AGRICULTURA & PECUÁRIA
O impacto das decisões administrativas no agronegócio
A impossibilidade de creditamento do PIS no frete e formações de lotes para exportação
Espera-se cumprir, com este expediente, a missão do articulista, a de provocar o leitor para reflexão, sendo que o tema ora objeto de apresentação tem relevantes impactos para o agronegócio brasileiro.
Aos 11 dias de abril do corrente ano, Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Carf firmou entendimento no sentido de que:
“A transferência de produto acabado a estabelecimento filial para “formação de lote” de exportação, ainda que se efetive a exportação, não corresponde juridicamente à própria venda, ou exportação, não gerando o direito ao crédito em relação à contribuição”. (acórdão 9303-013.070)
Explicando, a contribuinte recorrente sustentava que “o frete de seus produtos acabados entre seus estabelecimentos para formação de lotes para posteriormente serem exportados caracterizam-se como frete na operação de venda, e, por tal, dão direito ao creditamento de seu valor”, isto para a contribuição ao PIS.
Observa-se que o julgamento pela CSRF o foi na modalidade de submissão à sistemática de recursos repetitivos, na qual um tema sob discussão comum a diversos processos é resolvido pela apreciação de um caso modelo.
Abrindo um necessário parênteses, consigna-se que a história e a importância do agronegócio brasileiro, em apertada síntese, iniciam-se com a exploração do pau brasil, sendo que essa história está intrinsicamente ligada à do Estado brasileiro. Importante observar que mesmo com os movimentos de urbanização, o Estado sempre voltou seus olhos e sua preocupação para a agropecuária brasileira.
O agronegócio é hoje enxergado como uma cadeia de sistemas (antes, dentro e depois da porteira) com vasto emprego de tecnologia, sendo que seus agentes necessitam ter segurança jurídica e previsibilidade para bem desempenhar suas atividades, especialmente na seara tributária. Como se não bastasse as intempéries inerentes à atividade tais como temperatura, solo, umidade do ar, vento, volatilidade do preço e moeda no mercado internacional. Cerram-se os parênteses.
Retoma-se o curso da apresentação da acima mencionada decisão proferida pela CSRF assinalando que a contribuinte com suas razões de recorrer, por especial de divergência, ampara sua argumentação no quanto antes já decidido pelo Tribunal Administrativo por ocasião do exame dos processos cujos resultados estão consignados nos acórdãos nºs 9303-007.286 e 9303-011.411.
Para o primeiro dos paradigmas expressamente assinalados pela contribuinte, tem-se que o julgamento foi realizado em agosto de 2018 e a matéria objeto da discussão ficou assim delimitada: “direito de se aproveitar créditos calculados sobre as despesas com fretes para a transferências de produtos acabados/mercadorias, entre os estabelecimentos do contribuinte, para venda/revenda e para a formação de lotes para exportação”. Em seguida, a relatoria vencedora afirmou – na ocasião também no exercício da presidência do colegiado superior – que aquelas despesas com frete estavam legalmente amparadas na conceituação de despesas na operação de venda, daí o motivo para fazer jus à apuração de créditos da contribuição ao PIS, inclusive quando para exportação.
No que diz respeito ao segundo paradigma levado à CSRF do Carf, com julgamento realizado em abril de 2021, teceu-se longo arrazoado sobre o conceito de insumos e a necessidade de se observar sua essencialidade aos processos produtivos e prestação de serviços, inclusive com a adoção da Nota SEI PGFN/MF 63/2018, passando pelo exame da relevância do serviço de transporte (frete) compreendido no necessário esgotamento do processo produtivo da contribuinte, o que se dá até a exportação definitiva de suas mercadorias. Em conclusão, a relatoria julgadora reconheceu o “direito ao crédito das contribuições para o PIS e a Cofins não cumulativas sobre os gastos com fretes de produtos acabados entre estabelecimentos”, nos moldes em que reclamado pela contribuinte.
Como já reportado no início deste artigo, em 2022 e para a mesma contribuinte antes vencedora da tese[1], o posicionamento da CSRF é modificado para o mesmo tema apresentado, o que já é objeto de um ponto de exclamação, face a manifesta preocupação para com a segurança jurídica e implicações nos negócios, sistemas e operações realizadas pela contribuinte recorrente, em especial para as que atuam no agronegócio, uma vez que não há dúvidas quanto à essencialidade desta atividade/operação na consecução de seus negócios.
A alteração mencionada se deu, em apertada síntese, sob o fundamento do agora voto vencedor no sentido de que os custos de distribuição de mercadorias não se subsomem ao conceito de insumo utilizado no processo produtivo, mas de distribuição de mercadoria que está inserido no inciso IX[2], o qual não alcança o valor do frete contratado para a realização de transferências de mercadorias dos estabelecimentos industriais aos estabelecimentos distribuidores, já que tais custos não integram a operação de venda a ser realizada posteriormente. O direito ao crédito se limita ao frete contratado para a entrega de mercadorias diretamente aos clientes.
Nesse sentido, por voto de qualidade, o entendimento exarado pela turma julgadora é que os produtos derivados do agronegócio, os quais não são cultivados em área próxima aos portos, em sua grande maioria, não precisam ser transportados até o porto para formar o lote necessário para o carregamento do navio que fará a exportação.
Num país com a dimensão do Brasil, não é possível conceber a imprescindibilidade, essencialidade e relevância do transporte de produtos, em qualquer modal, até o porto ou suas mediações para que se tenha uma quantidade suficiente para encher um navio para exportação. Se o produto não se locomover até que se tenha uma quantidade/lote suficiente para o navio ser totalmente carregado, haveria um custo adicional decorrente do prazo para as operações de embarque da carga, o que não é factível. Assim, de que adianta produzir se não se pode levar?
Essa decisão da turma julgadora, além de desmantelar a segurança jurídica, cria um custo adicional no percentual de 9,25% (PIS e à Cofins) ao transporte de produtos que serão exportados. Para o agronegócio que se expande cada vez mais em todo o Brasil e cuja participação chega a 45,9% das exportações brasileiras, a CSRF do Carf tem ou não se apresentado o Deus et diabolus in terra?