Judiciário
ExCelso: Os bastidores de uma sessão secreta do Supremo
ExCelso: Os bastidores de uma sessão secreta do Supremo
Às vésperas do julgamento da ação penal aberta contra o deputado Francisco Pinto (MDB-BA), que criticou o ditador Augusto Pinochet – em visita ao Brasil – em discurso na Câmara dos Deputados, ministros do Supremo se reuniram a portas fechadas para acertar detalhes – e o resultado – do processo.
Na semana passada, o caso Chico Pinto foi o tema da coluna. Mais especificamente sobre a participação do ministro Leitão de Abreu, homem forte do governo Médici, no julgamento. A imprensa e órgãos de inteligência da ditadura arriscavam o placar exato, mas com erros. E escrevi que descreveria mais detalhadamente a participação de um dos ministros na solução média do caso.
Chico Pinto disse, da tribuna da Câmara que queria deixar registrado nos anais da Câmara “o nosso protesto e a nossa repulsa pela presença indesejável dos vários Pinochets que o Brasil infelizmente está hospedando”. Um inquérito foi aberto a pedido do então procurador-geral da República, Moreira Alves. A denúncia foi recebida e a ação penal definiria a pena imposta a Chico Pinto.
O relator do processo, ministro Xavier de Albuquerque, em entrevista mais de três décadas depois disse que o caso era muito simples, porque a prova era evidente. “Não tinha muito o que fazer”, ele diria do seu escritório, em Brasília. Mas ele dizia não se recordar detalhes da participação de cada um dos ministros. Parecia, na verdade, disposto a esquecer dos detalhes. “Faz muito tempo”, ele repetia.
Moreira Alves, no ano passado, lembrou alguns detalhes. Revelou o que faltava para fechar a história.
Eloy da Rocha era o presidente do tribunal. Naquela época, o presidente apenas votava para desempatar os julgamentos. Neste caso, não precisou se manifestar. Mas foi ele que convocou a reunião prévia para que os colegas discutissem uma saída para o caso. E veremos, mais adiante, que foi fundamental para o desfecho do processo.
Xavier de Albuquerque não se sentia confortável em condenar Chico Pinto pela Lei de Segurança Nacional, como pedia a Procuradoria-Geral da República. E dizia que seu voto estava em aberto. Os detalhes da sessão foram registrados pelo ministro Aliomar Baleeiro no seu diário. E condizem com sua atuação no STF e com detalhes revelados pela imprensa, pela inteligência do governo e pelos relatos esparsos de Moreira Alves e Xavier de Albuquerque.
O registro no diário, feito no dia 13 de outubro de 1974, dá detalhes da sessão do dia 10 e das conversas reservadas.
“Houve uma sessão secreta de Conselho, informal, na véspera, quando XA [Xavier de Albuquerque] declarou que estava amargurado e com voto ‘em aberto’. Prova completa sem argumento para afastar a condenação”, registrou Baleeiro. “Mas sentia repugnância em aplicar 2 a 6 anos por fato sem mais relevo”, acrescentou.
A pena de 2 a 6 anos seria aplicada se Chico Pinto fosse condenado pela Lei de Segurança Nacional. Xavier de Albuquerque achava um exagero, como disse décadas depois. Continuou Baleeiro nos seus registros”:
“TF [Thompson Flores], AN [Antonio Neder], RA [Rodrigues Alckmin] e LG [Luiz Gallotti] deixavam entrever que devia ser aplicada a L.Segur. com dois anos, resultando a inelegibilidade e perda mandato. BP [Bilac Pinto] e OT [Oswaldo Trigueiro] silenciosos”.
Baleeiro então descreve sua participação. “Disse-lhes que eu desclassificaria para CP [Código Penal] 139, aplicando 4 meses ao todo c/ sursis e retirei-me porque tinha serviço grande no meu gabinete”.
A saída proposta por Baleeiro seria afastar a aplicação da Lei de Segurança Nacional e punir Chico Pinto com base no Código Penal. O artigo 139 prevê pena de detenção de três meses a um ano para o crime de difamação. E Baleeiro ainda sugeriu a suspensão condicional da pena. Uma punição mais branda do que a aplicação da Lei de Segurança. Tão branda que não foi aceita pelos colegas.
Havia um cálculo que o Supremo fazia. Era preciso dar uma solução mais branda para o caso, dado que Chico Pinto era personagem colateral, sem grande importância para a política e para relações do Brasil com o Chile. Mas não podia ser tão leve que colocasse o tribunal em choque com a ditadura militar.
Nesta conta, conforme revelou o ministro Moreira Alves, Eloy da Rocha teve participação definitiva. A proposta de Baleeiro não era factível, na visão dos demais. A proposta salomônica, aceita ao final pela maioria, foi a aplicação de uma pena de 4 meses e meio pela difamação com acréscimo de um terço por terem sido as declarações feitas contra um chefe de Estado. E Chico Pinto teria de cumprir a pena. Não teria direito à suspensão condicional da pena.
Chico Pinto cumpriu a pena em prisão especial, numa sala do 1º Batalhão da Polícia Militar em Brasília.
*A coluna ExCelso é um espaço para lembrarmos e discutirmos a história do Supremo Tribunal Federal por meio de imagens, documentos, entrevistas, livros. A coluna é publicada semanalmente e traz em seu nome uma referência ao ex-ministro Celso de Mello, que atuou como a memória do tribunal durante seus anos como decano. Quem assistia às sessões se acostumou às suas referências que, não raro, iam até o Império e às Ordenações Filipinas, do século XVI.
**A coluna faz uma pausa em janeiro e retorna em fevereiro.
FELIPE RECONDO – Diretor de conteúdo em Brasília. Sócio-fundador, é responsável por todo o conteúdo produzido pelo JOTA. Autor de “Tanques e Togas – O STF e a Ditadura Militar” e de “Os Onze – O STF, seus bastidores e suas crises”, ambos pela Companhia das Letras. Antes de fundar o JOTA, trabalhou nos jornais O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo, no blog do jornalista Ricardo Noblat. Email: felipe.recondo@jota.info