Esporte
O caso Eriksen e o descaso da Uefa
Reação a colapso do jogador dinamarquês em campo deixou claro por qual lado a Uefa vai optar quando tiver que escolher entre seus lucros e o bem-estar dos atletas. É constrangedor
Ao final do primeiro tempo da partida entre Dinamarca e Finlândia, no último sábado (12/06), o choque. Alguns passos trôpegos e Christian Eriksen desabou em campo. Assim, de repente, sem mais nem menos, ficou inerte, estatelado no gramado, inconsciente.
O médico do time, Morten Boesen, ainda tomado de forte emoção, descreveu os momentos críticos: “Ele estava deitado de lado, respirava com pulso normal. Mas, de repente, tudo mudou radicalmente, e imediatamente iniciamos os procedimentos de reanimação cardiopulmonar em resposta à parada cardíaca. Conseguimos trazê-lo de volta.” Uma descrição dramática evidenciando que se tratava de uma luta entre a vida e a morte.
Antes dos cuidados médicos, Simon Kjaer, capitão da Dinamarca, teve papel fundamental para salvar a vida de Christian Eriksen. Ele foi um dos primeiros a chegar ao local do colega colapsado, fez as primeiras massagens cardíacas e impediu que seu amigo engasgasse com a própria língua, evitando assim uma possível asfixia.
Além disso, o capitão convenceu seus colegas a formar um círculo de proteção ao redor de Eriksen, impedindo a aproximação de fotógrafos oportunistas enquanto as tentativas de reanimação estavam em curso. Ainda encontrou tempo para confortar Sabrina Kvist Jensen, namorada do seu colega e amigo.
Quando finalmente, após 107 minutos de paralisação, os times retornaram, Kjaer mais uma vez mostrou grandeza. O capitão, com lágrimas nos olhos, voltou à frente dos seus liderados, mas não resistiu. Logo depois pediu para ser substituído. Visivelmente abalado, deixou o campo. “Ele até tentou, mas foi impossível. Eles são muito amigo,s e o drama o abateu demais”, informou o técnico Kasper Hjulmand.
Isto posto, vale questionar o papel dos cartolas da Uefa nesse episódio. Tal qual Pilatos, a Uefa lavou as mãos e deixou para os jogadores tomarem uma decisão sobre a continuação do jogo naquele mesmo dia ou no dia seguinte, como se fosse uma proposta decente diante das circunstâncias.
Não foi, muito pelo contrário. Foi, isto sim, de uma impertinência e da mais absoluta falta de empatia para com os sentimentos dos jogadores que haviam acabado de passar por momentos dramáticos temendo pela vida do colega.
Passadas 48 horas das cenas impactantes de Kopenhagen, os jogadores da Dinamarca criticaram abertamente a pressão exercida pela Uefa sobre os atletas.
De acordo com o goleiro Kasper Schmeichel, o time foi colocado numa posição tipo “saia justa”: ou joga, ou a Finlândia será declarada vencedora por 3 x 0. “Isto é justo?”, indaga Schmeichel e completa: “Deveriam ter esperado mais um dia para tomar uma decisão com calma.”
O atacante Martin Braithwaite apoiou seu colega: “Nenhuma das duas opções que nos foram apresentadas, eram boas. Acabamos escolhendo o mal menor. A maioria dos nossos jogadores não tinha a menor condição sequer de voltar ao gramado.”
Michael Laudrup, lenda do futebol dinamarquês e comentarista da TV3+, esbravejou: “Os jogadores foram colocados diante duas opções que, a rigor, não eram opções de verdade. Foi um erro crasso obrigar os atletas a tomar uma decisão dessa envergadura depois de terem passado por um evento de forte carga emocional onde a vida de um colega estava em jogo.”
O próprio técnico da Dinamarca, Kasper Hjulmand, confessou: “Olhando para trás, entendo agora que foi uma decisão equivocada. Eles [os jogadores] não deveriam ter voltado a campo. Estavam em estado de choque. Talvez tivesse sido melhor pegar simplesmente o ônibus, ir para o hotel e na manhã seguinte ver o que acontece.”
A verdade nua e crua é que a própria Uefa poderia ter tomado a decisão de adiar o jogo e, 24 horas depois, decidir com calma o que fazer. Mas não encontraram tempo disponível para avaliar com prudência uma situação de emergência.
Para os cartolas da Uefa só há tempo para um torneio atrás do outro. Mal terminaram os campeonatos nacionais europeus e já começou a Eurocopa, ironicamente denominada 2020 ou seria 2021? Por que simplesmente não se cancelou esse torneio no ano passado durante o auge da pandemia? Para a Uefa, algo impensável.
Há muita grana em jogo, seja a dinheirada da TV ou dos patrocinadores. Enquanto isso, os jogadores passaram pela interminável temporada 2020/2021 (condicionada pela pandemia de covid-19) nos seus clubes e, uma vez terminada essa Eurocopa, poucas semanas depois já começam as novas temporadas nacionais.
Não é de hoje que Jürgen Klopp, o badalado técnico do Liverpool, adverte que o atual calendário europeu coloca sistematicamente em risco a saúde dos jogadores. Ele não está sozinho nessa afirmação. Médicos da área esportiva, representantes dos jogadores e fisioterapeutas dos clubes tem alertado as federações de futebol sobre o excesso de jogos com nefastos impactos sobre a saúde dos atletas.
A luxuosa sede da Uefa fica na aprazível e bucólica cidade de Nyon, na Suíça. É lá que a cartolagem define as prioridades. Depois do caso Christian Eriksen, fica cada vez mais evidente que, entre a saúde e o dinheiro, a opção é pelo dinheiro, mesmo porque não é a saúde dos bem pagos burocratas da Uefa que está em jogo, apenas o seu alto padrão de vida.
Fato é que a Uefa, organizadora oficial desta Eurocopa, em vez de se sensibilizar com a luta entre vida ou morte de um jogador de futebol no exercício de sua profissão, deu mostras de frieza emocional, para dizer o mínimo. Empatia, responsabilidade social, sensibilidade humana são apenas palavras vazias utilizadas em discursos falaciosos dos representantes dessa entidade chamada Uefa para a qual, como ficou provado nesse episódio, “the show must go on”. É constrangedor.