Internacional
Ultradireitista Zemmour sacode corrida eleitoral na França
Conhecido como “Trump francês”, comentarista de TV e escritor radical oficializa candidatura à Presidência. Com agenda anti-imigração e anti-islã, ele se destacou em pesquisas e tumultuou o campo da direita
Até poucos meses atrás, a expectativa era que a próxima eleição presidencial na França, marcada para abril de 2022, fosse um previsível duelo entre o atual presidente, Emmanuel Macron, e a líder da Reunião Nacional (Rassemblement National, antiga Frente Nacional), Marine Le Pen.
Até que o comentarista de ultradireita e celebridade televisiva Eric Zemmour, conhecido como “Trump francês”, apareceu no cenário político e causou um frenesi midiático com posicionamentos inflamatórios sobre islã, imigração e feminismo, os quais ele culpa pelo suposto declínio da França.
Após meses de suspense, Zemmour, de 63 anos, anunciou sua candidatura à Presidência nesta terça-feira (30/11), prometendo “salvar o país do trágico destino que lhe espera”. “Decidi tomar o nosso destino nas mãos”, afirmou em um vídeo divulgado no Youtube.
Antes mesmo de oficializar sua candidatura, várias pesquisas de opinião mostraram a popularidade de Zemmour em ascensão. Ele chegou a ficar brevemente em primeiro lugar, à frente de Macron, do partido social-liberal Em Marcha!, de centro. Embora pareça que o apelo de Zemmour arrefeceu nas últimas semanas, especialistas afirmam que ele certamente já sacudiu o cenário eleitoral.
“Zemmour está criando uma ruptura na corrida presidencial francesa”, comenta Philippe Corcuff, cientista político do Instituto de Estudos Políticos de Lyon. “Ele parece mais respeitável e menos à direita do que Marine Le Pen, enquanto objetivamente ele está muito mais à direita dela com seu discurso racista e xenófobo.”
O paradoxo é explicado pelo fato de, durante anos, Zemmour ter sido conhecido na mídia francesa e nos círculos intelectuais, fazendo com que ele pareça ser uma figura respeitável da direita tradicional.
“Ele está na televisão todos os dias”
Jornalista de longa data do jornal conservador francês Le Figaro, Zemmour é também um escritor de sucesso e foi até recentemente comentarista em horário nobre de uma rede de notícias ao estilo Fox. Ele tem atraído grandes multidões em eventos semelhantes a comícios em toda a França enquanto promove seu último livro – La France n’a pas dit son dernier mot (a França não disse sua última palavra).
E ele continua chamando atenção com suas opiniões polarizadoras. Ele defendeu a proibição de nomes “estrangeiros”, como Mohammed, denunciou a “propaganda” LGBT, criticou a imigração de muçulmanos africanos e disse que o islã não compartilha dos valores fundamentais da França.
Zemmour, que é de ascendência judaica e argelina, também é acusado de tentar reabilitar o regime francês de Vichy, que colaborou com os nazistas. Ele já foi punido duas vezes por incitar o ódio racial.
“Há uma cobertura midiática incansável sobre Zemmour. Ele está na televisão todos os dias. E mesmo que não esteja, ele está sendo debatido”, diz Jean-Yves Camus, diretor do Observatório de Política Radical da fundação Jean-Jaures, em Paris. “Ele determina a agenda, e os outros à direita são apenas os que respondem às questões que ele levantou.”
Roubando a cena de Marine Le Pen
Embora pesquisas apontem que o apelo de Zemmour perpassa toda a direita, ele representa um desafio particularmente para Le Pen, que está despencando nas sondagens.
Nos últimos anos, Le Pen tem tentado suavizar a imagem de seu partido para ampliar seu apelo e abandonou algumas das posições mais extremas da ultradireita populares sob seu pai, Jean-Marie Le Pen. Isso a deixou vulnerável a Zemmour, que agora a ultrapassa à direita com sua visão linha dura sobre o islã na França, a imigração e a identidade nacional.
“As bases da Reunião Nacional podem ser mais radicais sobre essas questões. Para elas, Marine Le Pen é muito mole, muito mainstream, não suficientemente radical e, o mais importante, ela está se candidatando [à Presidência] pela terceira vez”, disse Camus, que é especialista em extrema direita.
“Há um certo cansaço. Alguns estão esperando há anos para que o partido chegue ao poder e sabem pelas pesquisas de opinião que Marine Le Pen não será eleita”, comenta.
Uma corrida para a direita
Zemmour também sacudiu o tradicional partido de centro-direita da França, Os Republicanos (Les Republicains), que esteve no poder pela última vez, embora com um nome diferente, em 2012, sob o presidente Nicolas Sarkozy. O partido ainda não indicou um candidato para a corrida presidencial em abril.
De acordo com o cientista político Philippe Corcuff, os republicanos caminharam para a direita sob Sarkozy, marginalizando os conservadores moderados dentro do partido. Desde então, as fronteiras com a ultradireita sobre os temas clássicos da direita se diluíram.
“A direita tradicional tem muito pouca resistência ao discurso de Zemmour. Os políticos estão competindo uns com os outros para serem mais de direita, e eles acham que imigração, segurança e soberania são as questões mais bancáveis”, disse Corcuff. “Com isso, eles dão mais legitimidade ao que Zemmour diz.”
“Sem tabus”
O fato de Zemmour ser visto como um outsider e não ser membro de nenhum partido político também age em seu benefício.
“Os eleitores franceses estão completamente fartos dos políticos, eles não confiam neles”, comenta Antoine Diers, porta-voz da Associação dos Amigos de Eric Zemmour, um grupo que levanta fundos para a campanha presidencial.
“Zemmour é destemido”. Ele não tem tabus. Ele fala sobre como a imigração é ruim para a França. Ele é o único a dizer que temos um problema com o islã. Ele faz boas perguntas sobre segurança e falta de justiça.”
Diers, que é membro do Republicanos, disse ter esperança de que Zemmour possa criar uma ampla base de apoio para derrotar Macron.
“Zemmour tem ressonância entre pessoas como eu e outros republicanos, também eleitores da ultradireita e até mesmo pessoas que pararam de votar”, disse Diers. “Ele é capaz de unir todas essas pessoas mais do que qualquer outro político da direita.”
Plantando ideias na campanha
Seja a candidatura presidencial de Zemmour bem-sucedida ou não, suas ideias já se tornaram mainstream na corrida eleitoral francesa.
“A disseminação de ideias de ultradireita não leva necessariamente à vitória de um candidato de ultradireita, mas atrai políticos de todos os lados, do centro e até mesmo da esquerda”, afirma Corcuff.
Durante um recente debate televisivo para a primeira primária republicana na França, jornalistas perguntaram repetidamente aos candidatos sobre a teoria da “grande substituição”, cunhada pelo escritor francês Renaud Camus e propagada por Zemmour.
Popular entre movimentos identitários na Europa, a teoria da conspiração afirma que um grupo elitista está conspirando contra franceses brancos e europeus para eventualmente substituí-los por não europeus da África e do Oriente Médio, a maioria dos quais são muçulmanos.
Nas últimas semanas, Arnaud Montebourg, candidato independente da esquerda, propôs a proibição de transferências de dinheiro por meio da empresa Western Union para países que se recusam a aceitar de volta seus próprios cidadãos deportados da França para combater a imigração ilegal. Logo depois, Zemmour afirmou que ideia tinha sido dele.