Esporte
Hansi Flick, o comandante tranquilo do coletivo bávaro
Ao ser efetivado como técnico do Bayern, ele se revelou o homem certo no tempo certo: em poucos meses, Hansi Flick conseguiu azeitar as engrenagens e vencer o título das três competições mais importantes que disputou.
Ninguém prestou muita atenção quando Hans-Dieter Flick foi contratado pelo Bayern, em julho de 2019. O ex-assistente de Joachim Löw na seleção alemã, de 2006 a 2014, trouxe na bagagem a experiência internacional e um título de campeão mundial. Sua missão inicial no clube bávaro era assessorar o então técnico, Niko Kovac, cujas limitações já saltavam não apenas aos olhos da exigente diretoria, mas também dos torcedores.
A gota d’água que entornou o caldo de Kovac acabou sendo a humilhante derrota diante do Eintracht Frankfurt por 5×1 ainda no primeiro turno da última temporada, agravada ainda por uma infeliz frase dita numa coletiva de imprensa logo depois da derrota: “Não se deve tentar andar a 200 km/h se o carro só consegue chegar a 100.”
Essa frase de Kovac vai entrar para a história do futebol alemão como um dos maiores equívocos já cometidos sobre a avaliação de um time, como seria provado posteriormente. Àquela altura, o Bayern ocupava um modesto quarto lugar na tabela e estava prestes a decidir sua sorte na Champions League ainda na fase de grupos.
A diretoria puxou o freio de mão, demitiu Niko Kovac e entronizou Hansi Flick como técnico principal, e ele não se fez de rogado: “Para mim ficou claro desde o início que posso assumir tamanha responsabilidade. Fico feliz pelo que virá daqui para frente.”
Em seu primeiro compromisso como técnico do Bayern, contra o Olympiakos, Flick anunciou seu conceito de jogo – conceito esse que iria se estabelecer como se fosse uma marca registrada do time daí em diante. Questionado pelos repórteres sobre sua estratégia, Flick não vacilou: “Vamos agir, tomar a iniciativa, não dar trégua ao adversário, utilizar a marcação alta e garantir a maior posse de bola possível.”
Deu resultado de imediato. Os bávaros venceram os gregos e, com duas rodadas de antecedência, garantiram sua presença nas oitavas de final da Champions. Apenas alguns dias mais tarde brincaram de gato e rato com o Borussia Dortmund, não dando nenhuma chance aos aurinegros. Venceram por 4×0, fora o baile. Nove rodadas depois, o time assumiu a liderança, não largou mais o osso e se sagrou campeão alemão pela oitava vez consecutiva.
Nada mal para uma equipe que em dado momento durante o primeiro turno estava ameaçada de não conseguir nem lutar pelo título, pois chegou a estar sete pontos atrás do então líder, RB Leipzig.
Além de sua indiscutível capacidade de comunicar com clareza seu plano tático aos jogadores a cada partida, Flick ganhou o vestiário rapidamente pela forma de tratar pessoalmente cada atleta. Devolveu a Thomas Müller sua posição de titular no meio campo ofensivo, garantindo-lhe uma vaga no time titular.
Após fazer história, Hansi Flick se juntou aos jogadores na comemoração pelo título da Champions
O resultado não se fez esperar. Müller renasceu e teve um papel fundamental nesta campanha vitoriosa do campeão. Há muita gente que já pede sua volta à seleção alemã.
Manuel Neuer, com atuações impecáveis, lembrou sua melhor forma de 2014. Até Jérôme Boateng, carta já fora do baralho para alguns, passou por uma metamorfose notável – de caso problemático a estabilizador da defesa. Davies, Gnabry e Coman devolveram ao Bayern sua força ofensiva pelas pontas.
Em abril, diante dos resultados obtidos por Flick com o time, a diretoria lhe ofereceu um novo contrato por mais três anos. Nada mal para alguém que há pouco mais de cinco meses era considerado apenas uma solução interina.
Fato é que Hansi Flick, ao ser efetivado como técnico se revelou o homem certo no tempo certo. Como profundo conhecedor da cultura do clube, colocou as coisas no seu devido lugar e restabeleceu a hierarquia no time sempre respeitando as características individuais de cada jogador.
Recentemente disse que, na realidade, nem foi necessário mudar muita coisa na equipe. Apenas “algumas engrenagens azeitadas e alguns automatismos incutidos” foram necessários para dar ao time a identidade que tem agora.
Provavelmente Flick tem razão nesse ponto. Com um coletivo de talentos altamente capacitados, muitas vezes basta um clima de inspiração renovadora e confiança mútua para que o máximo em rendimento apareça em campo.
A festa pelo título da Champions no gramado do Estádio da Luz em Lisboa já havia terminado. Era quase meia-noite. O palco da premiação estava vazio. De repente, do nada, aparecem três vultos em campo. À frente dos três, batendo forte num tambor improvisado estava Joshua Kimmich, logo atrás vinha Serge Gnabry com uma garrafa de champanhe cantarolando alegremente, e finalmente apareceu David Alaba, quase nu e um tanto quanto desorientado.
Eles se dirigiram cambaleantes ao círculo central e ali ficaram sentados por alguns minutos balbuciando e cantarolando sons sem nexo. De repente, apareceu mais um. Era Hansi Flick, com uma garrafa de cerveja já aberta na mão. Tomou alguns goles e se juntou aos três no círculo central. E ali ficaram, curtindo aquele momento, até que as luzes do Estádio da Luz se apagaram. Escuridão total. Fecharam-se as cortinas. Acabou o espetáculo. (História contada pelo jornalista Philipp Selldorf, do jornal Süddeutsche Zeitung).
Referindo-se a Hansi Flick, Jürgen Klopp, técnico do Liverpool, afirmou em programa da TV ZDF: “Escrever mais história em oito meses do que Flick fez é difícil, senão impossível.”
É verdade. Ainda estou procurando nos meus alfarrábios um técnico que num tão curto espaço de tempo conseguiu vencer o título das três competições mais importantes que disputou. Por enquanto, não achei.