Judiciário
Os 20 julgamentos mais importantes do STF em 2020
Processos relacionados à Covid-19, reeleição no Congresso e referendo do inquérito das fake news são alguns dos destaques
Um ano atípico para o mundo também foi atípico para o Supremo Tribunal Federal (STF). As sessões presenciais passaram a ser por videoconferência, o plenário virtual aumentou a quantidade julgamentos, e a Corte passou a ter atuação central na pandemia da Covid-19. Ações e omissões relacionadas à pandemia tiveram de ser avaliadas pelo STF ao longo de 2020.
Como foi muito demandado sobre o assunto, os julgamentos mais relevantes do STF em 2020 foram relacionados à Covid-19. O tribunal deu aval para estados e municípios agirem, proibiu campanhas pedindo o fim do distanciamento social, determinou ações para proteger indígenas, restringiu operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro, garantiu a divulgação diária dos dados epidemiológicos, revogou normas que limitavam o acesso à informação e validou acordos de redução salarial sem participação do sindicato.
Dois inquéritos também tiveram grande destaque neste ano. Um deles investiga o presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) por suposta tentativa de ter interferido politicamente na Polícia Federal. O segundo investiga ameaças e notícias falsas contra a Corte e seus ministros. A investigação chegou a aliados do governo e foi validada pelo plenário, por maioria acachapante.
Confira abaixo os 19 casos mais importantes julgados pelo STF em 2020:
1) Abertura de inquérito contra Jair Bolsonaro e abertura da reunião interministerial no Planalto
No início do segundo ano de mandato, e também nos primeiros momentos da crise da pandemia do coronavírus no país, o presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) passou a ser investigado no Supremo Tribunal Federal (STF). O inquérito 4.831 foi aberto depois que uma das figuras que o ajudou a se eleger, o ex-juiz da Lava Jato Sérgio Moro, deu declarações à imprensa de que Bolsonaro teria tentado interferir na Polícia Federal em nome de objetivos pessoais.
Os dias finais de abril tiveram, então, momentos que, além de preocupar o Palácio do Planalto, estremeceram as relações entre a Presidência e o Supremo. Para anunciar a saída do governo federal, Moro chamou uma coletiva de imprensa em 24 de abril. Na ocasião, ele afirmou que o presidente tentava ter alguém do “contato pessoal dele [na PF] para poder ligar e colher relatórios de inteligência” e que demonstrou preocupação com inquéritos que correm no STF.
Poucas horas depois da coletiva, o procurador-Geral da República, Augusto Aras, pediu a abertura do inquérito. Em 27 de abril, o então decano da Corte ministro Celso de Mello determinou a abertura da investigação da suposta ocorrência dos crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, e, por parte de Moro, denunciação caluniosa e crime contra a honra.
Menos de um mês mais tarde, Celso de Mello liberou o vídeo da reunião entre o presidente Jair Bolsonaro e seus ministros de 22 de abril. O encontro foi citado por Moro em depoimento à PF como momento central que explicita as interferências do presidente na instituição em benefício próprio e da família dele.
Em 5 de maio, o então decano determinou a oitiva de três nomes fortes do primeiro escalão do governo de Jair Bolsonaro: os ministros Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência) e Braga Netto (Casa Civil). Na mesma decisão, determinou que o Planalto entregasse a cópia do material.
Em 8 de maio, o governo entregou o vídeo ao relator, que decretou o sigilo temporário do material. A defesa de Moro pediu a divulgação integral do vídeo. A AGU preferia que Celso divulgasse apenas alguns trechos específicos. E Aras opinou que a liberação do arquivo seria dar “palanque eleitoral precoce das eleições de 2022”.
Em 22 de maio, finalmente a reunião foi divulgada. O inquérito segue em tramitação no STF, que ainda precisa decidir de que foram o presidente deve prestar depoimento.
2) Competência dos estados e municípios no combate à Covid-19
Em 15 de abril, o STF referendou uma liminar do ministro Marco Aurélio Mello e decidiu que estados e municípios têm competência para tomar medidas com o objetivo de conter a pandemia da Covid-19. O STF definiu, na ocasião, que estes entes da federação podem determinar quarentenas, isolamento, restrição de atividades, sem que a União possa interferir no assunto.
A decisão foi proferida na ADI 6.341, ajuizada pelo PDT, na qual o partido pedia a suspensão da Medida Provisória 926/2020, sobre procedimentos para aquisição de bens, serviços e insumos. O PDT pedia a declaração de inconstitucionalidade da MP 926, editada pelo presidente Jair Bolsonaro em 20 de março, por entender que a norma desrespeita o preceito constitucional da autonomia dos entes federativos e foi editada com a finalidade política de atingir os governadores.
3) Reeleição de presidentes do Senado e da Câmara
Em 6 de dezembro, o STF julgou inconstitucional a possibilidade de reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado. O resultado impede que Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP) tentem disputar a reeleição para os comandos da Câmara e do Senado, respectivamente.
O julgamento foi um dos mais relevantes na seara política neste ano, já que impacta diretamente na sucessão do comando do Congresso de 2021 a 2022. As Casas Legislativas esperavam aval para decidir a questão internamente, mas não obtiveram sucesso. Votaram contra a possibilidade de reeleição os ministros Marco Aurélio, as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia e os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Edson Fachin.
Ficaram vencidos os ministros Gilmar Mendes, que relatou o processo, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Nunes Marques e Alexandre de Moraes. A Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.524 foi movida pelo PTB contra possíveis interpretações dos regimentos internos da Câmara que permitissem a reeleição de Maia e Alcolumbre.
4) Restrição a operações policiais no Rio de Janeiro durante pandemia
Em duas ocasiões, o STF atuou para limitar as operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro durante a pandemia da Covid-19. Inicialmente, o ministro Edson Fachin concedeu uma liminar em 5 de junho, para proibir o estado, sob pena de responsabilização civil e criminal, de seguir com operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro enquanto durar a pandemia do coronavírus, “salvo em hipóteses absolutamente excepcionais, que devem ser devidamente justificadas por escrito pela autoridade competente, com a comunicação imediata ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro”.
Em 5 de agosto, no plenário virtual, o STF referendou a decisão. Já no dia 18 de agosto, o plenário do STF determinou, por 7 votos a 3, algumas mudanças nas operações policiais em favelas do Rio de Janeiro. A Corte fixou a restrição do uso de helicópteros em operações policiais, o respeito a certas regras para operações em localidades próximas a escolas, creches, hospitais ou postos de saúde e que os agentes de segurança preservem todos os vestígios de crimes cometidos em operações policiais. Também foi fixado que, sempre que houver suspeita de envolvimento de agentes dos órgãos de segurança pública na prática de infração penal, a investigação será atribuição do Ministério Público competente, e não da corregedoria da própria polícia.
O tema é discutido na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB).
5) Divulgação de dados da Covid-19 diariamente pelo Ministério da Saúde
Em 8 de junho, o ministro Alexandre de Moraes determinou que o Ministério da Saúde mantivesse, de forma integral, a divulgação diária dos dados epidemiológicos relativos à Covid-19 no site oficial, como fazia até o dia 4 de junho, inclusive com “os números acumulados de ocorrências”.
O governo havia decidido mudar o critério de divulgação de casos e mortes. Além disso, o site do Ministério da Saúde chegou a ficar fora do ar por um dia inteiro. A pasta também deixou de fazer coletivas de imprensa diárias para divulgar os dados, que começaram a sair cada dia mais tarde. Diante de um possível “apagão de dados”, o PSOL, PCdoB e Rede ajuizaram a ADPF 690 no STF.
O ministro Alexandre de Moraes acolheu o pedido dos partidos para determinar a divulgação como era realizada anteriormente. Na decisão, Moraes disse que a gravidade da emergência causada pela pandemia da Covid-19, “exige das autoridades brasileiras, em todos os níveis de governo, a efetivação concreta da proteção à saúde pública, com a adoção de todas as medidas possíveis para o apoio e manutenção das atividades do Sistema Único de Saúde”. Em sessão virtual realizada de 13 a 21 de novembro, o plenário referendou a liminar de Moraes, por unanimidade.
6) Responsabilidade de agentes públicos no combate à Covid-19
Durante as primeiras semanas da pandemia no Brasil, o governo federal publicou no Diário Oficial da União várias medidas provisórias relacionadas ao combate à disseminação da Covid-19. Muitas foram questionadas no STF, como foi o caso da MP 926 e também da MP 966. Esta última, publicada em 15 de maio, isentava agentes públicos de responsabilização por erros que viessem a cometer ao lidar com a crise sanitária e econômica em decorrência da pandemia.
De acordo com o texto da MP, os agentes públicos somente poderiam ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa “se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro” pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as ações de enfrentamento do coronavírus. Dias mais tarde, no entanto, o STF restringiu a abrangência do texto, definindo que a expressão “erro grosseiro” deve ser lida como não a não observância dos critérios científicos e adotados por organizações reconhecidas nacional e internacionalmente, especialmente a Organização Mundial de Saúde (OMS). O julgamento, que se deu em 21 de maio, incluiu, ainda, na tese a atenção aos princípios constitucionais da precaução e da prevenção, sob pena de os agentes públicos que ignorarem tais critérios se tornarem corresponsáveis por eventuais violações de direitos.
A MP 966 gerou reação da sociedade civil e de setores de oposição ao governo. Em poucos dias, seis ações foram apresentadas à Corte: ADI 6.421, ADI 6.422, ADI 6,424, ADI 6.425, ADI 6.427 e ADI 6.428 dos partidos Rede Sustentabilidade, Cidadania, PSL, PCdoB, PDT, e da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), que apontavam que a medida do governo federal seria, para além de um relaxamento da responsabilização, um salvo conduto à administração pública. Os termos usados, inclusive nas sustentações orais, apontam para uma anistia, uma blindagem a toda e qualquer atuação estatal no âmbito das medidas contra o coronavírus.
7) Plano de enfrentamento da Covid-19 entre indígenas
Em 8 de julho, o ministro Luís Roberto Barroso determinou que o governo federal adotasse uma série de medidas para conter o contágio e a mortalidade por Covid-19 entre a população indígena. Em 5 de agosto, o plenário do STF referendou a decisão.
Entre as medidas estão: elaboração de um planejamento com a participação das comunidades, ações para contenção de invasores em reservas e criação de barreiras sanitárias no caso de indígenas em isolamento (aqueles que por escolha própria decidiram não ter contato com a sociedade) ou de contato recente (aqueles que têm baixa compreensão do idioma e costumes), acesso de todos os indígenas ao Subsistema Indígena de Saúde e elaboração de plano para enfrentamento e monitoramento da Covid-19.
A decisão foi proferida na ADPF 709, ajuizada pela pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e seis partidos políticos (PSB, PSOL, PCdoB, Rede, PT, PDT), em que se apontou omissão do governo federal no combate à Covid-19 entre os indígenas. Na decisão, Barroso disse que “tem-se verificado grande resistência no governo quanto à concretização dos direitos dos povos indígenas”, citou falas do presidente Jair Bolsonaro contra políticas a indígenas e chamou a atenção para a gravidade de desmatamento e garimpo ilegal em terras indígenas.
8) Relatório do governo sobre opositores ”antifascistas”
Por 9 votos a 1, o plenário do STF suspendeu todo e qualquer ato do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) que autorize ou produza relatórios sobre a vida pessoal e escolhas políticas de cidadãos que estejam dentro da lei. Em julho, a imprensa revelou a existência de um documento sigiloso sobre 579 servidores que se intitulavam antifascistas e que se opunham ao governo do presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido). Em 20 de agosto, os dossiês produzidos pela pasta foram proibidos.
O julgamento foi marcado por duras manifestações dos ministros contra o governo, destacando que usar o sistema de inteligência para mapear opositores e posições políticas de cidadãos configura desvio de finalidade. Ministros disseram que a prática de listar inimigos do regime é prática de governos autoritários, e que isso é vedado pela Constituição. Outros ainda destacaram a má qualidade do relatório, que se baseou em postagens em redes sociais.
A existência do documento, produzido pela Secretaria de Operações Integradas (Siopi), do Ministério da Justiça, não foi negada pelo governo. O ministro André Mendonça, entretanto, disse que não tinha ciência dele, e afirmou que só soube do dossiê pela matéria jornalística. Segundo o ministro, a elaboração se deu por “atuação proativa da própria diretoria”.
Foi com base na reportagem do UOL que a Rede Sustentabilidade ajuizou no STF a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 722, relatada pela ministra Cármen Lúcia. O dossiê foi produzido em junho e trazia informações sobre servidores federais e estaduais, principalmente policiais, mas também sobre professores universitários. Mendonça assumiu a pasta em abril, após a saída de Moro. Ele trocou 9 dos 14 nomes em cargos de chefia na Seopi, incluindo a diretoria e a coordenação da área de Inteligência.
9) Divisão de recursos eleitorais a candidatos negros
Por meio da análise de uma consulta eleitoral feita pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), com suporte da Associação Educafro (Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou, em 25 de agosto, que a distribuição de recursos do fundo eleitoral e do tempo gratuito de rádio e TV fosse proporcional ao total de candidatos negros que o partido tiver.
Aí estão incluídos os recursos públicos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e o tempo de rádio e TV para propaganda eleitoral gratuita.
A consulta tratava das cotas de gênero, mas o TSE deu uma resposta mais ampla, no sentido de que vale tanto para mulheres quanto para homens o requisito. A alteração, pelo entendimento firmado pelo TSE, teria validade a partir das eleições gerais de 2022, para que houvesse tempo hábil para que a Corte eleitoral regulamentasse o tema por meio de uma resolução.
O caso, no entanto, foi levado ao STF, com pedido de aplicação imediata. Líderes e presidentes partidários se preocuparam com a proximidade do pleito e tempo mais curto de campanha pela alteração de datas em decorrência da pandemia. Se no TSE os ministros do Supremo que compõem a Corte foram os vencidos para que a mudança tivesse validade já para 2020, no STF eles formaram maioria. Em 2 de outubro, o plenário aplicou a reserva de recursos financeiros e de tempo de propaganda em rádio e TV já para as eleições municipais.
10) Privatização das subsidiárias da Petrobras sem autorização do Congresso
Em 1 de outubro, o plenário do STF negou pedido do Congresso Nacional para suspender a criação e alienação de subsidiárias da Petrobras, em um dos julgamentos econômicos mais importantes do ano para o governo. Por 6 votos a 4, o plenário entendeu que não havia indícios de que a Petrobras estaria atuando com desvio de finalidade na transformação de refinarias em subsidiárias.
O Congresso alegava que a estatal estaria transformando as refinarias em “subsidiárias artificiais”, e deste modo estaria “fatiando” a empresa-mãe e a privatizando sem passar pelo Congresso Nacional. A maioria do plenário, entretanto, entendeu deu aval para o plano de privatização de subsidiárias da estatal.
11) Inquérito das fake news é mantido pelo plenário
A investigação sobre ameaças e fake news contra o Supremo foi referendada pelo plenário da Corte em 18 de junho. O inquérito 4.781 foi instaurado pelo então presidente do STF Dias Toffoli em março de 2019. Mas, em maio deste ano, chegou ao chamado gabinete do ódio, do clã Bolsonaro, quando o relator, ministro Alexandre de Moraes, determinou operação de busca e apreensão em endereços de blogueiros, empresários e parlamentares ligados a Bolsonaro.
Com votos longos e enfáticos na defesa do tribunal, no sentido de diferenciar a liberdade de expressão de ataques e ameaças, 10 dos 11 ministros votaram por negar a ação que questionava a portaria que instaurou o inquérito. Assim, o tribunal endossou a medida e as investigações tiveram o aval para prosseguir — sem questionamentos formais relevantes quanto à legitimidade e legalidade. O inquérito pode continuar a ser fonte de desgaste entre Judiciário e Executivo.
O julgamento durou quatro sessões plenárias. Apenas o ministro Marco Aurélio divergiu do entendimento majoritário. Para ele, “o inquérito foi instaurado logo pela vítima”, o que fere o sistema penal acusatório instituído pela Constituição. A maioria, no entanto, defendeu a necessidade de se preservar a integridade das instituições e de o STF agir diante da inércia dos órgãos usuais de apuração.
12) STF homologa acordo entre União e estados sobre Lei Kandir
Em 20 de maio, o STF homologou o acordo entre União e estados sobre a compensação por perdas de ICMS geradas pela Lei Kandir, acabando com um conflito federativo que já durava mais de 20 anos. Segundo os termos firmados, a União deverá repassar aos estados um valor total de R$ 65,6 bilhões. Desse montante, R$ 58 bilhões devem ser transferidos entre 2020 e 2037. Em troca, os estados se comprometeram a retirar as ações judiciais contra a União sobre o tema.
Ficou acordado que a União deveria apresentar ao Congresso Nacional, em até 60 dias, um projeto de lei complementar com os termos do acordo – o que foi feito – e, a partir daí, a discussão passou ao Congresso. Em 14 de dezembro, a Câmara aprovou o PLP 133/2020; e texto foi para a sanção.
A Lei Kandir está em vigor desde 1996 e isenta do pagamento de ICMS as exportações de produtos e serviços, com a devida compensação feita pelo governo federal a estados e municípios.
O Congresso deveria regulamentar uma fórmula para essa compensação – mas isso nunca foi feito. Por isso, o estado do Pará ajuizou uma ação no STF alegando a omissão da Casa Legislativa, e após reuniões no STF mediadas por Gilmar Mendes, os entes chegaram a um acordo.
13) Compartilhamento de dados de clientes de operadoras telefônicas pelo IBGE
No mesmo dia em que o presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) e um grupo de empresários cruzaram a Praça dos Três Poderes a pé, numa atitude heterodoxa, para falar sobre a retomada da atividade econômica com o presidente do Supremo, o governo sofreu uma derrota na Corte, que suspendeu, na íntegra, a eficácia da MP 954/2020.
O julgamento de 7 de maio desobrigou as empresas de telefonia, fixa e móvel, de enviar dados pessoais dos clientes ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Para os ministros, a MP não fornecia mecanismo técnico ou administrativo para proteger os dados pessoais de acessos não autorizados, vazamentos acidentais ou utilização indevida. Logo, não era proporcional nem razoável.
O colegiado referendou a liminar dada anteriormente, em 24 de abril, pela relatora do caso, ministra Rosa Weber. Como aconteceu com outras MPs, várias ADIs foram apresentadas à Corte contra o texto. A MP permitia que o IBGE tivesse acesso aos nomes, números de telefone e endereços dos clientes de empresas de telefonia. A justificativa era possibilitar que o órgão fizesse a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), que mede o desemprego no país, durante a situação de emergência de saúde pública.
14) Redução de salário e jornada de trabalhadores sem participação de sindicatos
Uma importante vitória do governo na Corte também foi em uma MP. O STF negou, em 17 de abril, liminar para suspender a possibilidade dos acordos individuais para redução de jornada e de salário e a suspensão temporária de contratos de trabalho. As mudanças estavam previstas na Medida Provisória 936/2020. Com 7 votos contrários, os ministros não referendaram a liminar do relator do caso, ministro Ricardo Lewandowski, que determinava que as empresas comunicassem os sindicatos no prazo de até 10 dias para que estes deflagrassem uma negociação coletiva se assim o entendessem necessário.
Os ministros entenderam que o texto da MP não viola direitos dos trabalhadores e não fere o princípio da proporcionalidade. Isso porque se trata de uma medida emergencial e provisória e que pretendia justamente evitar que houvesse demissões em massa, e manter as empresas sustentáveis.
A MP 936/2020 instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e foi transformada em norma em 6 de julho. A Lei 14.020 foi sancionada com vetos, proibindo-se a prorrogação até 2021 da desoneração da folha de pagamento de empresas de 17 setores da economia. Em outubro, Bolsonaro assinou decreto que estende até o fim de dezembro as medidas possibilitadas pela MP 936. Dessa forma, o programa vai totalizar oito meses de vigência.
15) Suspensão da LRF e da LDO durante pandemia
Logo no início da pandemia da Covid-19, o governo acionou o STF pedindo autorização para descumprir, temporariamente, regras da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), para que não tivesse necessidade de apontar uma fonte de recursos extras para compensar gastos não previstos na LDO com medidas de combate ao coronavírus. Em março, o ministro Alexandre de Moraes atendeu ao pedido do governo, suspendendo obrigações da LRF também para estados e municípios.
Em 13 de maio, o plenário referendou a decisão por unanimidade, mas declarou extinta a ação apresentada pela Advocacia-Geral da União (AGU), diante da aprovação do Orçamento da Guerra. Para os ministros, a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 6357 perdeu o objeto, já que a Emenda Constitucional 106, promulgada em 7 de maio, já abrangeria os pedidos da União à Corte.
Ainda assim, os ministros avaliaram que, em nome da segurança jurídica, devia-se assentar o referendo da liminar do relator do caso para que ficasse claro que a flexibilização tem validade para todos os entes da federação.
16) Concurso público e restrições religiosas
Dentre as últimas sessões do ano, um dos destaques é o julgamento que definiu que o Estado deve oferecer, sempre que possível, alternativas de datas para pessoas que não possam prestar concursos públicos ou atividades de serviço público em determinados dias por motivos religiosos. O julgamento levou três sessões plenárias e motivou debates entre os ministros quanto à solução firmada.
O colegiado concluiu que, em respeito à liberdade religiosa, a administração pública deve buscar alternativas para aqueles que professam fé que imponha particularidades, quando for razoável. Ou seja, os ministros se preocuparam em assentar que não é em todo e qualquer caso que a administração pública deverá se adequar às idiossincrasias religiosas.
O caso foi discutido em dois processos: em um deles um homem adventista passou na prova objetiva para o cargo de técnico judiciário no Acre, mas a prova de aptidão física foi marcada para um sábado. Como a religião adventista não permite que os fiéis trabalhem ou se esforcem do pôr-do-sol de sexta-feira ao de sábado, o candidato, então, acionou a Justiça. No outro, uma professora adventista se insurgiu contra a reprovação no estágio probatório por ela ter se recusado a ministrar aulas às sextas-feiras após o pôr-do-sol, faltando 90 vezes injustificadamente em razão de suas convicções religiosas.
17) Poder público não é obrigado a fornecer remédios de alto custo
Em 11 de março, o plenário do STF julgou um dos casos mais importantes sobre saúde que tramitam na Corte, e definiu que o Estado, via de regra, não é obrigado a fornecer medicamentos de alto custo não disponíveis na listagem do Sistema Único de Saúde (SUS). Mas, para os ministros, há casos excepcionais em que o fornecimento é devido. Os casos excepcionais ainda serão estabelecidos por meio da tese do julgamento, que ainda não foi fixada.
Na ocasião, entretanto, os ministros já manifestaram pontos de entendimento convergente sobre os critérios excepcionais, como quando paciente nem família têm condições financeiras e não há tratamento equivalente pelo SUS. Havia mais de 42 mil processos no país aguardando este julgamento do STF.
18) Lei de Acesso à Informação durante a pandemia da Covid-19
O presidente Jair Bolsonaro editou, em 23 de março, a Medida Provisória (MP) 928/2020, na qual suspendeu os prazos para resposta da Lei de Acesso à Informação (LAI) durante a pandemia da Covid-19. Rapidamente, a norma foi questionada no STF, por meio das três ações diretas de inconstitucionalidade, que foram distribuídas ao ministro Alexandre de Moraes. Em 26 de março, o ministro suspendeu a MP.
Para Moraes, a medida “transforma a regra constitucional de publicidade e transparência em exceção, invertendo a finalidade da proteção constitucional ao livre acesso de informações a toda sociedade”. O ministro destacou que “a publicidade e transparência são absolutamente necessárias para fiscalização dos órgãos governamentais. O acesso à informação é verdadeira garantia instrumental do pleno exercício democrático”.
Em 30 de abril, em mais uma derrota para o governo Jair Bolsonaro, o plenário confirmou a liminar, deixando claro que a pandemia não é motivo para desobedecer preceitos constitucionais, como a transparência da administração pública.
19) Inviabilidade de reconhecimento de duas relações estáveis concomitantes
Não é possível reconhecer que uma pessoa tenha duas uniões estáveis concomitantes para dividir a pensão por morte entre os companheiros. Esta foi uma das últimas decisões do STF tomadas no ano. A conclusão ocorreu em 14 de dezembro no plenário virtual. No caso concreto, depois da morte de um homem, uma mulher acionou a Justiça pleiteando o reconhecimento de uma união estável e da consequente pensão e, mais tarde, um homem fez o mesmo pedido. Tanto ministros que ficaram vencidos quanto os vencedores enfatizaram que o debate não se deu em torno do fato de uma das relações ser homoafetiva.
Na sessão que deu início ao julgamento, em 2019, o relator, ministro Alexandre de Moraes, enfatizou que o Supremo não poderia reconhecer a bigamia. Ele foi acompanhado por Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Mas outros cinco ministros votaram pelo reconhecimento de duas relações concomitantes desde que provado que não houve má-fé dos envolvidos. Neste caso, deveria ser concedida proteção jurídica para os efeitos previdenciários decorrentes. Na ocasião, Dias Toffoli pediu vista e o caso foi devolvido ao plenário em sessão virtual. Tanto Toffoli como os autores dos dois votos restantes, Luiz Fux e Nunes Marques, acompanharam o relator.
20) Poder público pode determinar vacinação compulsória
Em 17 de dezembro, o plenário do STF decidiu que tanto a União, quanto os estados e municípios podem determinar a vacinação compulsória. Os ministros destacaram que a vacinação não pode ser forçada, mas o poder público pode adotar medidas restritivas para incentivar a imunização.
Foi definida a seguinte tese: “A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e (i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, (ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, (iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas, (iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade e (v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente”.
Ainda segundo a tese adotada pelo Supremo, “tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência”.
Em relação à vacinação contra a Covid-19, foi decidido que as vacinas devem ter registro em órgão de vigilância sanitária, mas não necessariamente na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A depender do caso, excepcionalmente, os entes podem importar materiais, medicamentos, equipamentos ou vacinas registrados em agências de vigilância sanitária dos Estados Unidos, Japão, Europa ou China.