Internacional
Democracia peruana se segura em meio a denúncias de fraude
Mais de três semanas após a eleição, país ainda não tem oficialmente um presidente, embora o esquerdista Castillo tenha vencido. Keiko Fujimori insiste, sem evidências, em estratégia para desacreditar votação
Mais de três semanas após o segundo turno das eleições presidenciais no Peru, a proclamação do vencedor continua sendo adiada. Depois de denuncia, sem provas, “fraude em seções eleitorais”, a candidata direitista Keiko Fujimori pede agora uma auditoria internacional das eleições pela Organização dos Estados Americanos (OEA).
Segundo o Escritório Nacional de Processos Eleitorais (ONPE), com 100% das urnas apuradas, o esquerdista Pedro Castillo recebeu 50,12% dos votos válidos, contra 49,87% de Keiko. A diferença é de 44.058 votos. Entretanto, o fujimorismo tenta mudar o resultado com pedidos de anulação de aproximadamente 200 mil votos de zonas rurais majoritariamente pró-Castillo de forma contundente.
Em uma carta dirigida ao presidente peruano, Francisco Sagasti, e tendo em vista que o Júri Nacional de Eleições (JNE) vem rejeitando as contestações por falta de provas, Fujimori insiste numa auditoria internacional para “determinar se os resultados representam a vontade popular”.
Ela pede também que a votação seja revista “como aconteceu na Bolívia”. A própria missão de observação da OEA, presente durante as eleições, já descreveu o processo eleitoral no Peru como “positivo” e descartou “irregularidades graves”.
Aos poucos, alegações vão sendo derrubadas
Para o ex-chefe do ONPE e cientista político da Universidade Católica do Peru, Fernando Tuesta, os argumentos de fraude do fujimorismo e seus aliados estão sendo diluídos, e é por isso que agora eles recorrem a uma instituição internacional.
“Eles querem internacionalizar a questão de fraude, enquanto o JNE continua rejeitando as impugnações. Esses pedidos sempre têm que ser revistos e podem levar alguns dias. Eles têm que ser resolvidos para Castillo ser proclamado presidente eleito”, diz Tuesta.
Ele afirma ainda que é um erro comparar o recente processo eleitoral peruano com o caso boliviano, e que uma auditoria por parte da OEA não seria viável. “Na Bolívia, foram eleições questionáveis onde houve interferência dos órgãos eleitorais e, além disso, [essas suspeitas] nasceram de relatórios de observadores da OEA que já apontavam problemas”, completa o especialista.
Já Lucia Dammert, analista sobre questões de governança na América Latina e diretora da organização civil Espacio Público, afirma que o pedido da candidata do partido Força Popular seria mais uma ferramenta do fujimorismo “para continuar atrasando o processo”.
“É uma estratégia pessoal de Keiko Fujimori, cuja verdadeira alternativa para sobreviver fora da prisão é se tornar presidente. Seu processo de derrota será muito sério para a democracia, porque, no final, ele acaba polarizando ainda mais a população”, adverte Dammert.
Sem evidências de fraudes
Em sua tentativa de reverter o resultado das eleições, abalando a já fraca democracia do país sul-americano, a filha de Alberto Fujimori (1990-2000), ex-presidente hoje na prisão, pediu uma revisão das atas de votação devido ao “grande número de irregularidades”. Ela pediu também que a ONPE entregasse os registros para verificar, por exemplo, se as assinaturas dos eleitores são verdadeiras. Entretanto, até agora, ninguém denunciou ter tido sua assinatura falsificada.
Fujimori e a direita peruana também acusaram o JNE de ser parcial em suas decisões sobre os recursos apresentados por seu partido. Mas mesmo o aliado de Fujimori, Daniel Córdova, que tem liderado os esforços para levar a questão à OEA, admitiu recentemente na mídia local que eles não têm “informações para provar fraude, mas há uma presunção de fraude”.
A este respeito, o ex-diretor da ONPE lembra que é impossível entregar os registros com informações sobre os eleitores, pois isso viola o sigilo do voto que todo cidadão tem garantido por lei.
“O registro eleitoral, que é o documento onde o eleitor deixa sua impressão digital e sua assinatura, não pode ser entregue: ele é parte das informações pessoais sensíveis que a lei justamente protege. Isso não é feito em nenhum lugar do mundo”, insiste Tuesta.
Após o segundo turno, todas as outras missões de observação eleitoral relataram que não encontraram nenhuma evidência de fraude. Além disso, União Europeia, EUA e Canadá expressaram sua confiança no sistema eleitoral peruano por ter realizado eleições “livres e justas”.
Entretanto, há outras razões por trás dos interesses econômicos dos poderosos aliados do fujimorismo. “Por trás de tudo há também um fundo classista e racista. A elite de Lima está muito acostumada a ter o poder em suas mãos e eles não veem como uma coisa boa que agora esteja nas mãos de alguém que não conhecem”, diz Dammert.
Insegurança quanto aos planos econômicos de Castillo
Em meio à incerteza eleitoral e às dúvidas sobre um possível plano econômico de cunho estatista, Pedro Castillo pediu publicamente ao diretor do Banco Central do Peru, Julio Velarde, que permanecesse em seu posto durante os próximos cinco anos.
Velarde é um funcionário bem conhecido pelo mercado financeiro e está no cargo desde 2006. O anúncio fez com que a moeda peruana, o Sol, e a Bolsa de Valores de Lima fechassem em alta.
Nas últimas semanas, Castillo também assegurou não ser “chavista nem comunista”, o que os especialistas afirmam que poderia significar seu afastamento do partido Peru Livre, pelo qual concorreu à presidência, e cujo líder, Vladimir Cerrón, é autor do plano inicial de governo abertamente socialista.
“Castillo está percebendo que está tendo dificuldades para ser proclamado vencedor e que suas propostas mais radicais não têm apoio. Ele tem que mostrar sinais de uma mudança para o centro, porque ficar como estava na campanha pode lhe custar muito caro. Isso não significa que ele deixará de ser esquerdista, mas essa é a única maneira de sobreviver”, diz Tuesta.
Na mesma linha, a especialista Dammert acredita que esses sinais de Castillo são, pelo menos neste momento, “apropriados”, mas isso não significa que não existam “centenas de perguntas” sobre como ele vai governar.
“Não devemos esquecer que Castillo chegou ao segundo turno com menos de 20% dos votos válidos, quer dizer, a grande maioria não votou a favor de suas propostas. Se quiser sobreviver politicamente, ele terá que rever seu plano de governo, torná-lo democrático, alcançar as maiorias e construir pontes”, conclui.