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Judiciário

A conversão de ofício da prisão em flagrante em preventiva na Justiça Militar da União

O presente artigo analisa a aplicabilidade ou não da modificação da conversão de ofício da prisão em flagrante em preventiva na Justiça Militar da União após as modificações introduzidas pelo pacote anticrime apenas no Código de Processo Penal comum

DISTINÇÕES ENTRE A PRISÃO EM FLAGRANTE E A PRISÃO PREVENTIVA

A prisão em flagrante delito é uma modalidade de prisão com assento constitucional (artigo 5°, inciso LXI, da Constituição Federal (CF/88)) e processual penal militar (artigos 243 a 253 do Código de Processo Penal Militar (CPPM)) relacionada a contenção do crime pelas autoridades públicas e pelos cidadãos comuns (obrigatoriamente para aqueles e facultativamente para estes), no qual o agente ‘acaba de cometê-lo’, ‘logo após’ ou ‘logo depois’.

Nesse sentido é Nestor Távora, quando menciona o instituto também presente no Código de Processo Penal (CPP):

“Flagrante é o delito que ainda “queima”, ou seja, é aquele que está sendo cometido ou acabou de sê-lo. A prisão em flagrante é a que resulta no momento e no local do crime. É uma medida restritiva de liberdade, de natureza cautelar e caráter eminentemente administrativo, que não exige ordem escrita do juiz, porque o fato ocorre de inopino (art. 5º, inciso LXI da CF). Permite-se que se faça cessar imediatamente a infração com a prisão do transgressor, em razão da aparente convicção quanto à materialidade e a autoria permitida pelo domínio visual dos fatos.”

As modalidades de prisão estão previstas no artigo 244 do CPPM, que nos dizeres de Célio Lobão nada mais são que “breve lapso de tempo que, aliado a outras circunstâncias de tempo e local, conduzem à certeza de que determinada pessoa é autora do delito”:

Art. 244. Considera-se em flagrante delito aquele que:

a) está cometendo o crime;

b) acaba de cometê-lo;

c) é perseguido logo após o fato delituoso em situação que faça acreditar ser ele o seu autor;

d) é encontrado, logo depois, com instrumentos, objetos, material ou papéis que façam presumir a sua participação no fato delituoso.

Pela redação dos dispositivos, suas espécies são: flagrante próprio (alíneas “a” e “b”); flagrante impróprio ou quase flagrante (alínea “c”) e flagrante presumido ou ficto (alínea “d”).

Dessa forma, se percebe então que a prisão em flagrante é lastreada numa certeza, ainda que superficial, da autoria e materialidade delitiva, devendo ser realizada naquele primeiro momento com a função de autodefesa da sociedade, sintetizando o pensamento de Renato Brasileiro ao discorrer sobre as várias funções da prisão em flagrante no CPP: 

“a) evitar a fuga do infrator; b) auxiliar na colheita de elementos informativos: persecuções penais deflagradas a partir de um auto de prisão em flagrante costumam ter mais êxito na colheita de elementos de informação, auxiliando o dominus litis na comprovação do fato delituoso em juízo; c) impedir a consumação do delito, no caso em que a infração está sendo praticada (CPP, art.302, inciso I), ou de seu exaurimento, nas demais situações (CPP, art. 302, incisos II, III e IV); d) preservar a integridade física do preso, diante da comoção que alguns crimes provocam na população, evitando-se, assim, possível linchamento”

A prisão preventiva a seu turno representa um passo mais sólido e uma análise mais profunda do contexto fático probatório da prisão do acusado e do próprio processo penal em si, sendo conceituada também como uma prisão de natureza cautelar, só que mais ampla, no sentido de ser uma ferramenta de encarceramento durante toda a persecução penal (inquérito e processo penal militar), visando resguardar o resultado útil da atividade estatal desenvolvida no processo penal.  

Dessa forma a prisão preventiva é informada por dois pressupostos fundamentais quais sejam, o fumus commissi delicti e o periculum libertatis. https://68266d2ba153ef2e7ef44b45faefa1e9.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html

No Código de Processo Penal Militar estes dois pressupostos estão presentes nos artigos 254 e 255, respectivamente, quais sejam:

“Art. 254. A prisão preventiva pode ser decretada pelo auditor ou pelo Conselho de Justiça, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade encarregada do inquérito policial-militar, em qualquer fase deste ou do processo, concorrendo os requisitos seguintes:

a) prova do fato delituoso;

b) indícios suficientes de autoria.

Art. 255. A prisão preventiva, além dos requisitos do artigo anterior, deverá fundar-se em um dos seguintes casos:

a) garantia da ordem pública;

b) conveniência da instrução criminal;

c) periculosidade do indiciado ou acusado;

d) segurança da aplicação da lei penal militar;

e) exigência da manutenção das normas ou princípios de hierarquia e disciplina militares, quando ficarem ameaçados ou atingidos com a liberdade do indiciado ou acusado. ”

O primeiro é subdividido quanto à prova de existência do crime e ao indício suficiente de autoria delitiva. No que toca à existência do crime não deve se contentar com mera tipicidade, deve dar um passo além, sem antecipar culpa, na busca de elementos fáticos que, naquele caso concreto, realmente demonstrem a existência de um crime e não apontem nenhuma excludente de ilicitude. Fazendo-se obviamente a ressalva de que essa prova não precisa ser cabal, sob pena de inviabilizar inúmeras prisões.

No que a autoria delitiva, não se exige uma certeza absoluta quanto o agente autor do crime, mas sim indícios veementes da autoria delitiva.

Nesse sentido, bem resume estes pressupostos, Norberto Avena comentando o Código de Processo Penal comum, no seguinte trecho:

“A decretação da prisão preventiva exige, necessariamente, a presença de dois pressupostos fundamentais, os quais, conjugados, compõem o fumus boni iuris (fumus commissi delicti) sobre o qual deve assentar-se a medida. Consistem nos seguintes: 1. Indício suficiente de autoria: é aquele que, muito embora situado no campo da probabilidade, baseia-se em fatores concretos indicativos de que o indivíduo, efetivamente, possa ter praticado a infração penal sob apuração. Não se demanda, enfim, neste juízo provisório, prova plena de autoria, já que este é grau de certeza exigido por ocasião do mérito da ação penal, quando se visa à condenação do acusado. Apesar de o art. 312 do CPP fazer referência a indício suficiente de autoria, é evidente que a preventiva não se destina, unicamente, a quem praticou atos de execução do crime, alcançando todos os indivíduos sujeitos a responsabilização penal pela sua prática, na forma do art. 29 do Estatuto Repressivo. Portanto, teria sido melhor que o legislador houvesse preterido a redação atual do art. 312, determinada pela Lei 12.403/2011, em prol da exigência de indício suficiente de autoria ou de participação, pois é isto que, na prática, efetivamente se requer para a decretação da custódia. 2. Prova da existência do crime: trata-se da documentação que demonstra, nos autos, a efetiva ocorrência da infração penal. A propósito, tenha-se em mente que existência do crime e sua materialidade não são expressões que possam ser usadas de forma indistinta, vale dizer, como sinônimas. Com efeito, todo crime está sujeito a ter sua existência atestada nos autos. Porém, apenas se deve falar em materialidade quando se trata de infrações que deixam vestígios. Uma tentativa branca de homicídio, por exemplo, não possui materialidade a ser comprovada, pois não deixa vestígios. Neste caso, o que deverá ser demonstrado para fins de custódia cautelar é a efetiva existência do delito e não a sua materialidade. Neste bordo, tecnicamente inadequada a utilização do termo materialidade pelo legislador no art. 413, ao tratar da decisão de pronúncia. Teria sido preferível valer-se da expressão existência, que é mais ampla e abrange os delitos com e sem materialidade”  

periculum libertatis ou perigo gerado pelo estado da liberdade ocorre quando a liberdade do sujeito representar, em si, um potencial ou concreto perigo para a sociedade, objetivamente constatável, por elementos concretos (que devem ser trazidos como parte da fundamentação na decisão), tudo dentro de uma ideia de atualidade ou contemporaneidade.

Ele é subdividido em cinco requisitos que se podem fazer presentes de maneira cumulativa ou não.

Sendo o primeiro requisito relativo à garantia da ordem pública, que nada mais é que um conceito aberto, impreciso, mas ao mesmo tempo maleável, no qual a jurisprudência possui importante papel delimitador como se pode ver no voto do Ministro Gilmar Mendes:

“Com relação ao tema da garantia da ordem pública, faço menção à manifestação já conhecida desta Segunda Turma em meu voto proferido no HC n o 88.537/BA e recentemente sistematizado nos HC’s 89.090/GO e 89.525/GO acerca da conformação jurisprudencial do requisito dessa garantia. Nesses julgados, pude asseverar que o referido requisito legal envolve, em linhas gerais e sem qualquer pretensão de exaurir todas as possibilidades normativas de sua aplicação judicial, as seguintes circunstâncias principais: i) a necessidade de resguardar a integridade física ou psíquica do paciente ou de terceiros; ii) o objetivo de impedir a reiteração das práticas criminosas, desde que lastreado em elementos concretos expostos fundamentadamente no decreto de custódia cautelar; e iii) associada aos dois elementos anteriores, para assegurar a credibilidade das instituições públicas, em especial do poder judiciário, no sentido da adoção tempestiva de medidas adequadas, eficazes e fundamentadas quanto à visibilidade e transparência da implementação de políticas públicas de persecução criminal (Informativo STF no 495 (transcrições) – Prisão preventiva e direitos fundamentais, HC 91386/BA)”  

O segundo requisito, conveniência da instrução criminal, é relativo ao fato de que a liberdade do acusado (indiciado) possa comprometer a colheita das provas ou a realização de diligências durante a instrução inquisitiva ou processual penal.

O terceiro requisito, periculosidade do acusado ou indiciado, ligado de uma maneira quase que unívoca com o primeiro requisito, pois afeta diretamente a ordem pública como fator de risco, devendo ser avaliado num contexto que abrange não só o caso concreto, mas também as suas condições pessoais e de vida pregressa do agente.

As circunstâncias da prática do crime e a personalidade do agente (se possível aferir por algum elemento concreto) são fatores que poderão traduzir esse parâmetro. 

O quarto requisito, segurança da aplicação da lei penal militar, é bem resumido por Cícero Robson Coimbra, quando o comenta o referido inciso 

“A aplicação da lei penal militar estará ameaçada nos casos em que o acusado fuja, desapareça; portanto, diante de indícios de que isso possa ocorrer, para assegurar a aplicação da lei penal militar será cabível a decretação da prisão preventiva. Necessário, todavia, verificar a possibilidade futura de aplicação de pena privativa de liberdade, pois, caso isso não seja representado idealmente, será incongruente a aplicação da prisão preventiva. ”

O quinto requisito, exigência da manutenção das normas ou princípios de hierarquia e disciplina militares, ocorre, nas palavras de Célio Lobão, “quando ficarem ameaçados ou atingidos com a liberdade do indiciado ou acusado, o acusado (indiciado) evidencia um comportamento acintoso, desafiador, desrespeitoso, em relação a seus superiores e subordinados, desde que relacionado ao fato delituoso em apuração”.

A POSSIBILIDADE OU NÃO CONVERSÃO DE OFÍCIO DA PRISÃO FLAGRANTE EM PREVENTIVA.

Passados estes por menores, a questão que se apresenta é a possibilidade ou não da conversão de ofício da prisão em flagrante em preventiva por parte do magistrado no Processo Penal Militar, seguindo a esteira das reformas do Pacote Anticrime (Lei n. 13.964/19) que proibiram tal conversão de ofício, mas que não foram estendidas ao Códex Processual Militar.https://68266d2ba153ef2e7ef44b45faefa1e9.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html

Uma primeira vertente alegará que houve silêncio eloquente por parte do legislador, pois o Pacote Anticrime apenas acrescentou o artigo 16A ao CPPM, não fazendo qualquer menção a proibição da conversão de ofício da prisão em flagrante em preventiva.

Nesse sentido é Rogério Sanches quando comenta a não aplicação do acordo de não persecução penal na Justiça Militar:

“A Res. 181/17 do CNMP vedava o ANPP nos crimes militares que afetassem a hierarquia e disciplina. Nos demais, autorizava.

A Lei 13.964/19 não trata do assunto. Silencia. O que interpretar do seu silêncio? Consigo antever a divergência.

Uma primeira corrente dirá que o silêncio permite concluir que o ANPP, agora, está autorizado para qualquer crime militar.

Outros, não sem razão, dirão que o silêncio indica que o legislador julgou o ANPP incompatível com os crimes militares, próprios ou impróprios.

É que a Lei 13.964/19 fez algumas alterações no CPPM, buscando, ao que tudo indica, espelhar seus dispositivos com os do CPP comum, e nele, CPPM, não tratou do ANPP. Silêncio eloquente, portanto. ”   

Ora, é razoável pensar assim, pois se estaria combinando leis, incorrendo-se desta maneira numa Lex Tertia algo vedado pela jurisprudência, quando do caso clássico aplicação proibida pelo STF do crime continuado do Código Penal ao invés do Código Penal Militar na dosimetria da pena:

EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME MILITAR DE CONCUSSÃO (ARTS. 305 E 53 DO CPM). EXIGÊNCIA DE DINHEIRO PARA NÃO-LAVRATURA DE AUTOS DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. PENA-BASE. MAJORAÇÃO. PRETENDIDA APLICAÇÃO AOS CRIMES MILITARES DA REGRA DA CONTINUIDADE DELITIVA, PREVISTA NO ART. 71 DO CÓDIGO PENAL COMUM. IMPOSSIBILIDADE. Revela-se devidamente fundamentada a sentença que, para majorar em dois meses a pena-base do acusado, se louva na especial gravidade do crime e no seu modo de execução, tudo conforme o art. 69 do Código Penal Militar. Não se aplica aos crimes militares a regra de continuidade delitiva a que se reporta o art. 71 do Código Penal Comum. Isso porque, nos termos do art. 12 do CP, a inexistência de regramento específico em sentido contrário é premissa da aplicação subsidiária do Código Penal às legislações especiais. No caso, tal premissa não se faz presente. Bem ou mal, o Código Penal Militar cuidou de disciplinar os crimes continuados de forma distinta e mais severa do que o Código Penal Comum. Não se pode mesclar o regime penal comum e o castrense, de modo a selecionar o que cada um tem de mais favorável ao acusado. Tal proceder geraria um “hibridismo” incompatível com o princípio da especialidade das leis. Sem contar que a disciplina mais rigorosa do Código Penal Castrense se funda em razões de política legislativa que se voltam para o combate com maior rigor daquelas infrações definidas como militares. Precedentes. Ordem denegada. (HC 86854, Relator(a): CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 14/03/2006, DJ 02-03-2007 PP-00038 EMENT VOL-02266-03 PP-00558)

Uma vertente mais progressista, leva em conta que o CPPM deve ser lido pelo viés da Constituição Federal de 1988, onde a liberdade é regra e a prisão é a exceção e, mais especificamente, na imparcialidade do Órgão Julgador, que ao analisar de ofício conversação ou decretação da prisão preventiva macula o seu senso de imparcialidade e inércia, o qual é base no sistema acusatório brasileiro.

Ora, a decretação de uma prisão preventiva é forte mergulho no contexto fático probatório do processo, algo apenas superado pela própria sentença judicial, não cabe ao Órgão Julgador iniciar a sua análise de própria vontade, mas sim a pedido do Ministério Público Militar, numa necessária e obrigatória separação de funções no processo penal, como bem lembra Cícero Robson Coimbra, ao discorrer sobre o processo penal militar constitucional: https://68266d2ba153ef2e7ef44b45faefa1e9.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html

“A Constituição de 1988, nesse histórico, inaugurou fase de extrema relevância para o Ministério Público, nunca antes experimentada, fruto inevitável da exaltação do sistema acusatório no processo penal constitucional brasileiro (comum e militar). Por esse sistema, o órgão responsável por dar o provimento judicial não pode confundir-se com aquele que acusa, embora, em rigor, ambos pertençam ao Estado, que, buscando o equilíbrio necessário no Estado Democrático de Direito, teve o poder, por força do constitucionalismo pós-revolucionário, fracionado em funções. Surge, então, na Constituição Cidadã, o Ministério Público como detentor de função essencial à Justiça, atuando no processo penal (comum e militar) como dominus litis e, eventualmente, como custos legis”.

Trazer tal alteração do Pacote Anticrime ao CPPM não macula a índole do processo penal militar, prevista no artigo 3º, alínea “a” do CPPM, pois permite que a prisão do agente seja analisada com isenção por um Órgão com a imparcialidade preservada situação que interfere no referido conceito trazido por Jorge Cesar de Assis no trecho abaixo: 

“Deve ser considerado que a chamada índole do processo penal militar está diretamente ligada àqueles valores, prerrogativas, deveres e obrigações, que sendo inerente aos membros das Forças Armadas, devem ser observados no decorrer do processo, enquanto o acusado mantiver o posto ou graduação correspondente.

Fazem parte da índole do processo penal militar as prerrogativas dos militares, constituídas pelas honras, dignidades e distinções devidas aos graus militares e cargos (Estatuto dos Militares, art. 73), e que se retratam já na definição do juízo natural do acusado militar (Conselho Especial ou Permanente); na obrigação do acusado militar prestar os sinais de respeito aos membros do Conselho de Justiça; a conservação, pelo militar da reserva ou reformado, das prerrogativas do posto ou graduação, quando pratica ou contra ele é praticado crime militar (CPM, art. 13); a presidência do Conselho pelo oficial general ou oficial superior (LOJMU, art. 16, letras a e b)[5]; a prestação do compromisso legal pelos juízes militares (CPPM, art. 400) etc.

No entanto, razoável supor que não ofendem a índole do processo penal militar o fato das partes poderem pedir esclarecimentos ao réu quando do interrogatório; nem mesmo a inversão da ordem para a oitiva do réu; nem a utilização do sistema de videoconferência; até mesmo a utilização de embargos de declaração das decisões de primeiro grau (embarguinhos).

Portanto, tem-se que a índole do processo penal militar é preservada quando valores inerentes às instituições militares, bem como as prerrogativas, direitos e deveres dos militares são observados ao se aplicar a legislação processual penal comum. ”  

Ocorre aqui o que se cunhou chamar de diálogo das fontes entre a Carta Magna e o CPPM, fato reforçado pelo artigo 10 da Resolução 228 do STM, que regulando a audiência de custódia no âmbito da Justiça Militar da União, que apenas menciona em dar-se a palavra ao MPM e depois à defesa, sem mencionar que a autoridade judicial poderá ou deverá decretar a prisão preventiva de ofício, durante a referida audiência: 

Art.  10.  Ao  término  da  oitiva  da  pessoa  presa,  o  Juiz  dará  a  palavra  ao  Ministério Público Militar, quando presente, e à Defesa, para manifestação sobre a prisão, proferindo decisão quanto à manutenção ou não da restrição de liberdade.

§ 1º Se  houver  a  conversão  da  prisão  em  flagrante  em  prisão  preventiva,  a  autoridade policial será imediatamente comunicada.

§ 2º Havendo relaxamento de prisão ou concessão de liberdade provisória, será expedido o alvará de soltura e encaminhado à autoridade policial responsável pelo imediato cumprimento. 

§ 3º A  medida  judicial  determinada  pelo  Juiz  que  presidir  a  audiência  de  custódia, durante o plantão judiciário, não implicará a sua prevenção para atuar no feito. 

Nesse caso, o artigo 254 do CPPM seria parcialmente não recepcionado pela CF/88 na expressão “de ofício”, num claro exemplo de interpretação conforme a Constituição com redução de texto, como no caso artigo 235 do Código Penal Militar julgado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da ADPF nº 291, relatoria do Ministro Roberto Barroso:https://68266d2ba153ef2e7ef44b45faefa1e9.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ART. 235 DO CÓDIGO PENAL MILITAR, QUE PREVÊ O CRIME DE “PEDERASTIA OU OUTRO ATO DE LIBIDINAGEM”. NÃO RECEPÇÃO PARCIAL PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. 1. No entendimento majoritário do Plenário do Supremo Tribunal Federal, a criminalização de atos libidinosos praticados por militares em ambientes sujeitos à administração militar justifica-se, em tese, para a proteção da hierarquia e da disciplina castrenses (art. 142 da Constituição). No entanto, não foram recepcionadas pela Constituição de 1988 as expressões “pederastia ou outro” e “homossexual ou não”, contidas, respectivamente, no nomen iuris e no caput do art. 235 do Código Penal Militar, mantido o restante do dispositivo. 2. Não se pode permitir que a lei faça uso de expressões pejorativas e discriminatórias, ante o reconhecimento do direito à liberdade de orientação sexual como liberdade existencial do indivíduo. Manifestação inadmissível de intolerância que atinge grupos tradicionalmente marginalizados. 3. Pedido julgado parcialmente procedente. (ADPF 291, Relator (a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 28/10/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-094 DIVULG 10-05-2016 PUBLIC 11-05-2016) 

Percebe-se que o tema é relativamente novo e ainda não há julgados no E. Superior Tribunal Militar nesse aspecto, mas é possível apontar que os julgados dos habeas corpus números 193.053 e 188.888 proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, respectivamente, representarão, uma importante baliza interpretativa num futuro próximo, seja no sentido do silêncio eloquente, seja pela recepção parcial do artigo 254, caput, do Código de Processo Penal Militar:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. SÚMULA 691/STF. FLAGRANTE ILEGALIDADE. SUPERAÇÃO. PRISÃO PREVENTIVA. VIGÊNCIA DA LEI 13.964/2019. CONVERSÃO EX OFFICIO DA PRISÃO EM FLAGRANTE EM PREVENTIVA. ILEGALIDADE. NECESSIDADE DE PRÉVIO REQUERIMENTO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO.

1. Nos termos da Súmula 691 do STF, é incabível habeas corpus contra decisão que indefere pedido liminar, salvo em casos de flagrante ilegalidade ou teratologia da decisão impugnada. No caso, observam-se circunstâncias excepcionais que autorizam a mitigação do referido enunciado sumular. 2. A Lei n. 13.964/2019 promoveu diversas alterações processuais, deixando clara a intenção do legislador de retirar do Magistrado qualquer possibilidade de decretação ex ofício da prisão preventiva. 3. O anterior posicionamento desta Corte, no sentido de que “não há nulidade na hipótese em que o magistrado, de ofício, sem prévia provocação da autoridade policial ou do órgão ministerial, converte a prisão em flagrante em preventiva”, merece nova ponderação em razão das modificações trazidas pela referida Lei n 13.964/2019, já que parece evidente a intenção legislativa de buscar a efetivação do sistema penal acusatório. 4. Assim, a partir das inovações trazidas pelo Pacote Anticrime, tornou-se inadmissível a conversão, de ofício, da prisão em flagrante em preventiva. Portanto, a prisão preventiva somente poderá ser decretada mediante requerimento do Ministério Público, do assistente ou querelante, ou da autoridade policial (art. 311 do CPP), o que não ocorreu na hipótese dos presentes autos. 5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício para declarar a nulidade da conversão da prisão em flagrante em preventiva, sem prévio requerimento. (HC 590.039/GO, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 20/10/2020, DJe 29/10/2020)

Decisão: A Turma, por votação unânime, não conheceu da impetração, mas concedeu, de ofício, ordem de habeas corpus, para invalidar, por ilegal, a conversão “ex ofício” da prisão em flagrante do ora paciente em prisão preventiva, confirmando, em consequência, o provimento cautelar anteriormente deferido, nos termos do voto do Relator. Presidência do Ministro Gilmar Mendes. (STF. 2ª Turma. HC 188888/MG, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 06/10/2020.)

CONCLUSÃO

Por todo o exposto, percebe-se que os primados da hierarquia e disciplina (bases da índole do processo penal militar) não se mostram atingidos pela não conversão de ofício da prisão preventiva em prisão flagrante, considerando que se deve ter em mente um processo penal constitucional que permita resguardar direitos e garantias fundamentais para os réus nas Justiças comum e militar, dentre eles inércia e imparcialidade do órgão julgador.


REFERÊNCIAS

AVENA, Norberto. Processo Penal, 9ª edição, Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017https://68266d2ba153ef2e7ef44b45faefa1e9.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html

COIMBRA, Cicero Robson, Manual de Direito Processual Penal Militar – Volume Único, 4ª Edição, Salvador: JusPodivm, 2020

LIMA, Renato Brasileiro de Manual de processo penal: volume único / Renato Brasileiro de Lima – 8. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2020

LOBÃO, Célio. Direito processual penal militar. São Paulo: Método, 2009;

TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual penal, 11ª ed., Salvador: JusPodivm, 2016;

fonte: JUS

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