Segurança Pública
Debatedores propõem treinar profissionais para identificar violência contra crianças e adolescentes
A ideia é aumentar a rede de monitoramento e favorecer denúncias de casos suspeitos
Debatedores sugeriram, em audiência promovida pela Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, um esforço social conjunto para frear a alta consistente dos casos de violência doméstica contra crianças e adolescentes no Brasil.
Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), apenas no ano de 2019 foram notificadas, em média, 243 agressões por dia no Brasil contra o público com idades entre 0 e 19 anos, somando 88.572 notificações. Dessas, 62.537 envolveram violência física; 23.969, violência psicológica ou moral; e 2.342, tortura.
Além de oferecer novos caminhos para denúncias, segundo os participantes, é preciso capacitar mais profissionais das áreas de educação, saúde, assistência social e segurança pública para identificar o problema a partir de sinais não tão evidentes.
Presidente da SBP, Marco Antônio Gama propôs que os médicos investiguem com mais atenção traumas e sinais comportamentais manifestados por crianças e jovens. “O médico tem que pensar em um diagnóstico diferencial para várias patologias que podem estar disfarçadas. A criança caiu do muro? Nada, ela sofreu uma agressão, disse.” Para Gama, quanto mais conhecimento técnico-cientifico o médico tiver, mais chances a criança terá de ser protegida e mais subsídios a Justiça terá para processar o agressor.
Casos de agressão
O deputado Dr. Zacharias Calil (DEM-GO), que é cirurgião pediátrico e que propôs o debate, lembrou os casos de Henry Borel, Isabella Nardoni e Bernardo Boldrini, mortos em decorrência de violência doméstica.
“Fiquei muito deprimido ao ver o sofrimento de uma criança indefesa evoluir para o óbito”, disse Calil, referindo-se ao caso do menino Henry, que já chegou morto a um hospital do Rio de Janeiro com sinais de agressão física. “Precisamos chamar atenção para os sinais de alerta que as crianças apresentam. As crianças se comunicam com a gente muitas vezes apenas com o olhar”, reforçou Calil.Reprodução / TV Câmara
Presidente da Associação Brasileira de Cirurgia Pediatria, a médica Maria do Socorro de Campos lembrou que, entre 2010 e 2019, mais de 103 mil crianças e adolescentes com até 19 anos morreram no Brasil, vítimas de agressão.
Como em 90% dos casos os agressores são os próprios pais da vítima, ela considera fundamental orientar profissionais de diversas áreas para que sigam os protocolos recomendados, como saber ouvir, não fazer perguntas em demasia e evitar que a vítima se sinta culpada.
“É importante ainda orientar a vítima sobre todos os procedimentos a serem adotados, como o tipo de exame a ser realizado; não prometer que o fato vai ficar entre ela e o profissional, porque pode ser necessário fazer uma denúncia; e garantir a singularidade do atendimento, levando em conta cada tipo de situação”, observou.
Pandemia
De 2010 a 2019, os números mostram alta de 294,3% nos casos violência física, de 222,4% nos casos de violência psicológica e de 180% nos casos de tortura. Porém, o secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Maurício Cunha, reconheceu que, durante a pandemia, com o fechamento de muitas escolas, os casos de violência contra crianças e adolescentes podem estar subnotificados.
“Quando se considera que a violência se dá no âmbito doméstico e é praticada por pessoas de confiança, certamente houve aumento de casos durante a pandemia. Apesar disso, as notificações diminuíram, porque a criança está com menos contato com professores e médicos, que são quem fazem a maior parte das denúncias”, disse Cunha.
Canais de denúncia
Ele explicou que, em 2020, dos 76.981 casos registrados envolvendo o público infanto-juvenil, apenas 4.402 foram realizados pela própria vítima.
Como novo meio de denúncia, além do Disque 100 (Disque Direitos Humanos) e do Ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher), ele informou que o governo trabalha no aplicativo SABE, para que as próprias crianças possam fazer denúncias.
Entre outras ações, citou a inauguração do primeiro Centro de Atendimento Integrado, em Vitória da Conquista (BA), em atendimento à Lei da Escuta Protegida, que exige condições específicas para o atendimento de vítimas de violência sexual. A ideia, segundo ele, é que a criança tenha acesso a todos os serviços necessários em um só local.
Impunidade
Francisco Cembranelli, promotor público do Estado de São Paulo que atuou no caso Isabella Nardoni, disse que não basta criminalizar condutas e prever penas rigorosas para os agressores. “O que impede a conduta é o criminoso ter a certeza de será punido. Hoje, somente 10% são denunciados e acabam sendo alvo de processo. Em mais de 90% dos casos, temos a impunidade absoluta no Brasil. Ao não ser alcançado, ele volta a delinquir, a espancar a mulher e a bater no filho”, disse Cembranelli, cuja tese levou à prisão de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, respectivamente pai e madrasta de Isabella, espancada e atirada pela janela do sexto andar de um prédio em São Paulo.
Os estados com mais ocorrências de violência contra menores no período são: São Paulo (138.460), Minas Gerais (96.287), Paraná (54.884), Rio de Janeiro (49.827) e Rio Grande do Sul (42.791).