Internacional
Por que o Catar mantém laços tão estreitos com o Talibã
Num telefonema com o emir do Catar, Tamim bin Hamad Al Thani, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, agradeceu o generoso apoio do emirado às evacuações em andamento no Afeganistão.
Biden também agradeceu ao Catar por possibilitar as negociações internas no Afeganistão, mesmo que elas fracassem com a tomada do poder pelos talibãs. Na Alemanha, por outro lado, o emirado foi criticado por o mulá Abdul Ghani Baradar, líder político do Talibã, ter sido levado a Kandahar num avião militar com a inscrição Força Aérea catariana.
Não é novidade que o Catar e o Talibã mantêm contatos. O país permitiu que o grupo fundamentalista abrisse um escritório em Doha em 2013. Isso aconteceu com o apoio e a pedido do governo de Barack Obama, pois os EUA procuravam um lugar para negociar com a milícia islâmica, a fim de preparar a retirada das tropas do Afeganistão.
De acordo com Elham Fakhro, especialista em assuntos do Golfo Pérsico da ONG International Crisis Group , ao se constatar que não haveria uma vitória militar clara no Afeganistão, incluiu-se o Talibã nas negociações, na esperança de uma solução política.
Sem medo de contato com extremistas
O mulá Abdul Ghani Baradar, um dos fundadores do Talibã, é o chefe da representação do grupo no Catar desde 2018 e também atuou como negociador-chefe dos extremistas nas negociações com os EUA e o governo afegão, agora destituído. A pedido dos americanos, foi libertado de uma prisão no Paquistão em 2018, onde fora detido, entre outros, pela CIA em 2010. Em 2020, assinou o acordo de paz com os EUA em Doha. Mas a rápida tomada de poder pelos talibãs tornou o acordo obsoleto.
Mesmo após a queda de Cabul, Doha aparentemente não vê razão para mudar sua política. Por isso, há quem acuse o emirado de promover o terrorismo internacional. “Alguns críticos argumentam que o envolvimento diplomático deu ao Talibã certa legitimidade que de outra forma não teria”, observa Fakhro.
A TV Al-Jazeera, com sede em Doha, por exemplo, há anos tem dado ao Talibã a oportunidade de se dirigir ao público. A emissora também transmitiu a entrada dos talibãs no palácio presidencial em Cabul. O emirado não demonstra qualquer temor de contato com vários atores problemáticos da região, mantendo, por exemplo, boas relações com a Irmandade Muçulmana e também com o Irã, explica Guido Steinberg, da Fundação Ciência e Política (SWP, na sigla em alemão).
“O Catar tem se apresentado como mediador na política regional há quase duas décadas. E faz isso principalmente porque quer melhorar sua posição na região. No passado, foi muito dependente da Arábia Saudita − nas décadas de 1970 e 80, era praticamente um protetorado dela.” Para se libertar das garras de seu grande vizinho, o Catar se posicionou como mediador independente.
Mediador (im)parcial
Em fins de agosto, referindo-se à situação no Afeganistão, o ministro das Relações Exteriores catarense, Mohammed bin Abdulrahman Al Thani, disse que seu país se vê como mediador imparcial. Mas não é completamente imparcial, porque aceitou hospedar a representação do Talibã, atendendo a um pedido dos EUA. “O Catar depende fortemente da proteção dos Estados Unidos”, comenta Steinberg. Os americanos têm uma grande base aérea em Al-Udeid, “e o Catar não quer mudar isso porque teme o poder de seus vizinhos”.
Com sua política externa e relações com grupos extremistas da região, o emirado não faz só amigos entre os países vizinhos: em 2017, ele foi alvo de um boicote pela Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Egito. A disputa agora é dada como encerrada, mas, em vez de serem resolvidos, os problemas foram deixados de lado. O papel de mediador do Catar o valoriza como parceiro dos países ocidentais, diz a especialista Elham Fakhro.
Não está claro quanta influência o Catar tem sobre o Talibã, já que, no passado, a relação entre ambos não foi totalmente isenta de conflitos. O Catar não quis que os talibãs hasteassem sua bandeira na frente de sua sede em Doha e chamasse o prédio de representação do “Emirado Islâmico do Afeganistão”. O “Emirado Islâmico” que os islamistas proclamaram em 1996 nunca foi reconhecido pelo Catar. Para diversos observadores, é improvável que isso ainda aconteça, especialmente se os EUA forem contra.
Catar quer garantir sua existência
O Catar é oficialmente wahabista, uma vertente do islamismo sunita que tem status de religião oficial na Arábia Saudita, e contatos com vários grupos extremistas, mas “certamente não está interessado que o Talibã governe com extrema violência”, ressalva Steinberg: seu interesse é atuar como mediador e “figurar no mapa da política regional e mundial”.
Essa seria uma forma de despertar o interesse do Ocidente, e talvez também da China e da Rússia, para que continue um Estado independente. Garantir a própria existência é o objetivo principal da política externa catariana, “porque alguns vizinhos, como a Arábia Saudita, não creem que o Catar deva necessariamente existir”.
Os países ocidentais, no entanto, estimam os serviços e contatos do Catar com o Talibã, apesar de todas as críticas. O embaixador da Alemanha no Afeganistão, Markus Potzel, já manteve conversações com os talibãs em Doha. A União Europeia também deve usar os bons contatos dos catarianos com os extremistas em suas próximas negociações com o Talibã.