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Judiciário

Princípios gerais de direito tributário e limitações constitucionais ao poder de tributar

Ao debruçar-se sobre questões envolvendo tributação e outras medidas que possam implicar em limitações à liberdade privada, o constituinte houve por bem impor uma série de limites e critérios a serem observados pelo poder público de modo a evitar arbitrariedades ou abusos por parte dos agentes estatais

A ideia de princípio leva a início, ou base. Quando se buscam os princípios de uma ciência, pretende-se investigar se há, entre os elementos do objeto estudado, pontos em comum que lhe dão uma coesão. Identificados princípios comuns, pode-se desenvolver um ramo científico autônomo.[1]

Segundo LUIS EDUARDO SCHOUERI, no Direito, em geral, e, com maior razão, no Direito Tributário, a identificação de princípios no ordenamento vigente é de grande importância, uma vez que com eles se reconhecem valores do ordenamento, positivados ou não, que acabam por servir como vetores para o adequado conhecimento e aplicação da ciência jurídica tributária, não apenas pelo legislador derivado, mas, especialmente, pelos aplicadores da norma tributária.

Tomando por base as lições de RONALD DWORKIN, importa destacar, desde logo, que princípios e regras não se confundem. Tem-se, por um lado, que as regras são normas jurídicas cuja aplicação se dá por completo, isto é, em uma sistemática que opta pela aplicação total de uma norma a um caso concreto, ou pela sua total inaplicabilidade aos fatos analisados. Desse modo, em eventual conflito entre regras, a aplicação de uma ou outra será decidida através da utilização dos critérios hierárquico, cronológico ou de especialidade.

Os princípios, por outro lado, não se aplicam de modo automático, fazendo-se sempre que necessário um juízo de ponderação e sopesamento quanto à sua aplicação, isto é, quando houver dúvida quanto a aplicação de um ou outro princípio ao caso concreto.

Nesse sentido, conclui LUIS EDUARDO SCHOUERI [2], tomando por base ROBERT ALEXY, que os princípios se manifestariam na forma de mandamentos de otimização, cabendo aos aplicadores da lei observá-los na maior medida possível, não obstante possam estes ser cumpridos em diferentes graus, conforme a situação e as próprias possibilidades fáticas e jurídicas. 

Com efeito, os princípios podem ser expressos, como é o caso do art. 145 e seguintes da Constituição Federal, em matéria tributária, ou implícitos, decorrentes de uma leitura atenta e sistematizada dos diplomas legais pertinentes.

Toma-se, como exemplo, o princípio da Segurança Jurídica, que, a despeito de sua inestimada importância para a correta aplicação do direito, não possui expressa previsão legal, decorrendo, por essa razão, de entendimentos jurisprudenciais consolidados e de estudos doutrinários amplamente realizados. Para GERALDO ATALIBA[3], consagrado doutrinador em matéria tributária, o papel desempenhado pelo princípio da Segurança Jurídica, ou Higidez, conforme nomenclatura adotada pelo autor, é, para além de quaisquer considerações quanto à sua previsão legal, uma garantia para a manutenção da unidade do ordenamento jurídico brasileiro.

Como se sabe, ao debruçar-se sobre questões envolvendo tributação e outras medidas que possam implicar em limitações à liberdade privada, o constituinte houve por bem impor uma série de limites e critérios a serem observados pelo Poder Público de modo a evitar arbitrariedades ou abusos por parte dos agentes estatais. 

Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988, na seção denominada “Das limitações ao poder de tributar” (Art. 150 e seguintes), impõe, ao legislador e aplicador do direito, critérios a serem observados para o exercício do poder de tributar.

Para LEANDRO PAULSEN[4], as referidas limitações podem se apresentar enquanto garantias do contribuinte (legalidade, anterioridade, irretroatividade), como forma de concretização de outros direitos individuais (imunidades objetivas) e, finalmente, como instrumento para preservação da forma federativa do Estado (imunidade recíproca, vedação da concessão de isenções heterônomas, dentre outras).

Discorrendo sobre o tema, KIYOSHI HARADA entende que

Ao mesmo tempo em que procedeu a partilha de competência tributária que, por si só, já é uma limitação ao poder de tributação, na medida em que a outorga de competência privativa a uma entidade política implica, ipso fato, a vedação do exercício dessa competência por outra entidade política não contemplada, a Constituição Federal prescreveu inúmeros princípios tributários, visando à preservação do regime político adotado, à saúde da economia, ao respeito aos direitosfundamentais e à proteção de valores espirituais. [5]

Não obstante entender que as limitações,  do  rol, ao poder de tributar, não constituem princípios, mas regras de conduta, LEANDRO PAULSEN, conclui que

as limitações ao poder de tributar visam preservar valores fundamentais para o cidadão contribuinte. O papel das garantias outorgadas ao contribuinte e das imunidades tributárias normalmente diz respeito à preservação da segurança, da justiça, da liberdade e da forma federativa de Estado. [6]

Para o autor, as referidas limitações constituem cláusulas pétreas, conforme art. 60, §4º da Constituição, porquanto se tratam de garantias do contribuinte insuscetíveis de supressão legislativa, ainda que na forma de Emendas Constitucionais.

Nos tópicos seguintes, serão abordados os princípios, ou regras, a depender do entendimento doutrinário adotado, que guardem pertinência direta com o objeto do presente estudo.

PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA E SEGURANÇA JURÍDICA

Considerado como expressão do próprio Estado (Democrático) de Direito, o princípio da Legalidade, em sua mais ampla acepção, está previsto no art. 5º, II, da Constituição Federal, in verbis.

Art. 5º (…) II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Historicamente, diz-se que o aclamado princípio tem suas origens na Magna Carta Inglesa de 1215. Naquele tempo, após um movimento de insurgência por parte da nobreza inglesa frente à instituição e majoração de tributos pelo Rei, foi elaborado um documento cuja finalidade maior foi a declaração e imposição de limites ao poder de tributar, através da máxima “no taxation without representation”.

Nesse sentido, quando se emprega a notória expressão, o que se está a dizer, em outras palavras, é que deve haver uma aprovação prévia por parte dos contribuintes, através de lei, para a instituição ou majoração de tributos.

Atualmente, pode-se dizer que, em matéria tributária, o referido princípio encontra disposição expressa no art. 150, I, da Constituição Federal, in verbis

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

O que o dispositivo constitucional visa assegurar, como se vê, é que o contribuinte não seja surpreendido com a cobrança ou aumento de tributo sem que tal exação venha acompanhada de prévia aprovação por lei.

Isto é, o constituinte originário, tomando por base todo um contexto de evolução histórica de luta e insurgência contra abusos e arbitrariedades praticados por parte dos governantes, houve por bem consagrar, em mais de uma ocasião, aliás, o mandamento segundo o qual nenhuma pessoa pode ser compelida a fazer ou deixar de fazer qualquer coisa se não houver expressa previsão em lei na qual se defina a referida obrigação, inclusive, e com maior razão, em matéria tributária.

Levando em consideração a importância do referido comando, RUY BARBOSA NOGUEIRA conclui que

o princípio da legalidade tributária é o fundamento de toda a tributação, sem o qual não há como sem falar em Direito Tributário. [7]

Nesse esteio, HUGO DE BRITO MACHADO assevera, ademais, que

no Brasil, como, em geral, nos países que consagram a divisão dos Poderes do Estado, o princípio da legalidade constitui o mais importante limite aos governantes na atividade de tributação. [8]

Para ALBERTO XAVIER[9], o princípio da legalidade constitui garantia fundamental individual de proteção dos direitos do homem no que diz respeito ao direito de propriedade e de liberdade econômica. Em outras palavras, sustenta o ilustre doutrinador que a legalidade tributária estaria intimamente relacionada à própria liberdade de contratar, uma vez que apenas estariam sujeitos ao fenômeno da tributação os atos que constassem de um catálogo taxativo de tributos.

Como grande expoente da doutrina, ALBERTO XAVIER é reconhecido como um dos grandes responsáveis pela consagração da teoria da Estrita Legalidade ou Tipicidade Fechada, mais detalhada em tópico ulterior, segundo a qual não basta que o tributo encontre previsão em lei para a sua instituição ou majoração, uma vez que, para muito além disso, devem todos os elementos configuradores da referida exação estarem exaustivamente previstos e estabelecidos pela lei que o instituiu, sob pena de se incorrer em abuso em detrimento do contribuinte.

Em estudo no qual defendia a inconstitucionalidade da norma antielisiva brasileira (CTN, Art. 116, parágrafo único), o referido autor se refere a um conceito por ele intitulado de “reserva de constituição originária”, segundo o qual, em matéria envolvendo garantias e direitos fundamentais, os quais constituem cláusulas pétreas (Art. 60, §4º, IV) insuscetíveis de abolição (ainda que na forma de abolição parcial), como o direito ao princípio da legalidade tributária, da livre iniciativa e da liberdade de contratar, estaria impedido o legislador de editar medidas que visem limitar ou restringir as mencionadas garantias, posto que constituiriam normas de eficácia plena, sob as quais não seria conferida ao legislador qualquer poder para sobre elas dispor, especialmente em se tratando de direitos e garantias fundamentais. Desse modo, sequer por meio da inclusão de norma constitucional derivada, na forma de Emendas Constitucionais, poderia o legislador instituir norma que, em desacordo com a Constituição Federal, pudesse limitar direitos e garantias concedidos de maneira plena pelo constituinte originário.

Como se vê, ALBERTO XAVIER, atribui a mais elevada importância ao princípio da Legalidade Tributária, expresso na forma do princípio da Tipicidade da tributação, uma vez que toda a unidade do sistema, para ele, estaria centrada na defesa do contribuinte no sentido de não ser obrigado a recolher tributos sem que houvesse expressa e detalhada disposição em lei.

Em que pesem as discordâncias pontuais quanto à posição de ALBERTO XAVIER, especialmente no que diz respeito à utilização de tipos abertos ou conceitos jurídicos indeterminados em matéria tributária, rechaçada veementemente por aquele, LEANDRO PAULSEN, de igual modo, aduz que

a legalidade tributária exige que os tributos sejam instituídos não apenas com base em lei ou por autorização legal, mas pela própria lei. Só à lei é permitido dispor sobre os aspectos da norma tributária impositiva: material, espacial e temporal, pessoal e quantitativo. A legalidade tributária implica, pois, reserva absoluta de lei, também designada de legalidade estrita. [10]

Para LUIS EDUARDO SCHOUERI, no entanto, não há de se falar em princípio da “Tipicidade Fechada”, não obstante seja dever do legislador, no exercício de suas atribuições, concentrar seus esforços para tornar a lei a mais clara e determinada possível. Para tanto, o autor se vale da diferenciação inicialmente observada por HEINZ-CHRISTIAN STRACHE entre as noções de “tipo” e “conceito” aplicada ao Direito Tributário.

Em seu entender, a ideia de “tipo” é incompatível com o princípio da Legalidade e, consequentemente, com a exigência de determinação normativa em matéria de Direito Tributário. Para o autor, na medida em que a noção de “tipo” estaria relacionada à ideia de fluidez e abertura, uma vez que se admitiria a sua evolução ao longo do tempo, “conceito”, por outro lado, atenderia satisfatoriamente à determinação normativa exigida pelo ordenamento jurídico. Ao se tratar de “tipos”, fala-se em descrição do objeto, ao passo que, quanto aos “conceitos”, estar-se-ia diante de uma definição propriamente dita.

Enquanto um conceito jurídico permite uma definição exata, com contornos precisos, no tipo não cabe falar em definição, mas em descrição; o conceito se define a partir de seus contornos, i.e, afirmando-se quais os pontos que ele não pode ultrapassar sob pena de fugir do conceito que se procura, enquanto o tipo se descreve a partir de seu cerne, i.e, daquilo que ele deve preferencialmente possuir. Sua descrição não apresenta os elementos necessários para uma diferenciação, mas aqueles característicos segundo determinado ponto de vista, ou os “típicos”

Tendo por referência MISABEL DE ABREU MACHADO DERZI, entende, portanto, ser mais adequado falar-se em “princípio da conceitualização normativa especificante” do que “princípio da Tipicidade fechada”.

Nem por isso, no entanto, qualquer dos autores mencionados admite que a existência de conceitos indeterminados e cláusulas gerais, próprios a alguns ramos do direito, possam conduzir ao raciocínio de que, em matéria tributária, adote-se juízos de conveniência ou oportunidade, consubstanciados no exercício de discricionariedade (ou, por vezes, arbitrariedade) por parte do administrador.

PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE

Ao lado do princípio da Legalidade, o princípio da Anterioridade Fiscal constitui importante garantia de proteção ao contribuinte, insculpido na forma de limitação ao poder estatal.

Considerado um princípio tipicamente tributário (ou regra, para alguns autores como LEANDRO PAULSEN[11]), a Anterioridade Fiscal encontra previsão expressa no art. 150, III, alíneas “b” e “c”, in verbis

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

III – cobrar tributos:

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

Conforme se extrai do dispositivo constitucional colacionado, o constituinte considerou que não bastava à proteção do contribuinte apenas a observância do princípio da Legalidade, havendo, para além disso, a necessidade da consagração de outro mandamento, este muito mais relacionado à própria eficácia das normas tributárias.

Isto é, na medida em que a legalidade impõe que haja prévia previsão em lei para a instituição ou majoração de tributo, a anterioridade está mais ligada ao momento da produção de efeitos da respectiva lei que instituiu ou majorou a exação.

Segundo LEANDRO PAULSEN,

quanto à abrangência da garantia, as anterioridades alcançam tanto a instituição do tributo como a sua majoração. Assim, aplicam-se primeiramente à própria definição legal dos aspectos material, espacial, temporal, pessoal e quantitativo. Posteriormente, também aplicam-se a eventuais modificações da norma tributária impositiva que, por ampliarem sua incidência ou o montante devido, impliquem cobrar mais tributo. [12]

Nesse sentido, divide-se a anterioridade fiscal em duas, a saber, a anterioridade de exercício (Art. 150, III, b) e anterioridade nonagesimal (Art. 150, III, c).

Em sua literalidade, o princípio da anterioridade de exercício prevê que nenhum tributo pode ser cobrado no mesmo exercício financeiro em que foi instituído ou majorado, ressalvadas as hipóteses do art. 150, § 1º da Constituição Federal.

O princípio da anterioridade nonagesimal, por outro lado, é fruto de esforço empreendido pelo constituinte derivado, tendo sido incluído na seção das limitações ao poder de tributar por força da Emenda Constitucional nº 42 de 2003. Os motivos que levaram à sua promulgação estão relacionados ao fato de que, não raro, em momentos anteriores à EC 42/03, o legislador ordinário aprovava leis que implicavam maior ônus ao contribuinte, seja pela instituição de tributos, seja pela majoração dos até então existentes, precisamente nos últimos dias do exercício financeiro, que até o momento coincide com o ano civil, já os exigindo logo na virada do ano.

É evidente que tal prática ia de encontro à intenção do constituinte originário que, ao positivar o princípio da anterioridade, não considerava razoável que o contribuinte fosse surpreendido pelo aumento da carga tributária por este suportada de maneira tão inesperada.

Por essa razão, levando-se em consideração o fato de que, apenas formalmente, o legislador ordinário, ao promover alterações na legislação tributária no final do exercício financeiro, estava cumprindo com os preceitos normativos vigentes, foi necessária a edição de norma que encerrasse com esse tipo de prática.

Observe-se que, em nível argumentativo, poder-se-iam substituir os sujeitos da relação (legislador – agente estatal – por contribuinte) e, com maior razão, haveria a necessidade da edição de norma jurídica vedando a prática de um ato pelo agente econômico.

Esclarecendo, o que se está a dizer, apenas de modo simplificado, é que a lógica do sistema é bastante clara. Quando se deseja inibir a prática de determinado ato, deve-se fazê-lo através da promulgação de norma apta e legítima para tal. Se para vedar a prática de determinado ato pelo Estado foi necessária a edição de lei (ou emenda constitucional, no caso em análise), considerando que a atuação estatal estava dentro dos limites permitidos pelo constituinte originário, para se vedar a prática de ato pelo contribuinte, de igual modo se faz necessário que isso seja feito através de lei, ou melhor, em observância à estrita legalidade. Nada mais natural, afinal, tendo em vista o mencionado princípio da legalidade.

Como se vê, houve uma preocupação muito grande do constituinte em garantir aos contribuintes a segurança jurídica necessária para o planejamento de suas decisões.

De fato, assim como no caso da legalidade, pode-se dizer que o princípio da segurança jurídica serve de influência ao princípio da anterioridade, uma vez que não é razoável exigir-se de maneira inesperada, e não passível de planejamento, portanto, o pagamento de tributos, sendo certo que, de outro modo, comprometer-se-ia de modo inaceitável a garantia de proteção contra a atuação estatal.

É importante destacar, aliás, que é entendimento pacífico do STF que, ao lado de diversos outros princípios, a limitação ao poder de tributar conferida pelo princípio da Anterioridade Tributária constitui cláusula pétrea, por ser um direito fundamental, sendo, desse modo, insuscetível de discussões tendentes à sua abolição ou inobservância.

PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE

De modo idêntico aos princípios da Legalidade e Anterioridade, anteriormente mencionados, o princípio da Irretroatividade Tributária possui expressa previsão no texto constitucional, a saber, no art. 150, III, a, colacionado abaixo.

­Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

III – cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;

Como se vê, a Constituição Federal consagrou de modo expresso o mandamento que impede que a lei tributária, ­que implique a cobrança de novos tributos ou a majoração dos até então existentes, tenha eficácia contra atos anteriores à sua vigência.

Isto é, como forma de limitação ao poder de tributar, e é importante destacar isto, é correto dizer que o ordenamento jurídico brasileiro afastou a possibilidade de que uma norma tributária mais gravosa tenha efeitos retroativos, não podendo aplicar-se, portanto, a fatos pretéritos à sua instituição. As únicas exceções atualmente comportadas pelo referido comando encontram-se previstas no Código Tributário Nacional, art. 106, in verbis

Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:

I – em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;

II – tratando-se de ato não definitivamente julgado:

a) quando deixe de defini-lo como infração;

b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo;

c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.

Assim, salvo nas hipóteses de lei interpretativa (Art. 106, I), desde que não comine penalidade ao contribuinte, e, em tratando-se de ato não definitivamente julgado (Art. 106, II), a lei nova confira tratamento mais benéfico ao contribuinte, não se admite no ordenamento jurídico brasileiro a produção de efeitos ex tunc pela norma tributária.

Pode-se dizer, portanto, que o referido princípio, ao lado da legalidade e anterioridade, tem por finalidade a proteção do contribuinte, visando resguardar a confiança deste na situação jurídica existente ao tempo dos atos praticados. Em outras palavras, o constituinte considerou relevante, ainda que de modo implícito, o princípio da segurança jurídica como forma de proteção ao contribuinte nas suas mais variadas acepções, tais como legalidade, anterioridade e, agora, irretroatividade, dentre outros.

Sobre o tema, LUIS EDUARDO SCHOUERI afirma que,

se do princípio da Legalidade já se tem a ordem de que somente em virtude de uma lei é que surgirá a obrigação tributária, o princípio da Irretroatividade vem em seu complemento, esclarecendo que a referida lei deve ser anterior ao próprio fato tributado. [13]

Nesse sentido, LUCIANO AMARO ensina que

O que a Constituição pretende, obviamente, é vedar a aplicação da lei nova, que criou ou aumentou tributo, a fato pretérito, que, portanto, continua sendo não gerador de tributo, ou permanece como gerador de menor tributo, segundo a lei da época de sua ocorrência.

Lei tributária que eleja fatos do passado, como suporte fático da incidência de tributo antes não exigível (ou exigível em montante inferior), será inconstitucional, por ferir o princípio da irretroatividade da lei criadora ou majoradora do tributo. [14]

Para o tema de Elisão Fiscal, a garantia à irretroatividade da norma tributária assuma papel dos mais relevantes, porquanto garante ao contribuinte que, na condução de seus negócios, não seja ele surpreendido por norma posterior conferindo tratamento mais gravoso a situações já praticadas no passado, garantindo-se a adequada tomada de decisões com base nas normas vigentes ao tempo da prática dos atos.

PRINCÍPIO DA ISONOMIA E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

A Igualdade, enquanto valor supremo de uma República, cuja repercussão se observa em todos os ramos do direito, encontra previsão expressa, em sua acepção mais ampla, no art. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988, in verbis

Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.

Na seara do Direito Tributário, o princípio da Igualdade se manifesta na forma do princípio da Isonomia, previsto no art. 150, II da Constituição Federal, abaixo colacionado.

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

Como se vê, a Isonomia, enquanto garantia assegurada ao contribuinte, conforme se depreende do caput do dispositivo constitucional avocado, veda a instituição de tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, não se autorizando, em qualquer hipótese, distinção em razão da profissão por eles desempenhada.

Em contrapartida, a Constituição Federal exige, ainda que implicitamente, tratamento diferenciado para contribuintes que estejam em situações desiguais, de modo a fazer valer a Isonomia em seu sentido material.

Com efeito, é importante destacar que, na medida em que a Isonomia não necessita ser justificada, quaisquer diferenciações entre os contribuintes, de modo a tornar menos gravosa a situação de uns frente aos demais, deve ser justificada tomando-se por parâmetros os critérios de razoabilidade e proporcionalidade. É dizer, não basta que a diferenciação seja justificada quanto à sua instituição, mas, também, quanto à sua extensão.

Efetivamente, o princípio da isonomia não apenas proíbe tratamentos diferenciados sem uma justificação constitucional, como exige tratamentos diferenciados onde haja distinta capacidade contributiva ou essencialidade do produto. [15]

Pode-se dizer, deste modo, que a Isonomia assuma uma dupla feição, qual seja, em sentido horizontal e vertical.

Em sentido horizontal, reflete a obrigação do Estado de tratar de modo isonômico aqueles que se encontre em situações equivalente.

Em sentido vertical, trata do direito que detém o contribuinte de ser taxado de maneira diferenciada conforme a sua capacidade econômica, ou melhor, conforme a capacidade contributiva manifestada.

Dessa forma, é correto dizer-se que, em matéria tributária, o principal parâmetro a ser levado em consideração para a atribuição de tratamento não isonômico é, precisamente, a capacidade contributiva manifestada pelo contribuinte.

A Constituição Federal de 1988, erigida sob a égide de valores como Liberdade, Igualdade e Justiça, consagrou a referida distinção em seu art. 145, § 1º, in verbis

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (…)

§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Muito se discutiu quanto à extensão de tal dispositivo, uma vez que o contribuinte mencionou apenas a espécie tributária “Impostos” para a aplicação de tal preceito. No entanto, a doutrina e jurisprudência consagraram o entendimento segundo o qual a gradação de um tributo conforme a capacidade econômica do contribuinte deve ocorrer, também, e sempre que possível, para as demais espécies tributárias, como as contribuições e empréstimos compulsórios.

Nesse sentido, LEANDRO PAULSEN assevera que

Embora o texto constitucional positive o princípio da capacidade contributiva em dispositivo no qual são referidos apenas os impostos — que devem, sempre que possível, ser pessoais e graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte (art. 145, parágrafo único, da CF) —, cuida-se de princípio fundamental de tributação aplicável a todas as espécies tributárias, ainda que de modo distinto conforme as características de cada qual.

Importa destacar, nada obstante, que a Capacidade Contributiva, enquanto principal parâmetro para a imposição de tratam­entos diferenciados entre os contribuintes, constitui efetiva garantia destes, e não elemento legitimador para a atuação estatal. Isto é, sob o pretexto de que alguns contribuintes podem eventualmente deter maior capacidade econômica, não pode o Estado impor a eles tributos que acabem por se revelar excessos ou, pior ainda, em evidente expropriação de patrimônio.

Para GILMAR FERREIRA MENDES, a afirmação do princípio da capacidade contributiva traz duas implicações imediatas.

A capacidade contributiva, em primeiro lugar, determina que só fatos que denotem riqueza podem compor o critério material da hipótese da regra matriz de incidência tributária. Em segundo lugar, funciona como critério para graduação das exações, ao determinar que os tributos sejam fixados de acordo o potencial econômico dos contribuintes. [16]

A Capacidade Contributiva, enquanto princípio, deve ser encarada, antes de tudo, enquanto limite à atuação estatal, de modo a resguardar o contribuinte frente ao Poder Público contra investidas deste para obtenção de recursos. Desse modo, conquanto aplicado tanto a contribuintes que manifestem pouca capacidade contributiva, quanto àqueles que detenham mais capacidade econômica, não pode o princípio da Capacidade Contributiva, enquanto garantia ao contribuinte, legitimar a tributação desproporcional destes últimos.

É o que se extrai dos ensinamentos de LEANDRO PAULSEN, quando afirma o autor que

O princípio da capacidade contributiva também se projeta nas situações extremas, de pobreza ou de muita riqueza. Impõe, de um lado, que nada seja exigido de quem só tem recursos para sua própria subsistência e, de outro lado, que a elevada capacidade econômica do contribuinte não sirva de pretexto para tributação em patamares confiscatórios que, abandonando a ideia de contribuição para as despesas públicas, imponha desestímulo à geração de riquezas e tenha efeito oblíquo de expropriação. [17]

Aliás, os grandes debates teóricos atualmente travados no âmbito do Planejamento Tributário, desenvolvidos com maior profundidade em tópico ulterior, envolvem justamente a discordância de alguns doutrinadores quanto à extensão do princípio da Capacidade Contributiva, seja na forma de uma garantia ao contribuinte, seja como forma de legitimar a atuação estatal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] SCHOUERI, Luis Eduardo. Op. Cit. 2015, p. 289

[2] SCHOUERI, Luis Eduardo. Op. Cit. 2015, p. 290

[3] ATALIBA, Geraldo – Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais (RT), 1968 p. 37-39

[4] PAULSEN, Leandro – Curso de Direito Tributário completo. São Paulo: Saraiva, 2017 p. 128

[5] HARADA, Kiyoshi. Op. Cit. 2016, p. 455

[6] PAULSEN, Leandro. Op. Cit. 2017 p. 129

[7] NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Direito Tributário: estudo de casos e problemas, p. 139.

[8] MACHADO, Hugo De Brito – Introdução ao Planejamento Tributário. São Paulo: Malheiros, 2014 p. 34.

[9] XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2002 p. 111

[10] PAULSEN, Leandro – Curso de Direito Tributário completo. São Paulo: Saraiva, 2017 p.131

[11] PAULSEN, Leandro. Op. Cit. 2017, p. 560

[12] PAULSEN, Leandro – Curso de Direito Tributário completo. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 139

[13] SCHOUERI, Luis Eduardo – p. 335

[14] AMARO, Luciano. Direito Tributário brasileiro, 20ª ed., p. 131-132

[15] PAULSEN, Leandro – Curso de Direito Tributário completo. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 79

[16] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, P. G. G. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2016 p. 1417

[17] PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário completo. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 70-71

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