Internacional
Pandemia coloca democracia sob pressão na Europa
A crise da covid-19 afeta a todos, mas em graus muito diversos. Crescem as fissuras entre os países e dentro das sociedades. O estresse social da pandemia pressiona as democracias, incluindo até a ameaça de violência
Um estudo publicado pela Fundação Bertelsmann mostra como os países industrializados estão mal equipados para enfrentar a crise da covid-19. Antes mesmo da pandemia, muitos dos 41 Estados-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) já apresentavam queda de crescimento, houve retrocessos em relação à sustentabilidade, o risco de pobreza aumentou e reduziu-se a capacidade para reformas.
A consequência é que as democracias se encontram sob pressão. Como se para provar isso, nos últimos dias arruaceiros violentos devastaram os centros de diversas cidades da Holanda, depois de populistas de direita terem incitado ao ódio.
A base da análise anual da Bertelsmann são Sustainable Governance Indicators (SGI), definidos a partir da sustentabilidade dos resultados políticos, a robustez dos padrões democráticos e a qualidade da governança.
Segundo Thorsten Hellmann, um dos autores do estudo, muitos países industrializados não fizeram o suficiente para reduzir o endividamento, transformar da economia em direção a mais sustentabilidade ou criar sistemas de seguridade social efetivos.
Além disso, as diferenças entre as nações tendem a crescer: “É de se temer que a pandemia do coronavírus vá expor mais uma fez essas diferenças, impiedosamente, e, acima de tudo, agravá-las ainda mais.”
Seu grande receio é que, se a covid-19 acarretar mais pobreza e mais discrepâncias de renda, a crise de saúde possa se transformar numa crise social. “Via de regra, isso é um solo fértil para populistas. Há perigo de que os padrões democráticos sejam ainda mais esvaziados”, alerta o economista, apelando para que as forças democráticas nacionais se mantenham coesas.
Confiança em declínio
Um olhar no setor de ensino confirma que a pandemia está aumentando a desigualdade também na Alemanha: não é toda residência que dispõe de conexão de internet e equipamento adequado para as aulas à distâncias ditadas pelo confinamento. Isso sem falar dos diferentes graus de possibilidade dos pais para assistirem as crianças nas aulas digitais.
Uma equipe de pesquisa da Universidade de Constança examina os efeitos sociais e políticos da covid-19 sobre a população alemã, tendo entrevistado mais de 15 mil cidadãos em duas consultas no primeiro e terceiro trimestre de 2020.
O cientista político Marius Busemeyer, que orienta o projeto de larga escala, ficou especialmente surpreso com as respostas sobre o grau de confiança dos participantes nas informações do governo federal a respeito da pandemia: “Só 50% são da opinião de que o governo os informa realmente de acordo com a verdade. Esse número me fez engasgar: quer dizer que a metade dos cidadãos tem algum tipo de dúvida.”
A surpresa é tanto maior pelo fato de as enquetes indicarem que na Alemanha a confiança na política, em geral, é relativamente alta. Apesar da crise do coronavírus, pelo menos até o mês de novembro adentro a equipe de Busemeyer não registrou uma perda de confiança maciça.
Quanto ao movimento Querdenken, que se opõe às medidas antipandemia sob o pretexto de proteger os direitos constitucionais, o cientista político diz tratar-se de uma minoria entre 10% e 15% que se isolou: “Aqui temos uma fissura, que não atravessa a sociedade, mas sim entre essa minoria que se radicaliza e o resto da sociedade.”
Realidades paralelas na sociedade alemã
Durante a manifestação do grupo em Constança, em 4 de outubro de 2020, os pesquisadores aproveitaram a oportunidade para entrevistar os participantes diretamente. Como seria de esperar, a confiança é artigo raro entre eles: três de cada quatro consideram possível que grupos de cientistas estejam enganando intencionalmente o público.
A mesma proporção rechaça a afirmação de que a democracia funciona bem. A desconfiança é especialmente alta em relação à imprensa tradicional: nove de cada dez consultados se informa através de buscas própria na internet, mais da metade em grupos no Whatsapp e Telegram.
Busemeyer vê o perigo de “que se criem opiniões públicas paralelas”, tornando extremamente difícil alcançar esses indivíduos. E não descarta a possibilidade de que, também na Alemanha, protestos contra as medidas para conter a pandemia desemboquem em violência, como ocorrido na Holanda.
Como antídotos, o cientista político recomenda mais educação política e ajudas concretas para os grupos atingidos com especial dureza pela pandemia. “No entanto não há uma solução fácil. Trata-se de um projeto de longo prazo, em que é preciso apertar muitos parafusos.”