Internacional
Vitória do Talibã dá novo impulso a outros extremistas
Grupos como “Estado Islâmico” e Al Qaeda estão interligados no Oriente Médio. Após talibãs mostrarem que é possível vencer os EUA, talvez eles passem a valorizar mais as alianças, em vez de cultivar velhas rivalidades
Enquanto o Ocidente aguarda ansiosamente os desdobramentos no Afeganistão após a tomada pelo Talibã, uma certeza é que o “Estado Islâmico” (EI) e outras milícias terroristas estão observando a situação com – pelo menos – grande interesse.
“Devemos contar com que não só o EI, mas também a Al Qaeda e outros grupos menores do Afeganistão e Paquistão vão se fortalecer”, comentou à DW Guido Steinberg, especialista em terrorismo e pesquisador do Instituto Alemão para Política Internacional e Segurança (SWP). Ainda assim, ele considera impossível, no momento, dizer onde essa força incrementada se manifestará, primeiramente.
“Claro, há certas áreas em que os jihadistas já são fortes, com o Afeganistão na frente de todas”. Sobretudo a província de Khorasan, cerca de 8 mil quilômetros a oeste de Cabul, próxima à fronteira com o Irã, se tornou um importante reduto para um braço poderoso do EI, apesar das tentativas passadas do Talibã de combatê-los.
Alianças jihadistas em vez de “todos contra todos”
Os vários grupos e organizações do jihadismo internacional, como EI e Al Qaeda, apresentam um passado e presente complicados. “De um lado, temos o assim chamado ‘Estado Islâmico’, com suas províncias no Afeganistão, Cáucaso, África e Iêmen. E ele é hostíl à Al Qaeda, mas também ao Talibã, e essa é a diferença fundamental.”
“Portanto, se os talibãs formarem seu emirado islâmico no Afeganistão – ou melhor, o restabelecerem, pois já vimos isso de 1996 a 2001 –, o fato não signifca que o EI também ganhará forças”, explica Steinberg. Ainda assim, o pior problema seria o reforço de moral entre jihadistas, salafistas e islamistas: “Eles viram que os americanos podem ser derrotados. Os talibãs agora comprovaram isso.”
Um modo de os extremistas islâmicos se fortalecerem é formar novas alianças entre si. “No Iêmen, já está em vigor um consenso assegurando que não haja lutas entre a Al Qaeda e o EI”, informa o pesquisador de terrorismo Jassim Mohamad, do Centro Europeu de Estudos de Contraterrorismo e Inteligência.
Outro “acerto” já estabelecido é entre o Talibã e a Al Qaeda no Paquistão. “Há quem pense que a Al Qaeda não esteve muito ativa nos últimos dez anos, após o assassinato de Osama bin Laden, mas documentos e investigações mostram claramente que a relação com o Talibã esteve muito viva, com ela o apoiando.”
Mohamad prevê o surgimento de muitos desses “acordos de paz”. “O próximo poderá ser entre o Talibã e o EI, por exemplo, se este se limitar a realizar operações fora do Afeganistão.” No geral, o analista teme que Afeganistão, Líbia e Síria venham a se transformar em bases para atentados terroristas contra alvos europeus e americanos.
Nova geração da política islamista
Na sequência desses acordos, Steinberg vê outro problema surgindo: uma nova geração de líderes islamistas. “Depois que, nos últimos anos, foram mortos muitos líderes do EI, Talibã e Al Qaeda que eram inimigos entre si, uma nova geração talvez não vá levar adiante esse velho conflito, mas sim, colaborar.”
Além disso, o número de jihadistas se multiplicou desde 2001. “Há disputas entre eles, e estão distribuídos por todo o mundo, mas agora há dezenas de milhares deles, enquanto em 2001 eram apenas uns poucos milhares.” No entanto, enquanto o EI visa estabelecer um califado para muito além do Oriente Médio, os talibãs pretendem erguer um emirado em território afegão, o que se coaduna com sua noção de que seriam os nativos do país.
“Em contraste com sua presença antes de 2001, [os talibãs] investiram em suas ambições políticas, e acredito que terão contatos com seus apoiadores financeiros, Rússia, Irã, Paquistão. Eles precisam se apresentar como um movimento político, além de um grupo radical”, analisa Mohamad.
Nas próximas semanas se constatará se o Talibã tem o poder de emergir como um partido político e negociador internacional confiável. Até agora cético, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, acaba de apelar para que a comunidade internacional “se una a fim de assegurar que o Afeganistão nunca mais seja usado como uma plataforma ou porto seguro para organizações terroristas”.