Internacional
Alemanha precisa assumir a responsabilidade pelo colonialismo, diz presidente
Em abertura de exposições de arte não europeia, Frank-Walter Steinmeier clamou para que alemães lancem mais luz sobre o tema do período colonial, cujas injustiças, segundo ele, se refletem até os dias de hoje
O presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, pediu nesta quarta-feira (22/09) um debate mais forte sobre o período do colonialismo alemão.
Durante a cerimônia de abertura das primeiras seções do Museu Etnológico e do Museu de Arte Asiática, no Humboldt Forum, em Berlim, Steinmeier disse que os alemães oprimiram, exploraram, roubaram e mataram pessoas durante o colonialismo.
“Quando se trata da era colonial, nós, alemães, que em outros pontos somos tão conscientes da história, temos muitas lacunas”, disse o presidente.
“Temos pontos cegos em nossas memórias e em nossa autopercepção”, criticou Steinmeier, se referindo ao colonialismo.
As exposições trouxeram novamente à tona debate sobre a arte saqueada e a história colonial alemã. Os dois museus estão localizados no recém-inaugurado Humboldt Forum, que fica em uma réplica parcial reconstruída de um palácio prussiano que foi seriamente danificado durante a segunda guerra mundial e, posteriormente, demolido pelo governo da Alemanha Oriental.
O fato de o local abrigar exposições de arte asiática e africana é motivo de intenso debate, uma vez que o palácio foi, durante muito tempo, a residência oficial de imperadores alemães, em cujos reinados houve o colonialismo.
Sobre a questão, Steinmeier advertiu que o palácio reconstruído deve “ser também uma lembrança e uma advertência do militarismo, do nacionalismo e do colonialismo alemão”.
Injustiças se refletem até hoje
Segundo o presidente, na memória coletiva, a era colonial alemã é “ou glorificada ou, ainda mais frequentemente, completamente esquecida”.
No entanto, para ele, as injustiças que os alemães cometeram na época colonial dizem respeito a “toda sociedade alemã”. “Os crimes daquela época ainda têm efeito hoje”, afirmou.
Segundo ele, o tema deve ser debatido, pois, na Alemanha atual, também existem “racismo, discriminação, depreciação de supostos estrangeiros – até agressões físicas e terríveis atos de violência”.
Steinmeier disse que pessoas de todas as partes do mundo fazem parte da identidade nacional alemã. “Não são pessoas com antecedentes migratórios. Somos um país com antecedentes migratórios”, destacou.
O presidente salientou que os alemães só serão “capazes de compreender e superar as raízes mais profundas do racismo cotidiano se iluminarmos os pontos cegos de nossa memória, se lidarmos com nossa história colonial muito mais do que temos feito até agora”.
Reconciliação com a Namíbia
O presidente usou o discurso, também, para falar do acordo de reconciliação com a Namíbia, que, no passado, foi uma colônia alemã.
“Lá, no que antes era o Sudoeste Africano Alemão [hoje Namíbia], as chamadas tropas de proteção alemãs cometeram no começo do século 20 o primeiro genocídio deste século sangrento”, lembrou Steinmeier, reforçando que espera que as negociações cheguem a uma conclusão amigável.
No final de maio, Alemanha disse que reconheceria oficialmente os crimes das tropas coloniais alemãs contra grupos étnicos e pediria desculpas aos descendentes das vítimas.
A atual Namíbia foi uma colônia alemã entre 1884 e 1915. Historiadores estimam que, entre 1904 e 1908, as tropas do imperador alemão Guilherme 2º massacraram aproximadamente 65 mil herero (de um total de cerca de 80 mil) e 10 mil nama (de cerca de 20 mil), depois que ambos os grupos se rebelaram contra o domínio colonial.
O acordo de reconciliação também prevê uma ajuda alemã para a recuperação da região no valor de 1,1 bilhão de euros. O dinheiro deve ser usado principalmente nos assentamentos herero e nama.
Arte saqueada
O Museu Etnológico e o Museu de Arte Asiática contêm coleções de arte africana, asiática e não europeia, parte delas saqueadas durante o período colonial.
Entre os artefatos estão os famosos Bronzes de Benin, que foram saqueados do palácio real do Reino de Benin, no que hoje é o sul da Nigéria, por uma expedição colonial britânica em 1897.
O porta-voz da Tanzânia na Iniciativa Berlim Pós-Colonial, Mnyaka Sururu Mboro, criticou a exposição.
“É frustrante ver nossos tesouros culturais roubados, na Alemanha e em outros países do Ocidente. Mas é uma provocação e humilhação ultrajantes que eles estejam agora no palácio reconstruído do reis prussianos sem o nosso consentimento”, afirmou.
A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, que esteve presente na cerimônia, destacou em seu discurso que, embora os países europeus não neguem mais sua história colonial, ainda hoje se esquivam de sua responsabilidade.
Em frente ao Fórum Humboldt, cerca de 100 pessoas protestaram pela rápida devolução de objetos que foram saqueados pela Alemanha durante a era colonial.