Internacional
Em debate, Macron ataca Le Pen por laços com o Kremlin
Presidente francês diz que rival de extrema direita “depende do poder russo e de Putin”. Macron domina debate, mas Le Pen não repete fraco desempenho de 2017
No primeiro e único debate do segundo turno da eleição presidencial francesa, o atual chefe do Executivo do país, Emmanuel Macron, atacou sua adversária de extrema direita, Marine Le Pen, pelos laços desta com o Kremlin.
“Eu recebi [Putin] como chefe de Estado, não como banqueiro (…) Você fala com seu banqueiro quando fala com a Rússia”, disse Macron, numa referência ao fato de o partido de Le Pen, o Reagrupamento Nacional (RN), ter sido contemplado em 2014 com um empréstimo de 9 milhões de euros de um obscuro banco russo chamado First Czech-Russian Bank – empréstimo que ainda não foi quitado.
“Você foi uma das primeiras líderes políticas a reconhecer o resultado do referendo da Crimeia. Por que você fez isso? Porque depende do poder russo e do senhor Putin”, disse Macron nesta quarta-feira (20/04) no debate televisivo, que ocorreu quatro dias antes do segundo turno, marcado para o próximo domingo. “Você não será capaz de de defender os interesses da França.”
O referendo da Crimeia, citado por Macron, ocorreu em março de 2014. Na ocasião, sob ocupação russa, eleitores da região ucraniana foram apressadamente convocados a votar se aceitavam a anexação do território pela Rússia. Segundo os resultados, 97% dos eleitores concordaram, mas a votação não é reconhecida pela comunidade internacional.
Macron também criticou Le Pen pelo fato de o RN votar no Parlamento Europeu contra o acolhimento de refugiados ucranianos e a concessão de ajuda financeira à Ucrânia após a invasão russa.
Por sua vez, Le Pen se defendeu das acusações assegurando que foi forçada a recorrer ao First Czech Russian-Bank por não ter conseguido um empréstimo junto a bancos franceses.
“Sou patriota. Defenderei a França e os franceses por toda a minha vida. O que você diz é falso”, respondeu a candidata de extrema direita. “Apoio uma Ucrânia livre, que não seja submissa aos Estados Unidos, à União Europeia ou à Rússia, essa é a minha posição.”
Le Pen ainda afirmou ser solidária ao povo ucraniano, mas contra as sanções ao setor de energia da Rússia, argumentando que elas não prejudicam apenas as finanças de Moscou, mas também a economia francesa. “Tentar prejudicar a Rússia cometendo um haraquiri [uma forma de suicídio ritual japonesa] é uma estratégia ruim”, afirmou Le Pen.
Macron domina debate, mas Le Pen não repete desastre de 2017
Durante as quase três horas de debate, Macron dominou o duelo, posicionando-se de forma assertiva em praticamente todos os assuntos. Em alguns momentos, arriscou demonstrar arrogância tal era sua preponderância sobre Le Pen. O presidente também interrompeu bastante a rival, especialmente para rebater o que classificou de distorções e mentiras.
“Pare de confundir tudo”, chegou a dizer em certo momento o atual presidente, ao que Le Pen respondeu: “Não me dê lições.”
Macron também explorou pontos vagos e inconsistentes do programa de Le Pen, demonstrando que estava bem a par dos planos da candidata, que algumas vezes pareceu atordoada com o conhecimento e as críticas do presidente.
Le Pen, por sua vez, mesmo sendo dominada por Macron, teve um desempenho mais sólido do que o do duelo de 2017, quando ela mesma reconheceu ter feito “um debate muito ruim”. Na ocasião, chamaram a atenção as cenas de uma Le Pen perdida procurando informações em suas anotações.
Uma pesquisa divulgada pelo canal BFM TV apontou Macron como o participante mais convincente do debate desta quinta-feira para 59% dos telespectadores. Apenas 39% julgaram Le Pen mais convincente. Jornais e analistas franceses também destacaram que o presidente se saiu melhor, mas sem demolir completamente sua adversária como ocorreu em 2017.
E, ainda que não tenha repetido o desastre de cinco anos atrás, Le Pen não teve um desempenho que possa reverter sua posição desconfortável nas pesquisas. Os últimos levantamentos apontam que Macron ampliou sua vantagem nos últimos dias, aparecendo de dez a 12 pontos percentuais à frente da candidata de extrema direita.
Macron destrincha programa de Le Pen
O presidente Macron, que busca a reeleição – algo que nenhum presidente francês consegue desde 2002 – também explorou os posicionamentos de Le Pen sobre a União Europeia, as relações da França com a Alemanha e a imigração.
Macron, por exemplo, acusou sua oponente de disfarçar um plano de abandonar o euro em seu programa, o que colocou Le Pen mais uma vez na defensiva. Nesta eleição, Le Pen parou de falar explicitamente em um “Frexit“, preferindo usar a linguagem de “renegociação de tratados”. “O seu projeto é um projeto que não mostra o que é, mas que consiste em sair da Europa. A senhora mente sobre a mercadoria”, acusou Macron.
Macron também reiterou a sua confiança “na Europa e no eixo franco-alemão” que, na sua opinião, “vai permitir avançar na soberania europeia” contra outras superpotências.
Por seu lado, a candidata de extrema direita respondeu que “a soberania europeia não existe, porque não há cidadania europeia”. “Você quer substituir a soberania francesa pela soberania europeia e é por isso que coloca a bandeira europeia [da UE] sob o Arco do Triunfo”, respondeu Le Pen.
Le Pen ainda atacou os acordos comerciais firmados pela UE, afirmando que o bloco, para beneficiar montadoras alemãs de automóveis, libera a entrada de “frango do Brasil e de carne do Canadá” em detrimento dos produtores europeus.
Macron rebateu lembrando que se opôs à assinatura do acordo entre a UE e Mercosul na forma atual por considerá-lo prejudicial à biodiversidade.
Em outro momento do debate, Le Pen questionou as melhorias econômicas propagandeadas por Macron e classificou de “uma injustiça insuportável” o projeto do presidente de aumentar de 62 para 65 anos a idade de aposentadoria.
Em outro momento mais tenso do debate, Le Pen defendeu seu projeto de convocar um referendo sobre imigração e proibir o uso do véu islâmico em lugares públicos.
“O que você propõe é uma traição ao espírito francês, está expulsando milhões de nossos compatriotas do espaço público”, disse Macron, para quem “a laicidade não implica combater a religião”.