanto isso, a Colômbia continua a ver um número recorde de infecções por coronavírus, e os hospitais estão se aproximando do colapso.