Judiciário
A península dos ministros do Supremo Tribunal na década de 60
Duas épocas em que ministros do Supremo foram vizinhos
Juscelino Kubitschek sabia que os ministros do Supremo resistiam a deixar o Rio de Janeiro para se mudarem para a nova capital, Brasília, em 1960. Apesar de a transferência da capital estar amparada em lei – a ser cumprida por todo o serviço público – o assunto gerou conflitos internos no tribunal – com discussões ásperas entre ministros e troca de acusações, inclusive (leia mais aqui). JK decidiu construir 11 casas em Brasília para os 11 ministros como um atrativo. Numa mesma área da cidade em construção, batizada, por isso, de Península dos Ministros. Os 11 juízes do Supremo, portanto, seriam vizinhos.
Uma das carências de Brasília prestes a ser inaugurada era a parte imobiliária. Incluindo a rede hoteleira. Com os prédios sendo erguidos, havia a dúvida se haveria moradia para todos os servidores públicos que seriam transferidos da antiga capital para a nova. Construir 11 casas seria dizer aos ministros que eles não ficariam desamparados.
As casas construídas eram simples. De boa qualidade, mas sem nenhum excesso. Não havia piscina, não havia jardim – apenas “um carrascal”, como descrevia o ministro Evandro Lins e Silva. Eram distantes do centro da cidade – lembrando que Brasília, naquela época, ainda não tinha as pontes que ligavam o centro da cidade àquela região – o Lago Sul.
Quem morava por ali precisava dar a volta em torno do Lago Paranoá para chegar à Esplanada dos Ministérios – um caminho que parecia interminável porque toda aquela região ainda era praticamente inabitada. Não havia comércio por perto, não havia nada.
Apenas três ministros do Supremo moraram nessas casas. Os três já indicados depois de Brasília inaugurada. Dos ministros que vieram do Rio de Janeiro, nenhum se instalou naquela região inóspita. Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva moraram por pouco tempo na região até serem cassados pela ditadura militar. Os demais ministros preferiram apartamentos funcionais mais próximos ao Supremo – o ministro Luiz Gallotti, um dos mais resistentes à mudança para Brasília, vivia num hotel da cidade, sempre pronto a voltar ao Rio de Janeiro nos finais de semana.
Os ministros que viviam nas casas pagavam aluguel e qualquer benfeitoria que fizessem tinha de ser custeada por eles. Lembrando que, nos apartamentos funcionais, ministros não pagam aluguel. Os três ministros começaram a dar vida àquela região, que depois prosperaria e se tornaria uma das áreas mais nobres de Brasília. Victor Nunes reunia, vez por outra, os colegas na sua casa – numa dessas oportunidades com sarau de Dorival Caymmi.
Depois, com o passar do tempo, a região passou a prosperar e tornar-se disputada – também em razão da distância encurtada pela construção da ponte que reduziu a um quarto o tempo de deslocamento de carro. Os três ministros – cassados – tiveram de deixar as casas. Os ministros de Estado passaram a ocupar aquelas casas. E com o tempo, as mordomias foram aumentando, com casas cada vez mais reluzentes sendo construídas – e agora também disputadas pelos empresários que prosperavam em Brasília.
Apenas uma casa na região (já nobre) permaneceu ligada ao Supremo, reservada para abrigar o presidente do Supremo. Mas a disposição de deixar os ministros morando no mesmo lugar se repetiu na década de 80, quando um prédio – mais requintado que as casas na Península – foi construído para abrigar os 11 ministros do STF e mais uma biblioteca para atendê-los. Apartamentos que foram entregues em 1982 aos ministros, mas que começaram a ser projetados e construídos na gestão do ministro Thompson Flores.
Com os apartamentos novos, a última ligação do Supremo com a antiga Península dos Ministros se desfez. A casa dos presidentes do STF foi devolvida para a União e, no governo Fernando Collor, foi vendida. Hoje, os ministros só são vizinhos de gabinete.