Judiciário
12 casos de destaque que o STF não julgou neste ano
Corte termina o ano sem dar resposta a casos relevantes como royalties, lei de drogas e forma de depoimento de Bolsonaro
O Supremo Tribunal Federal (STF) finaliza o atípico ano de 2020 com centenas de processos julgados, tanto no plenário presencial — que a partir de abril passou a ser por videoconferência –, como no plenário virtual. Mas alguns casos de grande relevância, que aguardam julgamentos há meses ou há anos, não foram concluídos ou sequer iniciados.
Em abril, foi aberto um inquérito contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), para investigar a suposta tentativa de interferir politicamente na Polícia Federal. Mas a investigação está pendente pela falta de depoimento do presidente. Segundo Alexandre de Moraes, que assumiu a relatoria do inquérito depois da aposentadoria de Celso de Mello, mesmo diante da negativa de Bolsonaro em prestar depoimento, o STF deve decidir se um presidente pode depor por escrito, ou só presencialmente. Apesar de ter começado em outubro, o julgamento nunca foi concluído.
Também na esfera penal, também aguarda conclusão o julgamento do habeas corpus em que o ex-presidente Lula pede a suspeição do ex-juiz Sergio Moro, caso que pode anular as condenações do petista e deixar o caminho livre para uma eventual nova candidatura política.
Alguns casos econômicos aguardam resolução há anos, como os embargos de declaração no recurso sobre a exclusão do ICMS da base do PIS e da Cofins, um processo que envolve cifras bilionárias e preocupa a União e os contribuintes.
As ações que discutem a distribuição dos royalties do petróleo entre os estados também segue sem conclusão. Estados esperavam uma solução neste ano. Mais uma vez, o caso foi adiado. Outro processo sem solução é o que questiona a constitucionalidade da isenção fiscal a agrotóxicos.
Na esfera trabalhista, um caso de grande relevância foi iniciado e não concluído: as ações que tratam da validade de cláusula de acordo coletivo que restrinja ou limite direitos trabalhistas não previstos constitucionalmente.
Confira abaixo 12 casos importantes que ficaram para 2021, ou quem sabe, 2022:
1) Inquérito contra Bolsonaro
Em abril, o ministro Celso de Mello autorizou a abertura de inquérito para investigar se o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir politicamente na Polícia Federal. Em junho, a Polícia Federal informou ao STF sobre a necessidade de tomar depoimento de Bolsonaro. O ano termina, entretanto, sem que o Supremo tenha decidido sobre a forma como o presidente deve depor.
Em 11 de setembro, o ministro Celso de Mello negou pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) para que Bolsonaro pudesse responder ao interrogatório por escrito. O então decano ficou afastado por meses da Corte por questões de saúde, a Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu, e coube ao Marco Aurélio Mello analisar o recurso. Então, Marco Aurélio suspendeu a realização do depoimento até que o plenário defina a forma da oitiva.
No dia 8 de outubro, última sessão de Celso de Mello antes da aposentadoria, o tema começou a ser julgado no plenário. O ministro manteve seu entendimento no sentido de que o presidente da República, na condição de investigado, não pode depor por escrito – só o poderia se fosse testemunha. O julgamento foi suspenso e o processo nunca voltou à pauta. Após a saída de Celso de Mello, o inquérito foi redistribuído ao ministro Alexandre de Moraes.
A demora gerou um novo capítulo: em 26 de novembro, o presidente Jair Bolsonaro informou ao STF que vai exercer seu direito ao silêncio e não irá prestar depoimento.
O ministro Alexandre de Moraes, no dia 7 de dezembro, disse que o presidente não pode abrir mão do depoimento até que o plenário decida a forma como ele deve depor. Somente depois que for intimado, é que o chefe do Executivo pode tomar essa decisão. Moraes ainda pediu que o presidente Luiz Fux paute a questão o quanto antes – o que ocorrerá em 2021.
2) Suspeição de Moro nos casos de Lula
O STF começou a julgar, em dezembro de 2018, o habeas corpus (HC) 164.493, no qual o ex-presidente Lula requer a declaração de suspeição do ex-juiz Sergio Moro e a consequente anulação de todas as ações penais contra ele. Naquela ocasião, os ministros Edson Fachin (relator) e a ministra Cármen Lúcia votaram por negar o pedido. Gilmar Mendes pediu vista, e até hoje o julgamento não foi concluído. Havia a expectativa que o caso fosse retomado neste ano na 2ª Turma, mas isso não ocorreu.
Quando o caso chegou ao STF, Lula ainda estava preso. Desde 8 de novembro, Lula está em liberdade, após decisão do Supremo que fixou que a execução da pena só pode ser efetuada após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Lula havia sido preso após condenação em 2ª instância. O julgamento do processo depende de Gilmar Mendes que, além de vistor, também é o atual presidente da 2ª Turma.
3) Royalties
Em 2013, a então presidente Dilma Rousseff sancionou lei que mudou as regras de distribuição dos royalties do petróleo, desconcentrando os recursos nos estados produtores de petróleo e possibilitando que todas as unidades da federação tivessem uma fatia dos recursos. A mudança foi questionada no STF e a ministra Cármen Lúcia deferiu liminar para suspender essas mudanças. Sete anos depois, o plenário do Supremo ainda não julgou a questão.
O tema é discutido em cinco ações, que foram incluídas na pauta duas vezes pelo ex-presidente Dias Toffoli, em novembro de 2019 e abril de 2020. Foram retiradas, após pedidos dos estados, que informaram que tentariam chegar a um acordo.
Nada feito, o presidente Luiz Fux marcou o julgamento para dezembro de 2020. Em outubro, entretanto, o governador do Rio de Janeiro em exercício, Claudio Castro, pediu nova retirada de pauta para tentar novamente um acordo. Fux atendeu ao pedido. Até agora, não há notícia de entendimento. E nem previsão para que o STF julgue os processos.
4) Propriedade intelectual
Criou-se expectativa de que em 2020 o STF tratasse pela primeira vez do mérito de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) questionando dispositivos da Lei de Propriedade Industrial – LPI (Lei nº 9.279/1996) em face da Constituição Federal — o que acabou não acontecendo. Para a primeira semana à frente dos trabalhos da Corte, Luiz Fux pautou a ADI 4.234, sobre a Lei de Propriedade Industrial. Mas, pouco antes do início da sessão, o ministro alterou a previsão.
A ação foi apresentada pela PGR em 2009, contra a possibilidade de empresas farmacêuticas terem protegidos por patente brasileira produtos que não eram passíveis de tal proteção antes da lei. Esses dispositivos legais permitem que patentes adquiridas no exterior fossem automaticamente aplicadas no Brasil (sistema de revalidação ou pipeline). A duração máxima dessa patente seria de 20 anos.
Antes disso, outra ação, apresentada pelo então PGR Rodrigo Janot em 2016, chegou a ser pautada para o dia 22 de maio, mas foi retirada de pauta em virtude de pedidos de admissão de novos amici curiae. O dispositivo impugnado, art. 40, parágrafo único, estabelece prazo mínimo de 10 anos de vigência para patentes de invenção e de sete anos para patente modelo de utilidade, contados da data de concessão. Segundo a ADI, o texto possibilita a abertura de prazo indeterminado para a vigência de patentes, o que afrontaria o princípio da temporariedade da proteção patentária.
5) ICMS na base do PIS/COFINS
Em março de 2017, o STF decidiu que o ICMS não integra a base de cálculo do PIS e da Cofins. A União então opôs embargos de declaração, pedindo que o entendimento do Supremo só seja aplicado a partir do julgamento, evitando uma enxurrada de pedidos de ressarcimento. Estes embargos estão pendentes de julgamento até hoje.
O tema, discutido no RE 574.706, é um dos mais relevantes na área do Direito Tributário e envolve cifras bilionárias. De acordo com o Projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020, o impacto da decisão do Supremo poderia ser de R$ 229 bilhões em cinco anos.
O ex-presidente Dias Toffoli pautou o julgamento dos embargos em dezembro de 2019 e, posteriormente, em abril de 2020, mas o caso nunca foi julgado. O ministro Luiz Fux, ao assumir em setembro e divulgar a pauta de julgamentos até dezembro, deixou este processo de fora e não há previsão para julgamento.
6) Isenção fiscal a agrotóxicos
Agrotóxicos devem ter isenção de IPI e descontos de até 60% no ICMS? A questão ainda espera resposta do STF, que começou a julgar uma ação sobre o tema em outubro, mas que ainda está sem conclusão.
A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 5553 foi incluída na pauta de julgamento pelo então presidente Dias Toffoli, em fevereiro. Não chegou a ser chamada por falta de tempo. O presidente Luiz Fux, após tomar posse, incluiu o processo para apreciação em outubro. Também não foi chamado.
O ministro relator, Edson Fachin, resolveu pautá-la em plenário virtual, por entender que o processo precisava ser julgado com rapidez. O julgamento teve início em 30 de outubro, e o ministro votou por declarar inconstitucionais os benefícios fiscais aos agrotóxicos. Mas só o relator votou: no dia 3 de novembro, o ministro Gilmar Mendes pediu vista, e não há data prevista para continuação.
7) Acordado sobre legislado
Um dos julgamentos trabalhistas mais importantes do STF estava previsto para ser realizado em 2020, mas não foi: o processo que discute a validade de norma de acordo ou convenção coletiva que restrinja ou limite direitos trabalhistas não previstos constitucionalmente. O tema é discutido em um recurso extraordinário, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, o ARE 1.121.633. O caso foi pautado pela primeira vez em dezembro de 2019, na gestão Dias Toffoli, mas não chegou a ser julgado. Neste ano, foi marcado para maio e depois para outubro, mas, de novo, não foi chamado para julgamento na sessão plenária.
O relator, então, inseriu o caso para julgamento no plenário virtual, em sessão que se iniciou no dia 6 de novembro. O julgamento foi interrompido horas após iniciar: a ministra Rosa Weber pediu destaque, e o processo terá de ser julgado presencialmente.
O ministro Gilmar Mendes votou no sentido de que os acordos e convenções coletivas devem ser observados, ainda que afastem ou restrinjam direitos trabalhistas, independentemente de compensação destes direitos na negociação coletiva. Pelo voto do ministro, ficam resguardados apenas direitos previstos na Constituição.
8) Direito ao esquecimento
Em setembro, um tema constitucional que coloca, de um lado, a liberdade de expressão e informação e, de outro, direitos à honra, intimidade, privacidade e ressocialização também deixou de ser julgado. O STF julgaria a fixação, ou não, de um novo direito: o de ser esquecido. O caso estava pautado para 30 de setembro, mas acabou não sendo chamado para julgamento.
O conceito do direito ao esquecimento ganhou destaque a partir de um processo envolvendo o Google na Espanha e julgado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia em maio de 2014. O caso em discussão no Brasil, no entanto, trata de uma disputa sobre a transmissão de um programa da TV Globo a respeito de um crime ocorrido na década de 1950, e tem, segundo especialistas, contornos bem diferentes e mais extensos.
Como o recurso extraordinário (RE) 1.010.606 teve repercussão geral reconhecida, estudiosos, empresas e setores da sociedade civil que trabalham com liberdade de expressão têm o receio de que o debate possa ser ampliado para atuação na internet, de modo a limitá-la. De acordo com o Google, por exemplo, o Brasil é um dos países do mundo onde a empresa mais registra pedidos de remoção de conteúdo.
9) Revista íntima
O ministro Luiz Edson Fachin classificou, na sessão de 28 de outubro, a prática da revista íntima em visitantes de prisões como vexatória e inaceitável. Ele é o relator do caso que discute o tema. Naquela sessão houve tempo apenas para o voto dele e para as sustentações orais. No dia seguinte, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber acompanharam o relator, enquanto Alexandre de Moraes abriu a divergência, por admitir a revista íntima como procedimento de aquisição de provas em situações específicas. Dias Toffoli interrompeu o julgamento com pedido de vista.
O debate é travado no âmbito do ARE 959.620 e tem repercussão geral reconhecida. Não há data para a retomada do julgamento. Trata-se de uma pauta antiga de especialistas e organizações que atuam nos campos dos direitos humanos e do sistema carcerário. Um dos argumentos centrais é o de que quem visita o preso — geralmente mulheres — acaba por sofrer penalidades por extensão.
10) Cancelamento de empresas tabagistas devedoras do Fisco
O Supremo voltaria a discutir, em 17 de setembro, a possibilidade de cancelamento de registro de empresas tabagistas pelo não pagamento contumaz de tributos. Era um dos assuntos mais importantes dentre os pautados pelo novo presidente da Corte, Luiz Fux, até o fim do ano. Em setembro de 2018, o plenário do Supremo se debruçou sobre o tema. Oito ministros entenderam ser constitucional a cassação do registro, mas, na ocasião, eram três as linhas diferentes de fundamentação ou argumentação alinhadas a esta visão.
Diante da complexidade da discussão num processo que tramita na Corte há 13 anos e já acumula oito volumes, a ministra Cármen Lúcia, então presidente, adiou a proclamação do resultado. A expectativa era de que o voto de Cármen Lúcia fosse entendido como o médio e desse os contornos do resultado.
A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 3.952 chegou a voltar à pauta do plenário em 19 de outubro de 2019 e 12 de março de 2020, mas acabou não sendo apregoada. Diante dos seguidos adiamentos, a Corte passou a receber pedidos para que a proclamação fosse concluída logo.
A ação, proposta pelo Partido Trabalhista Cristão (PTC), contesta o “cancelamento sumário” pela Receita Federal do registro especial das empresas tabagistas quando houver inadimplência de tributos federais. O partido sustentava que a restrição ao exercício de atividade econômica ou profissional lícita constituiria sanção política vedada pela Constituição, na medida em que não se admite a existência de “instrumentos oblíquos” para coagir ou induzir o contribuinte ao pagamento de tributos .
Do outro lado, há entidades e empresas que militam contra os devedores contumazes — empresas que declaram possuir uma dívida tributária, mas de forma reiterada e premeditada não agem para quitá-la. . Para eles, a cassação é medida adequada para aqueles que estruturam um empreendimento com o fim de lesar o Fisco para lucrar. Na medida em que agem dessa forma, não há possibilidade de recuperação do imposto devido.
11) Descriminalização do porte de drogas
É crime portar drogas para uso pessoal? Qual a quantidade de drogas que diferencia uso pessoal de tráfico? As respostas para estas perguntas podem ser respondidas pelo STF, mas o caso que discute o tema, o Recurso Extraordinário (RE) 635.659, aguarda julgamento há cinco anos.
Em 2015, o plenário começou a julgar o recurso que discute se é constitucional o artigo 28 da Lei Antidrogas, dispositivo que define como crime adquirir, guardar ou portar drogas para si. Mas o julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Teori Zavascki. Em novembro de 2018, Alexandre de Moraes, ministro que sucedeu Teori, liberou o processo para julgamento.
O ex-presidente Dias Toffoli chegou a pautá-lo para 6 de novembro de 2019, mas dias antes retirou o caso de pauta sem dar justificativa e não voltou a definir nova data. Luiz Fux, ao assumir a presidência da Corte, deixou o caso de fora do radar.
Assim, segue indefinida a constitucionalidade da criminalização do porte de drogas para uso pessoal, um dos casos mais relevantes na seara penal que tramitam no STF.
Em 2015, os ministros Gilmar Mendes, Luiz Edson Fachin e Luís Roberto Barroso votaram pela inconstitucionalidade do artigo do Código Penal, em maior ou menor grau. Para Gilmar, relator, o artigo que criminaliza o porte de drogas para uso pessoal é inconstitucional. Para Fachin, a inconstitucionalidade é parcial: vale apenas para maconha. Já Barroso foi o único a especificar quais quantidades diferenciam o uso do tráfico, especificamente para maconha.
12) Juiz de garantias
No plantão judiciário do início do ano teve início a discussão sobre o juiz de garantias. Passados 12 meses, o caso segue em aberto. Em 15 de janeiro, o então presidente e responsável pelo plantão Dias Toffoli suspendeu a implementação da figura do juiz de garantias por 180 dias. Criada no bojo da Lei Anticrime, ela passaria a viger a partir de 23 de janeiro. Com a decisão, em caráter liminar, os tribunais ganhariam seis meses para se adaptarem e organizarem a estrutura para o novo modelo.
Ainda que o caso não fosse relatado por ele, Toffoli chegou a definir regras de transição. Ele vetou, também, outros itens da norma, estabelecendo que ela não vale para crimes contra a vida, violência doméstica, Justiça Eleitoral. Pela decisão, o instituto do juiz de garantias não seria aplicado sobre ações penais em andamento, para respeitar o fundamento que diz que quando houver nova regra processual deverá produzir efeitos apenas prospectivos. Para os inquéritos abertos, no entanto, o juiz da investigação se tornaria, naquele caso, o das garantias.
As ações foram distribuídas ao ministro Luiz Fux. Mas Toffoli, presidente do STF e de plantão, avaliou que era preciso dar uma decisão e fixar critérios antes que a lei passasse a ter validade. Em 19 de janeiro, Fux, então vice-presidente da Corte, assumiu o plantão. Já em 22 de janeiro, ele suspendeu a decisão do antecessor. Também individualmente, Fux suspendeu a criação do juiz de garantias, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pela Presidência da República, por tempo indeterminado.
Um dia antes de tomar posse como presidente, em 11 de setembro Fux liberou as ações para o plenário, sem definir pauta para julgamento. Antes disso, em junho, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apresentou estudo sobre a aplicação do instituto. Ou seja, ainda que a decisão de Toffoli tenha sido revogada, o grupo de trabalho criado por ele segue em atividade, mas sem saber se o estudo será útil, já que a constitucionalidade da figura do juiz de garantias segue pendente de julgamento. O caso é discutido nas ADIs 6.298 (Ajufe e AMB), 6.299 (Podemos e Cidadania), 6.300 (PSL) e 6.305 (Conamp).
Jota