Internacional
Polônia sanciona lei que barra restituição de bens de vítimas do Holocausto
Medida promovida pelo governo nacionalista da Polônia prevê anular pedidos de restituição ou indenização envolvendo propriedades confiscadas há mais de 30 anos. Projeto foi criticado pelos EUA e Israel
O presidente da Polônia sancionou neste sábado (14/08) uma lei que restringe a possibilidade de restituição de propriedades confiscadas pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial e posteriormente pelo regime comunista que comandou o país até 1989. A lei afeta especialmente sobreviventes do Holocausto e seus descendentes.
A medida, que foi aprovada pelo parlamento na quarta-feira, prevê tornar nulas decisões judiciais que envolvam bens confiscados há mais de 30 anos, incluindo restituições e indenizações. A decisão afeta até mesmo ações que ainda tramitam na Justiça.
A nova lei provocou ultraje em Israel e críticas por parte dos EUA. O secretário de Estado americano, Antony Blinken, pediu esta semana ao presidente da Polônia, Andrzej Duda, que vetasse o projeto, argumentando que a medida restringiria severamente o “processo para sobreviventes do Holocausto e suas famílias, bem como outros proprietários judeus e não judeus, obterem a restituição da propriedade confiscada injustamente durante a era comunista da Polônia”.
Já o ministro das Relações Exteriores de Israel, Yair Lapid, afirmou que a lei “prejudica tanto a memória do Holocausto quanto os direitos das suas vítimas”. “Esta lei imoral vai afetar seriamente as relações entre os nossos dois países”, comentou no Twitter o perfil da embaixada de Israel na Polônia.
Israel também reagiu chamando de volta o chefe de sua missão diplomática em Varsóvia e anunciou que não designará um novo embaixador para o país no momento.
Em comunicado, Andrzej Duda disse, contudo, ter decidido promulgar a lei para acabar com o que chamou de “incerteza jurídica e fraudes relacionadas” com propriedades cuja posse permanece duvidosa décadas após a Segunda Guerra Mundial.
O presidente polonês também rejeitou totalmente acusações de que a lei é dirigida especificamente contra os judeus que sobreviveram ao Holocausto ou a seus descendentes.
“Rejeito inequivocamente essa retórica e a digo-o com todas as minhas forças”, disse Duda. “Vincular esse ato ao Holocausto tem a minha firme objeção”, reiterou. “Estou convencido de que, com a minha assinatura, termina a era do caos jurídico – a era das máfias de reprivatizações, a incerteza de milhões de poloneses e a falta de respeito pelos direitos básicos dos cidadãos do nosso país. Eu acredito num Estado que protege os seus cidadãos contra a injustiça”, disse Duda.
Já o primeiro-ministro da Polônia, Mateusz Morawiecki, disse que a Polônia “não vai pagar pelos crimes da Alemanha”.
Antes da Segunda Guerra Mundial, a Polônia abrigava a maior comunidade judaica da Europa, com quase 3,5 milhões de pessoas. A maioria foi assassinada pelos nazistas durante no Holocausto, e suas propriedades foram confiscadas. Após a derrota da Alemanha nazista, as autoridades comunistas do pós-guerra da Polônia confiscaram essas propriedades, assim como as propriedades de muitos não judeus em Varsóvia e outras cidades, incluindo antigos territórios alemães que foram entregues aos poloneses.
Com o fim do comunismo, em 1989, abriu-se a possibilidade de os antigos proprietários pudessem recuperar as propriedades perdidas. Alguns casos chegaram aos tribunais, mas a Polônia sempre evitou aprovar uma lei ou programa abrangente que regulasse a restituição ou a indenização por propriedades roubadas, como outros países europeus o fizeram.
Em 2015, o Tribunal Constitucional da Polônia apontou a necessidade de estabelecer prazos específicos para que decisões administrativas sobre títulos de propriedade não pudessem mais ser contestadas.
Essa não foi a única lei controversa promovida pelo governo nacionalista da Polônia nesta semana. Ainda na quarta-feira, o Parlamento do país aprovou uma nova lei de mídia que restringe o investimento estrangeiro em canais de TV no país, uma medida que pode resultar no fechamento da principal rede do país, a TVN, que tem capital americano. Essa lei também foi criticada pelos EUA.
Já Israel, que mantém relações cada vez mais tensas com os nacionalistas poloneses, já havia entrado em atrito com Varsóvia em 2018 quando o país europeu tentou aprovar uma lei que previa penas de até três anos de prisão para quem acusasse a Polônia de cumplicidade no massacre de judeus ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial. A União Europeia, por sua vez, viu suas relações com Varsóvia se deteriorarem após a Polônia aprovar leis que minam a independência do judiciário e que violam os direitos LGBT.
No Brasil, o governo polonês costuma ser elogiado por membros da família Bolsonaro. No ano passado, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) chegou a celebrar publicamente a reeleição do presidente Andrzej Duda. “Brasil e Polônia seguirão sua irmandade, juntos na luta contra o comunismo e a favor da liberdade!”
“O povo polonês garantiu a continuidade do projeto conservador que tem salvo o país, reelegendo o Presidente Andrzej Duda. Brasil e Polônia seguirão sua irmandade, juntos na luta contra o comunismo e a favor da liberdade”, escreveu à época o deputado no Twitter.