CIÊNCIA & TECNOLOGIA
Telas e aparelhos eletrônicos prejudicam a vida do casal?
Sim, a exposição excessiva às telas pode atrapalhar a convivência entre os cônjuges, mas também pode indicar um problema mais profundo
“Éo trabalho!”, “Isso me relaxa!”,”Eu tenho que responder a este e-mail!”… Qualquer desculpa é boa para você não largar do seu telefone enquanto seu marido está na sua frente. Mas, se os aparelhos eletrônicos continuam a ser muito úteis e fontes de relaxamento, parece, no entanto, necessário garantir que a exposição a eles não prejudica a relação do casal.
Isso deve ficar ainda mais evidente à medida que a dependência das telas se instala de forma gradual e silenciosa. Os cônjuges acabam evoluindo em dois mundos distintos. Consequentemente, esquecem o quanto o diálogo, a partilha e a comunicação são elementos essenciais para que a relação se mantenha viva.
Vício em telas e aparelhos eletrônicos
Camillia, 24, e seu marido, 28, encontraram nas telas uma maneira de descansar, de respirar, após dias agitados com dois filhos pequenos. “No início, não era ruim, um pouco da série Netflix antes de dormir, Facebook, Twitter, Insta. Mas, aos poucos, fui ficando viciada em meu telefone. Eu o checava o tempo todo. Meu marido começou a reclamar porque até quando a gente assistia a um filme eu continuava nas redes sociais”, revela Camillia.
Todas as noites antes de dormir, Camillia, passava uma hora ou mais em seu telefone. Por fim, o marido também se voltava para as telas. “Assistíamos cada vez menos séries juntos. Ele jogava videogame e eu navegava pelo meu feed de notícias”, explica ela.
Entretanto, as discussões começaram a aparecer. Seu marido a repreendia por passar muito tempo ao telefone, mas Camillia se defendia com um argumento invencível: “Você joga seus videogames, realmente não vejo como te incomoda que eu esteja no meu telefone”.
Todos mantinham seus argumentos, até o dia em que Camillia descobriu o tempo que ela passava diariamente diante da tela do smartphone: 7h54. “Isso me atingiu com força. Desde então, aprendi a me limitar e principalmente a largar o telefone quando meu marido e meus filhos chegam em casa”, explica.
O perigo das telas
O perigo das telas para o casal reside nesse incentivo de viver cada um por si. Consumidos em excesso, as telas podem alterar o relacionamento conjugal, pois afastam os cônjuges. “O risco é os cônjuges, absorvidos pelas telas, não se falarem mais, não se divertirem mais e não manterem mais a relação”, sublinha Marie Binet , conselheira matrimonial e terapeuta sexual de Toulouse.
Além disso, a especialista acrescenta: “Ao ocuparem o lugar do encontro com o outro no cotidiano, as telas impedem a comunicação emocional, velam os conflitos e dificultam a intimidade que já não tem espaço nem tempo para se vivenciar”.
Uma tendência também observada por Karine Triot, conselheira matrimonial e familiar da associação Plus Belle Ma Vie em Angers: “Hoje cada um está sozinho para não invejar o outro, mas assim cada vez partilhamos menos”, explica Karine à Aleteia.
Evitando as telas e os eletrônicos
A princípio, Marie Binet aconselha que você tome consciência de sua própria relação com as telas. Isso envolve primeiro a observação do tempo gasto no telefone (Configurações> Tempo de uso). Em seguida, vem a autocrítica: o que estou fazendo no meu celular? Com quem eu me comunico? O que isso me traz de bom? Isso afeta meu gerenciamento de tempo? Meu sono? Minha dieta ? Meu relacionamento com os outros?
Em segundo lugar, é bom medir o impacto que as telas têm em seu relacionamento. Quando elas se tornam intrusivas na vida de um casal? Quando afetam a qualidade do relacionamento?
Marie Binet nos convida a examinar em particular três momentos essenciais da relação conjugal: qual é o meu primeiro gesto ao me levantar de manhã: olhar para o meu telefone ou beijar meu parceiro? Nossos laptops estão presentes durante as refeições? À noite, reservamos um tempo para falar uns com os outros ou corremos para nossas telas?
Estar ciente disso permite que você mude seu comportamento. Para Marie Binet, é muito mais uma questão de vontade. Alguns casais decidiram proibir as telas do quarto, por exemplo. Além de dificultar a comunicação, o uso excessivo de telas pode ser percebido como desrespeitoso ou mesmo humilhante por quem “fica em segundo plano”. Isso envia a mensagem: “Meu telefone é mais interessante do que você”.
Estabelecer regras
Mas quando as salvaguardas estão em vigor, o vício desaparece rapidamente. Como evidenciado por Marie, casada e viciada em iPhone, que percebeu que “seu casamento estava bem, mas que estava se consumindo lentamente” por causa de seu vício em “Facebook, Insta, WhatsApp e as notícias”. Não faz muito tempo, ela e o marido iam para a cama com seus telefones e os consultavam durante os jantares individuais em restaurantes. Recentemente, eles estabeleceram regras para se desconectar quando estão juntos. “Fez muito bem! As regras são recentes, mas acho que o vício vai embora tão rápido quanto apareceu”, revela.
Rotas de fuga
Mas, atenção: o vício em telas não é necessariamente a causa do desconforto conjugal. Também pode ser um sintoma de um relacionamento “já” ruim. Karine Triot observa que, para muitos casais em crise, as telas são uma rota de fuga da insatisfação conjugal ou pessoal. Alguns se refugiarão atrás das telas para escapar do relacionamento. As telas então aparecem como uma forma de ficar longe umas das outras e do problema.
Além da questão do tempo gasto no telefone, há também a questão do conteúdo visualizado. Embora alguns conteúdos sejam inofensivos, outros podem afetar profundamente o relacionamento. É o caso da pornografia, que altera a relação afetiva e sexual, na medida em que afasta os outros ou os incentiva a torná-los objeto de prazer.
De forma semelhante, mensagens instantâneas e redes sociais podem ser fontes de infidelidade. “O celular, propriedade particular, fica inacessível sem autorização. Isso facilita mentir, desconfiar. O telefone é uma abertura para ‘outros’mais gratificantes do que o cônjuge. E isso pode levar à infidelidade virtual, depois real”, alerta Karine Triot.
Enfim, são tantas armadilhas que justificam uma vigilância redobrada.