Internacional
Países lançam promoções inusitadas para atrair céticos da vacina
Maconha, lagosta, coupons de compras e joias: em vários lugares, campanhas tentam estimular imunização contra a covid-19 com pequenos presentes. Parece novidade, mas iniciativas assim já existem desde o século 19
Vale-compras para vacinados: em Belgrado, campanhas como essa causam uma verdadeira corrida pela vacina
Nos Estados Unidos, a campanha de vacinação contra covid-19 avança a passos largos. Quase metade da população já recebeu a primeira dose, e 39% estão totalmente vacinados.
No início do ano, havia escassez de vacinas, mas agora a situação nos centros de vacinação do país é outra. Em muitos locais, a oferta de imunizantes supera a demanda. Cada vez mais sobram doses. Já há algum tempo, ativistas, autoridades e empresas vêm apresentando incentivos insólitos para atrair aqueles que resistem à seringa.
O estado americano de Ohio, por exemplo, está distribuindo 1 milhão de dólares por semana entre os vacinados. Já Nova York ofereceu um cigarro de maconha de graça para todos que tomassem a primeira dose num determinado dia no final de abril. O Maine, por sua vez, concede gratuitamente licenças de caça para vacinados, e há poucos dias uma campanha da cidade de Nova Orleans causou sensação oferecendo meio quilo de lagosta grátis para cada injeção.
Mas ideias criativas para atrair cidadãos para a vacinação não são uma exclusividade americana. Em Rajkot, na Índia, joalheiros distribuem piercings dourados para vacinados. Na Rússia e na Sérvia, quem é imunizado recebe coupons de compras. Já na Transilvânia romena é possível até mesmo garantir uma dose no Castelo do Drácula, com diploma de imortalidade incluso.
Longa tradição
Por mais curiosos que alguns desses incentivos possam parecer, eles não são novos. “Algo semelhante aconteceu com a vacinação contra a varíola já no início do século 19”, conta o historiador Malte Thiessen, que estuda a história da vacinação. “Também naquela época a imunização era nova, e inicialmente havia grande ceticismo. Por isso as autoridades traziam comida, distribuíam doces ou até concediam medalhas. Tudo como incentivo para se vacinar voluntariamente.”
Reservas contra a vacinação são tão antigas quanto as próprias vacinas – e, portanto, sempre representaram um problema. No final de 2018, antes do início da pandemia de covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que a “resistência à vacinação” era uma das dez maiores ameaças à saúde em todo o mundo.
As razões para tal, segundo Thiessen, são bastante diversas. “Por um lado, a própria vacinação contradiz o bom senso: recebo uma injeção de algo que pode, em princípio, até me deixar doente, e isso deve então me proteger.”
Segundo o historiador, os imunizantes são frequentemente percebidos como uma interferência artificial no curso da natureza. “Surge então a ideia de que o fortalecimento do sistema imunológico por meio da experiência da doença seria melhor para o processo de desenvolvimento natural do corpo.”
Além disso, muitas campanhas de vacinação, especialmente em países industrializados, foram vítimas de seus próprios sucessos. “Hoje vivemos numa era imunizada”, aponta Thiessen. Seja sarampo, tifo, poliomielite ou varíola: “A ideia de que as doenças infecciosas são ameaçadoras desapareceu quase completamente de nossa consciência – precisamente porque as expulsamos de nosso mundo por meio de campanhas de vacinação eficazes desde as décadas de 1950 e 1960”.
Além disso, as vacinas também são percebidas em parte como programas de política de saúde nacionais. “E por isso, elas refletem no quanto eu confio em minhas próprias instituições de Estado”, diz Thiessen. Isso foi demonstrado, por exemplo, na França, onde a desconfiança nas instituições estatais é tradicionalmente maior do que na Alemanha. “Imediatamente, a disposição em se vacinar foi menor lá do que aqui.”
São exatamente argumentos como esses que podem ser encontrados em uma pesquisa do Censo dos EUA, que descobriu que mais de 20% dos americanos ainda relutam em se vacinar. A desconfiança na vacina, mas também no governo, estão entre os argumentos mais citados. Mais de 20% dos entrevistados também disseram achar que “simplesmente não precisam disso”.
Os que se recusam, os céticos e os desinteressados
E é exatamente aqui que Thiessen vê como o maior problema. Muitas vezes, afinal, a resistência em se vacinar não vem de uma resistência à vacinação em si.
“Há os desinteressados, e aqui muitas vezes se trata de uma questão de comodidade; há os céticos da vacina, que não rejeitam a vacinação em si, mas antes de tudo querem saber exatamente o que está sendo feito; e depois há os oponentes da vacina, que fundamentalmente rejeitam a vacinação e inclusive argumentam com teorias da conspiração”, explica o historiador.
Segundo ele, os antivacinas são o menor grupo. O pesquisador afirma que, em todas as campanhas de imunização anteriores há, basicamente, apenas um percentual de 2% a 5% de pessoas que rejeitam absolutamente a vacinação. “Com essas, temos que viver – com as outras, podemos conversar.”
Para atrair céticos e desinteressados, são necessárias campanhas de esclarecimento, apelos ou simplesmente ações tão incomuns como a do conselho municipal de Nova Orleans. Em apenas três horas, foram distribuídos cerca de 57 quilos de lagosta.
“Apesar de parecer banal e ridícula à primeira vista, essa ação indica algo muito importante: que as pessoas são acomodadas. E isso, por sua vez, mostra que, quanto mais simples a maneira pela qual fazemos as coisas, mais bem-sucedidas elas serão. E essa geralmente é a solução”, acrescenta Thiessen.