Internacional
Alemanha e EUA fecham acordo sobre o controverso gasoduto Nord Stream 2
Americanos e alemães concordam em atuar para ajudar a Ucrânia em troca do encerramento de tensões em relação ao projeto. Gasoduto submarino deve dobrar envio direto de energia da Rússia para a Alemanha
Os Estados Unidos e a Alemanha chegaram a um acordo sobre o controverso gasoduto submarino Nord Stream 2, de acordo com um comunicado conjunto divulgado nesta quarta-feira (21/07).
Os dois países concordaram em apoiar a Ucrânia e sancionar Moscou se os russos voltarem a usar suprimentos de gás como mecanismo de pressão para obter influência geopolítica sobre a Ucrânia e outros países do leste europeu.
O acordo busca resolver uma disputa antiga sobre o gasoduto submerso que se estende por mais de mil quilômetros no fundo do mar Báltico, cuja construção está 98% completa, e que prevê dobrar o fornecimento de gás da Rússia diretamente para a Alemanha, sem passar por países que mantêm relações com Moscou.
Os EUA sempre se opuseram à construção do gasoduto e chegaram a impor sanções a empresas que atuaram na obra. Os americanos temiam que a perda de receitas de trânsito do gás russo sobre as nações que ficam na rota dos velhos gasodutos de superfície, como a Ucrânia, e o crescente poder que os russos podem ter de trancar esses dutos sem afetar seus compradores alemães.
Agora, sob o governo Joe Biden, os EUA tentam se reaproximar da Alemanha.
“Os EUA e a Alemanha estão unidos em sua determinação de responsabilizar a Rússia por quaisquer agressões e atividade danosas por meio da imposição de custos via sanções e outros instrumentos”, diz o comunicado.
“Se a Rússia tentar usar energia como arma ou cometer mais atos agressivos contra a Ucrânia, a Alemanha agirá em nível nacional e pressionará por medidas eficazes em nível europeu, incluindo sanções, para limitar a capacidade de exportação russa para a Europa no setor de energia , incluindo gás ou em outros setores economicamente relevantes”, aponta o documento, em uma referência indireta a uma crise que eclodiu em 2009, quando Moscou usou seu poder de pressão como fornecedor de energia contra a Ucrânia, chegando a cortar o fornecimento de gás ao país sob a alegação que o país não estava pagando suas dívidas pelo produto.
O acordo foi anunciado poucos dias depois da última visita oficial da chanceler federal Angela Merkel a Washington. Ela deve deixar o poder depois das eleições federais setembro. As autoridades dos dois países já haviam falado sobre as chances de um acordo durante a visita de Merkel e durante o giro de Joe Biden pela Europa em junho.
O ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Heiko Maas, classificou o acordo “construtivo”. “Estou aliviado por termos encontrado uma solução construtiva com os EUA em [relação ao] Nord Stream 2. Apoiaremos a Ucrânia na construção de um setor de energia verde e trabalharemos para garantir o trânsito de gás pela Ucrânia na próxima década”, tuitou Maas logo após a publicação do comunicado conjunto
Alemanha mediará negociações entre Ucrânia e Rússia
Como parte do acordo, a Alemanha concordou em fazer investimentos na Ucrânia e em atuar para que Moscou e Kiev prorroguem um acordo de trânsito de gás.
“A Alemanha se compromete a utilizar todo o poder disponível para facilitar uma prorrogação de até 10 anos para o acordo de trânsito de gás entre a Ucrânia e a Rússia, incluindo a nomeação de um enviado especial para apoiar essas negociações”, diz o comunicado.
Além disso, a Alemanha e os Estados Unidos concordaram em investir US$ 1 bilhão em um “Fundo Verde” para fomentar uma infraestrutura de tecnologia verde da Ucrânia, abrangendo energias renováveis e indústrias relacionadas, com o objetivo de melhorar a independência energética da Ucrânia.
“A Alemanha fará uma doação inicial ao fundo de pelo menos US$ 175 milhões e trabalhará para incluir seus compromissos nos próximos anos orçamentários”, afirma o acordo.
O acordo representa uma mudança de postura para os EUA, que há muito se opõem ao gasoduto. Em maio, em um gesto de reaproximação em relação à Alemanha, o governo dos Estados Unidos aliviaram as sanções contra a empresa registrada na Suíça que está por trás do projeto, a Nord Stream AG, e seu CEO devem ser extintas como parte do acordo.
Joe Biden vai se encontrar com o presidente ucraniano
A Ucrânia e a Polônia também se opõem à construção do Nord Stream 2, temendo que ela comprometa a segurança energética europeia e leve à perda de receitas de países de trânsito do gás russo.
O Departamento de Estado negou relatos de que a Ucrânia tenha sido advertida a criticar o acordo, apontando que um de seus conselheiros está completando uma visita a Kiev e Varsóvia nesta semana para informar as autoridades dos dois países sobre o acordo.
A Casa Branca também anunciou na quarta-feira que o presidente Joe Biden vai receber o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky na Casa Branca em 31 de agosto.
“A visita irá reafirmar o apoio inabalável dos Estados Unidos à soberania e integridade territorial da Ucrânia em face da agressão em curso da Rússia no Donbass e na Crimeia, nossa estreita cooperação em segurança energética e nosso apoio aos esforços do presidente Zelenskyy para combater a corrupção e implementar um agenda de reforma baseada em nossos valores democráticos em comum”, disse a Casa Branca em comunicado.
Merkel e Putin discutem sobre gasoduto
A chanceler Angela Merkel falou ao telefone com Vladimir Putin sobre o Nord Stream 2 antes do anúncio do acordo, informou o governo alemão nesta quarta-feira.
A vice-porta-voz do governo alemão, Ulrike Demmer, disse que Merkel falou sobre a implementação dos acordos de Minsk para a resolução pacífica do conflito no leste da Ucrânia.
Uma gasoduto controverso
O Nord Stream 2 começou a ser construído em 2011. No início de 2020, antes da pandemia de coronavírus, a previsão era que o projeto fosse concluído até o início de 2021. Crucialmente, o projeto foi iniciado quando a Rússia ainda era membro do G8 (agora novamente G7) e antes da anexação da Crimeia e do conflito na Ucrânia.
Berlim é uma das principais promotoras e financiadoras do projeto, que prevê dobrar a capacidade de importação de gás russo pela nação europeia sem a necessidade de que o combustível passe por nações que mantêm relações tensas com Moscou, como a Ucrânia e a Polônia.
O projeto é na verdade uma ampliação da capacidade do sistema Nord Stream 1, que funciona desde 2011, e que liga a cidade russa Ust-Luga a Greifswald, no leste alemão. As obras do Nord Stream 2, lideradas pela estatal russa Gazprom, são avaliadas em 10,5 bilhões de dólares.
O projeto tem diversos críticos. Os EUA vinham se opondo firmemente à ampliação do gasoduto, argumentando que ele vai aumentar a dependência europeia em relação à Rússia e enfraquecer nações aliadas no leste da Europa, que dependem das taxas de trânsito sobre gás russo que passa por dutos instalados em seus territórios.
Há temor ainda de que com a ampliação da rede submersa Moscou tenha mais espaço para eventualmente pressionar mais facilmente nações que ficam na rota dos velhos gasodutos de superfície, podendo trancar os dutos sem que isso afete seu principal comprador, a Alemanha.
No entanto, críticos da posição dos EUA apontam que a real intenção de Washington é vender mais gás natural liquefeito americano para os europeus.
O Nord Stream 2, que deve ter 1.200 quilômetros de extensão, se tornou ainda mais estratégico para a Alemanha após Berlim estabelecer um abandono gradual da energia nuclear no país e estabelecer metas para a redução de emissões de CO2 e consumo de carvão. O gás natural produz 50% menos dióxido de carbono do que o carvão.
Em 2017, Berlim comprou um recorde de 53 bilhões de metros cúbicos de gás natural russo, cerca de 40% de seu consumo total. O sistema Nord Stream 2 é projetado para transportar até 55 bilhões de metros cúbicos do combustível por ano.