Internacional
Cinco ministros da Argentina colocam cargos à disposição após revés eleitoral do governo
Membros do gabinete que fizeram gesto são próximos da vice Cristina Kirchner, expondo racha na aliança de centro-esquerda que sustenta o presidente Alberto Fernández. Prévias são termômetro da eleição de novembro
Cinco ministros e outros funcionários de alto escalão do governo do presidente argentino Alberto Fernández colocaram seus cargos à disposição nesta quarta-feira (15/09), três dias depois de um forte revés nas primárias legislativas, que funcionam como prévia das eleições legislativas nacionais de 14 de novembro e colocaram em risco a maioria da base governista no Senado.
O ministro do Interior, Eduardo “Wado” de Pedro, foi o primeiro a oferecer sua renúncia. Logo depois, fizeram o mesmo os titulares da Justiça, Martín Soria, da Ciência, Roberto Salvarezza, do Meio Ambiente, Juan Cabandié, e da Cultura, Tristán Bauer.
“Ao ouvir suas palavras no domingo à noite, quando você declarou a necessidade de interpretar o veredito dado pelo povo argentino, considerei que a melhor maneira de colaborar com essa tarefa é colocar minha demissão à sua disposição”, escreveu De Pedro na carta que apresentou a Fernández. O presidente não informou se aceitará o gesto.
Em seu governo, Fernández enfrentou a pandemia de covid-19 e o aprofundamento da crise na economia, que está em recessão desde 2018. A inflação anual do país está em cerca de 50%, e 42% da população se encontra em situação de pobreza. Seu governo é aprovado por cerca de um terço dos argentinos.
Sinal de Kirchner
Os ministros que colocaram seus cargos à disposição são próximos da vice-presidente Cristina Kirchner, e o gesto demonstra uma cisão na aliança de centro-esquerda que governa o país.
Com a popularidade em baixa do governo, Kirchner passou a criticar no último ano a gestão de Fernández e revelar divergências internas, e chegou a referir-se a “funcionários que não funcionam”.
Depois que os cinco ministros colocaram seus cargos à disposição, Fernández publicou uma foto no Twitter, sem descrição, ao lado doos ministros da Economia, Martín Guzmán, e da Produção, Matías Kulfas, que estão entre os mais criticados por Kirchner.
“Nova oportunidade” para a oposição
A aliança opositora saiu das primárias como a grande vencedora, incluindo uma vitória não esperada na província de Buenos Aires, bastião histórico do peronismo e que reúne 40% dos eleitores do país, com 37,99% dos votos contra 33,64%.
Na cidade de Buenos Aires, as três listas apresentadas pela Juntos pela Mudança obtiveram juntas 48,19% do apoio, seguidas de 24,66% da coalizão governante Frente de Todos.
A coalizão Juntos pela Mudança ainda foi vencedora em outros distritos importantes, com 47,55% dos votos na província de Córdoba e 40,11% em Santa Fé.
No cômputo geral, a Juntos pela Mudança obteve 41,5% dos votos, e a Frente de Todos, 31,8%. O presidente Alberto Fernández admitiu que o desempenho não foi bom, mas prometeu trabalhar para reverter o resultado em novembro.
“Evidentemente devemos ter feito algo errado para que as pessoas não nos acompanhassem como esperávamos, e todos nós que aqui estamos ouvimos o veredito do povo, com respeito e muita atenção”, disse Fernández após receber o resultado das primárias.
O marido da atual vice, o falecido ex-presidente Néstor Kirchner, deu origem ao kirchnerismo, movimento político de centro-esquerda de orientação majoritariamente peronista que hoje ela lidera.
A Juntos pela Mudança, à qual pertence o ex-presidente Mauricio Macri, festejou a “nova oportunidade” obtida nas urnas ao se tornar a mais votada nos principais distritos.
“Obrigado a todos aqueles que foram votar hoje e nos deram uma nova oportunidade. Sabemos que é uma tarefa e uma obrigação”, disse María Eugenia Vidal, pré-candidata a deputada pela cidade de Buenos Aires e ex-governadora da província de Buenos Aires.
Primárias obrigatórias
Para essas primárias de votação obrigatória, conhecidas como Paso (Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias), 34,3 milhões de argentinos foram chamados para definir as listas que disputarão as eleições de novembro, quando serão renovadas 127 das 257 cadeiras da Câmara dos Deputados, onde nenhum grupo tem maioria absoluta, e 24 dos 72 assentos, ou oito províncias, do Senado, dominado pelos governistas.
As coalizões podiam apresentar várias listas de pré-candidatos: a mais votada de cada coalizão poderá concorrer em novembro, desde que a coalizão tenha obtido ao menos 1,5% do total de votos.
As eleições foram as primeiras realizadas durante a pandemia e também as primeiras na presidência de Fernández. Analistas as consideraram uma espécie de plebiscito da sua gestão.
Elas também são cruciais para a oposição, que tenta se reorganizar após a derrota de Macri (2015-2019) para Fernández, na eleição presidencial de 2019.