Segurança Pública
O que acontece com o preso que comete uma falta grave?
Análise legislativa e jurisprudencial das consequências da falta grave na Execução Penal
Visando a ressocialização do apenado, a Lei de Execução Penal oferece alguns benefícios aos condenados que trabalham, estudam, se profissionalizam e ostentam bom comportamento. Em contrapartida, impõe sanções aos apenados que não demonstram propensão à reabilitação, seja desrespeitando a autoridade penitenciária ou praticando novos delitos. Essas sanções, além de trazerem privações aos presos, ainda afetam ou impossibilitam a conquista dos benefícios da execução.
As faltas disciplinares são divididas em leves, médias e graves. Enquanto as duas primeiras variam de acordo com o regimento disciplinar de cada estado, bem como as respectivas sanções, as faltas graves estão disciplinadas no art. 50 da LEP.
Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:
I – incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina;
II – fugir;
III – possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem;
IV – provocar acidente de trabalho;
V – descumprir, no regime aberto, as condições impostas;
VI – inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei.
VII – tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. (Incluído pela Lei nº 11.466, de 2007)
VIII – recusar submeter-se ao procedimento de identificação do perfil genético. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
Por determinação legal do art 5999,LEPP, para que seja reconhecida uma falta grave – bem como seus efeitos – é imprescindível que esta seja analisada administrativa e judicialmente. A análise administrativa se dá através de um Processo Administrativo Disciplinar, conhecido como PAD. A instauração de um PAD, em regra, advém de um Boletim de Ocorrência (apontando a prática de um crime doloso), de um termo de ocorrência circunstanciado no próprio estabelecimento prisional (no momento em que se localiza um aparelho telefônico, por exemplo) ou através de cópia de livro atestando que o apenado não retornou de alguma saída (acrescida também de um termo de ocorrência).
A Súmula 533, STJ, além de reafirmar a obrigatoriedade de abertura de um PAD, sob pena de nulidade, ainda explicita a imprescindibilidade da constituição de um advogado ou nomeação de um defensor público, visando, desta forma, assegurar o contraditório e a ampla defesa do acusado. A expressa exigência de um advogado ou defensor veda que o apenado seja assistido por um assistente judiciário do próprio estabelecimento prisional, já que, por uma questão de hierarquia, esses assistentes são subordinados ao diretor do estabelecimento, que é quem atestará, nessa fase, se houve ou não o cometimento de falta disciplinar.
Reconhecida a falta disciplinar grave na fase administrativa, o diretor do estabelecimento prisional rebaixa o comportamento do apenado e encaminha ao juiz da execução um relatório com as conclusões do processo administrativo. Por falta de previsão legal, não há um procedimento claro a ser cumprido, variando muito de acordo com cada estado, mas, em regra, têm-se uma audiência de justificação, circunstância na qual são analisas as provas e ouvido o apenado, eventuais testemunhas, MP e defesa. Reconhecida a falta grave judicialmente, o magistrado da execução irá imputar ao condenado uma série de restrições.
Por disposição do art. 118, I, LEP, reconhecida a prática de falta grave, ocorrerá a regressão para regime mais gravoso. Além da regressão de regime, ainda interrompe-se o prazo para futuras progressões, recomeçando do zero, a partir da data da infração (e não da responsabilização, que pode levar meses), conforme entendimento jurisprudencial sedimentado na Súmula 534, STJ. Porém, apesar de voltar a ser contado do zero, o preenchimento da fração necessária para a próxima progressão se dará em relação ao restante da pena, não mais em relação ao total.
Uma das hipóteses de falta grave é a prática de crime doloso, internamente ou externamente ao estabelecimento prisional. A Súmula 526, STJ, determina que o reconhecimento de falta grave decorrente do cometimento de fato definido como crime doloso no cumprimento da pena não exige o trânsito em julgado. A jurisprudência não determina, porém, o que deve ser exigido, se bastaria um B.O. registrando o fato, o oferecimento da denúncia por parte do MP ou uma condenação em primeiro grau, por exemplo. Na prática, o mero registro do fato em boletim de ocorrência já se faz suficiente para a instauração de um PAD e para o isolamento preventivo de 10 dias, cabível nas situações de falta grave, por determinação do art. 60, LEP.
Outra consequência é a perda de até 1/3 dos dias remidos, conforme disposição do art. 127, LEP. Embora parte da doutrina considere que essa perda só seria possível se fosse por uma falta praticada durante o trabalho ou o estudo – justificando, dessa forma, a perda desses dias – a jurisprudência majoritária não admite essa tese.
Revoga-se também a autorização para o trabalho externo, por determinação do parágrafo único do art. 37, LEP e para as saídas temporárias, de acordo com o art. 125, LEP. Por determinação da Súmula 441 do STJ, o reconhecimento da falta grave não impede, por si só, a vedação ao livramento condicional, nem gera alteração da data-base. A Súmula 535, STJ, também estabelece que não interrompe-se o prazo para indulto ou comutação.
Uma observação de suma importância é que embora o reconhecimento da falta grave não vede, por si só, o direito a alguns benefícios, acaba os vedando indiretamente, uma vez que, em regra, para ter direito à esses estímulos, o apenado precisa gozar de bom comportamento carcerário e não ter cometido falta grave nos últimos meses.
Com o advento da Lei Anticrime soma-se as demais mais uma falta grave, prevista no art. 150, VIII, LEP, motivada pela recusa do apenado em se submeter a coleta do DNA para a identificação do perfil genético, disciplinado no art. 9-A, LEP.
Sendo o caso de falta grave que ocasione subversão da ordem e da disciplina interna (como uma rebelião, por exemplo) ainda há possibilidade de transferência para Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), regulado pelo art. 52, LEP.
Como foi exposto, durante o cumprimento de pena, com o intuito de retirar o apenado da marginalidade, são oferecidos benefícios aos que de fato demonstrem aptidão à ressocialização, mas, em contrapartida, limita esses benefícios aos que, apesar do trabalho, do estudo e do respeito, desacatam normas internas imprescindíveis para um cumprimento de pena que atenda aos seus propósitos de ressocialização, humanização e profissionalização.