Internacional
Como Trump e Biden disputam o voto latino
Enquanto Trump tenta afastar latinos que se opõem aos republicanos das urnas, Biden aposta que Kamala Harris como vice ajudará a atrair a crucial parcela do eleitorado para os democratas.
Para escrever história, basta doar 35 dólares. Ou 500. Ou 2.800. Não importa. Para a campanha para reeleger o presidente americano Donald Trump, cada centavo é válido, e seus eleitores latino-americanos não querem ficar de fora.
O movimento “Latinos por Trump” está fazendo uma campanha fervorosa por seu presidente. Para os apoiadores de Trump, o republicano proporcionou uma economia próspera, cidades seguras e liberdade religiosa, o que supostamente permanecerá por gerações.
Através de um pequeno botão vermelho no canto superior direito da página inicial do grupo na internet, logo acima do artigo que tira sarro do candidato democrata à presidência, Joe Biden, o usuário vai parar diretamente num formulário de doações. Afinal, apenas mais quatro anos significariam a “transição para a verdadeira grandeza”.
“É a economia, estúpido”
Latinos que apoiam o homem que chama mexicanos de estupradores, que separou famílias de imigrantes latino-americanos já na chegada e que celebra a construção de um muro na fronteira com o México como seu maior projeto?
A verdade é que a famosa frase “É a economia, estúpido”, cunhada pelo estrategista da campanha de Bill Clinton há quase 30 anos, ainda se aplica aos 32 milhões de latinos aptos a votar nos Estados Unidos em 2020, ano em que, pela primeira vez, eles representam o maior grupo de eleitores. Ou seja, para os latinos, emprego e economia são as questões mais importantes, e não a imigração.
“Os proprietários de pequenas empresas latino-americanas dão muito crédito a Trump por ele ter baixado impostos. Os latinos que votam nos republicanos não amam Donald Trump. Mas eles se veem primeiramente como cidadãos dos EUA e republicanos, e só depois como membros de uma etnia”, afirma Geraldo Cadava.
Cadava sabe do que está falando, pois ninguém entende melhor a cabeça dos eleitores latinos nos EUA do que ele. O professor de história e estudos latino-americanos da Northwestern University em Chicago escreveu o livro The Hispanic Republican, que trata precisamente dos latinos fiéis ao Partido Republicano dos EUA.
A falsa ideia de um “eleitor latino”
Para Cadava, uma coisa é fato: “O eleitor latino não existe. Os porto-riquenhos em Nova York votam de maneira diferente dos mexicanos na fronteira e dos cubanos em Miami. Desde 1970 os democratas têm uma média de 70% dos votos latinos, mas os cubanos no exílio na Flórida votam em Trump, por exemplo, porque ele tem assumido uma linha dura contra o presidente venezuelano, [Nicolás] Maduro.”
Já em 2016, os votos latinos haviam ajudado a decidir a vitória de Donald Trump. É verdade que eles garantiram os estados de Colorado, Nevada e Novo México para a democrata Hillary Clinton. Porém, o Texas e sobretudo o decisivo estado da Flórida elegeram o candidato republicano.
Também neste ano, o voto de minerva deverá vir dos dois estados com o maior número de imigrantes latino-americanos atrás da Califórnia. Há quatro anos, 28% dos latinos votaram em Trump. O chefe de governo deve contar com um apoio semelhantes nestas eleições.
Os democratas, no entanto, estão celebrando uma cartada com a nomeação de Kamala Harris como candidata à vice: após a escolha, os números do partido dispararam nas pesquisas, especialmente entre os latinos.
Na recente convenção democrata, Biden prometeu ser o presidente de todos os americanos, o que incluiria os quase 60 milhões de hispânicos que vivem no país. E o democrata entrou em contato com a mídia de língua espanhola e recentemente iniciou uma campanha voltada sobretudo para os latinos.
Cadava, cujos avós vêm do México e do Panamá, vê nisso um sinal importante, mas nada mais. Para ele, o eleitorado latino ainda é sistematicamente negligenciado. De acordo com o historiador, nem os republicanos nem os democratas compreenderam a importância do voto latino.
“Eles aparecem pouco antes das eleições e depois somem por três anos. Eles têm que investir dinheiro, tempo e energia. E eles precisam mudar a maneira como veem os latinos, que são cidadãos americanos, e não um grupo minoritário qualquer, que se pode facilmente deixar de lado”, diz.
A participação latina nas eleições está em constante crescimento. A cada 30 segundos nos EUA, um latino completa 18 anos de idade e se torna apto a votar. Mas os republicanos acham que os novos eleitores são mais inclinados a votar nos democratas de qualquer jeito e, portanto, não dão muita atenção a eles. Os democratas, por outro lado, negligenciam os latinos porque acreditam que grande parte deles sequer vota.
Na verdade, a participação eleitoral hispânica é baixa em comparação com a de outras populações. Em 2016, apenas 47,6% dos latinos com direito a votar compareceram às urnas, enquanto 59,6% dos afro-americanos e 65,3% dos brancos votaram.
Desinteresse do eleitorado como arma
É exatamente aí que entra Trump: “É óbvio que a campanha de Trump está fazendo tudo o que pode para suprimir o voto. De todos os americanos que não o apoiam e, assim, logicamente, também dos latinos”, diz Geraldo Cadava.
Para o professor de história, Trump pretende chegar o mais perto possível do recorde negativo de 44% de comparecimento às urnas observado entre os latinos na eleição presidencial de 2004, quando Bush foi reeleito para um segundo mandato. Ao mesmo tempo, acrescenta, Trump fará todo o possível para garantir que os latinos que simpatizam com os democratas não votem.
Quando Ronald Reagan concorreu à presidência como candidato republicano em 1980, ele explicou sua estratégia da seguinte maneira: “Os latinos já são republicanos, eles apenas não sabem disso.” Nas últimas semanas antes do pleito de 3 de novembro, resta a Trump torcer para que os eleitores latino-americanos também se deem conta disso.