Internacional
Pedro Castillo, de professor rural a presidente do Peru
Propostas radicais do político da sigla esquerdista Peru Livre o transformaram no temor de elites, partidos estabelecidos e mídia. Agora no poder, Castillo terá de criar pontes com a oposição para superar polarização
De chapéu de palha de aba larga e lápis gigante na mão, o desconhecido candidato da esquerda radical Pedro Castillo deu a arrancada no primeiro turno das eleições do Peru, em 11 de abril, posicionando-se como primeiro entre os 18 concorrentes à presidência, com meros 12% dos votos.
Em segundo lugar ficara a ultradireitista Keiko Fujimori, filha do ex-ditador preso Alberto Fujimori, que acabou derrotada por Castillo no pleito realizado um mês e meio atrás, em 6 de julho, por parcos 44 mil votos. A demora na proclamação da vitória de Castillo, que só ocorreu na noite desta segunda-feira (19/07), deveu-se a mais de mil pedidos de impugnação do resultado apresentadas por Keiko à autoridade eleitoral peruana, alegando uma suposta fraude. A posse será no próximo dia 28 de julho, quando o Peru completa 200 anos de independência
Nascido na província de Chota, na região de Cajamarca, na serra norte peruana, o presidente eleito de 51 anos se apresentou como candidato convidado do partido Peru Livre, que se define abertamente como de esquerda marxista e comunista.
Não é acaso o símbolo da campanha ser um lápis: Castillo é professor primário na zona rural desde 1995, com mestrado em psicologia da educação, e importante líder docente. Além disso, foi rondero – como se chamam no país os integrantes das patrulhas camponesas de combate à deliquência.
Um ultraesquerdista conservador
Isso não significa que ele seja um novato na esfera política: em 2002 concorreu, sem êxito, à prefeitura de Anguía, em sua região, pela sigla Peru Possível, do então presidente Alejandro Toledo, atualmente investigado por corrupção. Em 2017, Castillo alcançou notoriedade ao liderar uma greve nacional de professores, que se estendeu por 75 dias, exigindo, entre outros pontos, melhores salários para a classe.
“Mais do que apenas um voto de protesto ou antifujimorista, o voto em Castillo é antissistema, de cansaço por ser ignorado pelos políticos, pelos constantes esquecimentos das agendas regionais no sul do país, na serra e na selva, a qual, apesar de ser uma zona muito populosa, está desatendida quanto aos serviços estatais, como educação e saúde pública”, explica o analista político peruano Gonzalo Banda, acrescentando que “também há o fator identitário, por Castillo ser rondero, camponês e professor”.
Desde o primeiro turno da eleição presidencial, o temor da elite, do poder estabelecido e dos grupos de mídia do país deveu-se, acima de tudo, às reformas radicais reivindicadas por Castillo. Como uma mudança de modelo econômico, implicando a convocação de uma Assembleia Constituinte para elaborar uma nova Constituição que garanta ao Estado um papel ativo como regulador do mercado.
Outra proposta de campanha era a nacionalização de setores estratégicos, como os de mineração, gás natural e petróleo: a atividade privada, a seu ver, deveria ser “em benefício da maioria dos peruanos”. Ele propôs, ainda, aumentar o orçamento para a educação e a agricultura. Por outro lado, critica o atual sistema de Administradoras de Fundos de Pensões (AFP) e os tratados internacionais do Peru, exigindo sua reformulação.
Além disso, propôs “desativar” o Tribunal Constitucional e dotá-lo de novos representantes, eleitos pelo povo e não pelo Parlamento. Nas políticas sociais, da mesma forma que Fujimori, mostrou-se conservador. Integrante de uma das igrejas evangélicas mais antigas do Peru, o esquerdista declarou-se abertamente contra o aborto, o enfoque de gênero e o matrimônio igualitário.
Parceiros duvidosos
Entretanto, o rechaço da metade do país que não votou em Castillo não se deve apenas a essa combinação de esquerda radical e conservadorismo, mas também ao presidente de seu partido, Vladimir Cerrón. Segundo críticos, ele seria o homem por trás do presidente eleito e artífice do ideário radical do Peru Livre. Ex-governador da região de Junín, Cerrón foi deposto em 2020 e condenado a mais de três anos de cárcere por negociação ilícita e aproveitamento indevido do cargo.
Outra figura controversa dos círculos de Castillo é Guillermo Bermejo. Em áudios gravados para a imprensa, o congressista eleito do Peru Livre postulava que “uma nova Constituição é um primeiro passo”, “se tomarmos o poder, não vamos deixá-lo”, e que o partido não estava interessado em “besteiras democráticas”.
Embora Castillo haja repudiado essas declarações, não se desligou por completo de ambos os políticos. Além disso, precisamente as declarações de Bermejo – anteriormente investigado pelo Ministério Público por supostos vínculos com o grupo terrorista Sendero Luminoso – reforçaram os boatos sobre uma proximidade de Castillo ao terrorismo, os quais foram usados por seus adversários políticos para difamá-lo e a todos que votaram nele.
Difícil construção de pontes
Após haver confirmado sua vitória no segundo turno e assinado diversos compromissos para respeitar a ordem democrática, Castillo terá para cumprir a árdua tarefa de estender pontes até os demais partidos e dar mais sinais de estabilidade num país fortemente polarizado.
“Castillo terá que obter consenso. Tem que apelar à racionalidade, até porque é o que lhe convém: se quer levar a cabo um governo reformista, não poderá fazê-lo sem uma maioria no Congresso”, observa Gonzalo Banda.
Logo após o segundo turno, o presidente eleito “saiu à sacada ao lado de um economista da esquerda moderada, Pedro Francke, para acalmar os mercados, porém isso pode não ser bem visto por Cerrón”, adverte o analista. “Aí vemos que há uma batalha, correspondendo a essa espécie de fixação que tem Cierrón com a esquerda progressista, a qual acusa de contrarrevolucionária e traidora. No Peru, as lealdades partidárias sobrevivem, às vezes, duas semanas.”