Internacional
Viktor Orbán e o antissemitismo
Judeus vivem com mais segurança na Hungria do que na França ou na Alemanha. Mas o governo húngaro flerta constantemente com o antissemitismo e até condecora antissemitas. Organizações judaicas fazem alerta
Comparações com o nazismo não são nenhuma raridade em Budapeste nestas últimas semanas. Mas o que Szilárd Demeter, diretor do Museu de Literatura Petőfi e leal defensor do primeiro-ministro Viktor Orbán escreveu num artigo de opinião para o site Origo, ligado ao governo, no fim de novembro, alcançou uma outra dimensão.
Ele chamou o bilionário investidor americano George Soros, de origem judaico-húngara, de um “führer liberal” e a Europa, de “sua câmara de gás”. Nela, os poloneses e os húngaros seriam os “novos judeus”, com o gás mortal fluindo da “cápsula da sociedade liberal multicultural”. A indignação foi grande, tanto no país como no exterior. Demeter se desculpou sem muita convicção e retirou seu artigo. E não foi demitido.
São casos como esse que estão na origem das acusações de antissemitismo ao governo de Orbán. As reações de Budapeste a tais alegações são contundentes: os judeus vivem de forma incomparavelmente mais segura e livre na Hungria do que na Europa Ocidental, argumenta o governo húngaro. “Casos de ameaças e ataques abertos a judeus, como os que acontecem na Alemanha, são inconcebíveis na Hungria”, escreveu Orbán.
Condecoração para um antissemita
De fato: ao contrário de França ou Alemanha, por exemplo, quase não há casos de violência contra judeus e instituições judaicas na Hungria. De acordo com um estudo da Agência de Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA) de 2018, os judeus que vivem na Hungria se sentem mais seguros do que os de qualquer outro país da União Europeia (UE). No levantamento, apenas 13% disseram ter medo de se tornarem vítimas de violência física. Na França, para efeitos de comparação, 58% dos entrevistados tinham o mesmo receio; na Alemanha 47%.
Cartaz da campanha do governo do Fidesz contra a UE: “Você também tem o direito de saber o que Bruxelas está tramando”
“Este governo não é antissemita”, afirma András Kovács, professor de estudos judaicos na Universidade Central Europeia, em Budapeste. O governo húngaro faz, porém, uso de estereótipos antissemitas, como na campanha contra George Soros, que já dura anos.
O governo de Orbán tem também repetidamente cortejado personalidades abertamente antissemitas. Já homenageou, por exemplo, o historiador nacionalista de direita Ernő Raffay várias vezes, a última delas em agosto deste ano. Em 2015, Raffay comparou imigrantes de países predominantemente muçulmanos com os imigrantes judeus do século 19. Naquela época, eles “se multiplicaram” e “tomaram o lugar” dos húngaros em muitas áreas da sociedade. “Isso deveria servir de lição para nós [húngaros]”, disse Raffay.
O publicitário Zsolt Bayer também já deu declarações explicitamente antissemitas. Anos atrás, ele chamou o pianista húngaro András Schiff e o político verde Daniel Cohn-Bendit de “excrementos fétidos”. Apesar de mencionar apenas os dois, referia-se a todos os judeus. Escreveu ainda que, durante o chamado “Terror Branco” dos paramilitares húngaros de direita entre 1919 e 1920, “infelizmente” não foram mortos esquerdistas e judeus suficientes.
Bayer não é um qualquer, mas um fundador do partido governista, o Fidesz, e amigo próximo de Orbán. Multado por um artigo antissemita em 2013, ele foi condecorado três anos depois com a Cruz de Cavaleiro, uma das mais altas distinções da Hungria, “em reconhecimento por suas atividades jornalísticas”.
Mais de 30 personalidades condecoradas com a mesma ordem a devolveram em protesto, incluindo András Heisler, presidente da Associação das Congregações Judaicas na Hungria (Mazsihisz). “Pessoas como essas têm uma influência muito ruim em nossa sociedade”, disse Heisler à DW. “Gostaríamos que o governo se distanciasse delas.”
Críticas contidas de Israel
Mas isso é pouco provável. A tolerância para com os antissemitas tem que ver com a política de revisionismo histórico do governo de Orbán. Ele já tentou relativizar o papel da Hungria no Holocausto, seja com estátuas e monumentos, seja com museus. Autores antissemitas, como Albert Wass, condenado à morte como criminoso de guerra na Romênia, passaram a ser leitura recomendada nas escolas húngaras.
E são raras as críticas de Israel. Orbán e o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, têm fortes laços de amizade: ambos têm interesses políticos comuns, são críticos da União Europeia e declararam George Soros inimigo.
Orbán (e) e Netanyahu: interesses políticos em comum
Antissemitismo também na oposição
A oposição húngara, porém, também tem seus casos de antissemitismo. Em outubro, por exemplo, uma lista conjunta da oposição incluía László Bíró, do partido Jobbik, que já foi de direita e agora é moderado, para uma eleição suplementar no nordeste da Hungria. Há alguns anos, Bíró falou em “usura judaica” em sua página no Facebook e chamou a capital húngara de “Judapeste”. Bíró se desculpou várias vezes por essas declarações, mas o caso prejudicou a credibilidade da aliança da oposição.
O caso veio a calhar para a imprensa governista, que desde então o usa como argumento para encerrar o debate sempre que Orbán e Fidesz são acusados de antissemitismo. O próprio András Heisler foi alvo de ataques desse tipo ao criticar o governo, mas “se calar diante do antissemitismo na oposição”.
Heisler rejeita essa acusação. “O problema, não apenas na Hungria, mas em toda a Europa Centro-Oriental, é que políticos de todos os lados lançam mão do antissemitismo quando isso é politicamente útil para eles”, afirma. Por isso, ele faz um apelo a todos os partidos antes da campanha eleitoral de 2022: simplesmente parem de usar termos antissemitas.