Internacional
Análise: Navalny e os russos, uma relação complicada
Com convocações ao protesto, demonstrações de coragem e até um vídeo escandaloso sobre Putin, o líder oposicionista vem tentando mobilizar a população contra os abusos de poder. Mas muitos ignoram o apelo. Por quê?
Antecipando a manifestação deste domingo (31/01), que reuniu milhares de manifestantes em 40 cidades da Rússia e, segundo observadores, resultou em mais de 5 mil detenções, uma questão vinha ocupando os apoiadores de Alexei Navalny nos últimos dias: quão grande será a participação nos próximos protestos contra ao governo?
Em 23 de janeiro de 2021, dezenas de milhares haviam tomado as ruas do país, exigindo a libertação imediata do líder oposicionista. Mas parecia difícil superar esses números, desde que as manifestações foram declaradas ilegais e os participantes estão sujeitos a pena de prisão, caso detidos.
No protesto do último fim de semana, houve quase 4 mil detenções. E há a pandemia de covid-19 em curso, também cuidando para manter os russos em casa. Por outro lado, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, minimizou o porte dos protestos, declarando a um repórter de TV que “não eram muitos manifestantes, maioria está com Putin”.
Desde de 17 de janeiro – quando retornou da Alemanha, onde recebeu tratamento médico após ter sido envenenado em seu país com o agente nervoso da época soviética Novichok – o crítico do Kremlin de 44 anos vem movimentando grande parte da sociedade russa.
“Depois do envenenamento de Navalny, entendi que não fazia mais sentido simplesmente ficar à toa”, comentou à DW Adam, de 26 anos, nos protestos de 23 de janeiro. Pavel, de 30 anos, contou que a arbitrariedade do sistema legal o foi o que o levou às ruas: “Eu não me importo realmente com Navalny. Mas me importo certamente com o modo como ele tem sido tratado pelas autoridades russas, pela polícia. É inaceitável.”
Vídeo do escândalo
Tão logo desembarcou no Aeroporto Sheremetyevo, em Moscou, Navalny foi imediatamente colocado sob custódia policial e em seguida sentenciado a 30 dias de cárcere. Agora ele espera uma decisão judicial a ser divulgada em 2 de fevereiro.
No entanto, as autoridades contam mantê-lo mais tempo atrás das grades, após invalidar a suspensão de uma sentença por fraude datando de 2014, com base na alegação de que ele teria infringido os termos da liberdade condicional.
O ativista já estava na prisão quando sua Fundação Anticorrupção (FBK, na sigla russa) divulgou um vídeo documentando o extravagante palácio no litoral do Mar Negro de 1,3 bilhão de dólares, supostamente pago e construído por oligarcas para o presidente Vladimir Putin. O chefe do Kremlin negou pessoalmente as imputações.
Postado no Youtube, o vídeo foi assistido mais de 100 milhões de vezes, um número recorde para a plataforma na Rússia. Navalny espera que essa revelação ajude a aquecer os protestos, mas não é garantido que mais cliques levaram mais cidadãos às ruas. A questão crucial é se imprensa negativa para o Kremlin se traduzirá em maior apoio para a figura da oposição.
Barrado da participação política
Mas quanto apoio Alexei Navalny tem realmente? Para responder, é preciso voltar pelo menos uma década no tempo: no inverno de 2011/12, dezenas de milhares protestavam contra o retorno do então primeiro-ministro Vladimir Putin ao Kremlin, em eleições que consideravam longe de ser livres e justas.
Quem liderava as passeatas era Alexei Navalny, um blogueiro emergente que documentava a corrupção na Rússia. Foi aí que começou sua ascensão como protagonista da oposição política no país.
De início, outros oposicionistas se incomodavam com seu tom nacionalista e populista de direita. Porém, hoje ele não fala mais em termos xenofóbicos. Navalny mostrou que entende tratar-se de um jogo longo, de resiliência e paciência, e tem mudado a própria retórica a fim de se manter relevante ao longo dos anos.
Seu maior e único sucesso como político foi em 2013, quando concorreu à prefeitura de Moscou, terminando em segundo lugar, com quase um terço dos votos. Contudo, desde então, o caminho legal para a participação política está bloqueado para Navalny: seu partido não está registrado junto às autoridades eleitorais, e ele próprio está barrado de cargos públicos devido a uma condenação por fraude.
Essa sentença o impediu de concorrer à presidência russa em 2018. O ativista afirma que tudo foi orquestrado pelo Kremlin. Ainda assim, aproveitou o foco midiático para formar uma rede de contatos, e esse esforço está rendendo frutos: agora, centenas, mesmo milhares de adeptos estão indo às ruas por toda a Rússia para exigir a libertação dele – um acontecimento raro.
Inércia da população mais idosa
Especialista em consultas de massa como Lev Gudkov, no entanto, estão céticos se Navalny será realmente capaz de desencadear uma movimento de protesto de grande escala.
“As atitudes em relação a ele são complicadas, e dependem da idade da pessoa e de onde ela obtém suas informações”, explica o diretor da ONG Centro Analítico Levada, especializada em sondagens. “Os jovens nas redes sociais reagiram muito mais fortemente às notícias de uma tentativa de assassinato contra ele.”
Enquanto cerca de 40% dos jovens russos acreditam que Navalny tenha sido vítima de um atentado, essa porcentagem é de apenas 5% entre os mais velhos, sobretudo nas áreas rurais, onde a principal fonte de notícias é a televisão estatal.
Para alguns, o episódio não passou de uma provocação orquestrada por agências de inteligência ocidentais. Segundo Gudkov, isso é prova de que está funcionando a “propaganda do Kremlin”, segundo a qual Navalny seria um criminoso.
Nesse contexto, não é de espantar que numa sondagem do Centro Levada, de novembro de 2020 – três meses após a tentativa de assassinato –, apenas 2% dos consultados declararam que votariam em Navalny para a presidência. Essa cifra vem se mantendo estável há anos.
Heroísmo e um legado da era soviética
Em seus vídeos investigativos, muitas vezes entremeados de gírias irônicas, Navalny parece se dirigir diretamente à juventude da Rússia. Mas Gudkov ressalva que, embora colegiais gostem de compartilhar os vídeos no TikTok, eles não são o público alvo das mensagens.
“Os adolescentes assistem aos vídeos dele, mas ficam passivos. Quem reage são os que têm um pouco experiência de vida, gente entre 25 e 40 anos de idade.” Segundo o sociólogo, os russos de classe média, sobretudo nas metrópoles, veem uma conexão direta entre as políticas de Putin a estagnação econômica do país.
O especialista austríaco em assuntos russos Gerhard Mangott, da Universidade de Innsbruck, concorda: “Nem todo mundo que foi às ruas em 23 de janeiro o fez por Navalny, e nem todos iriam, por exemplo, votar nele numa eleição presidencial. Muitos estavam lá porque estão frustrados com a recessão, falta de recuperação econômica, queda de salários, a corrupção política e a corrupção cotidiana enfrentam nas próprias vidas.
Para o futuro, Lev Gudkov não espera protestos de massa. Primeiro, por crer que a situação econômica na Rússia está relativamente boa, nem de longe comparável com a da vizinha Belarus, por exemplo, onde as manifestações contra o presidente Alexander Lukashenko já se estendem por meses.
Além disso, o sociólogo não vê entre o povo a disposição ao sacrifício que o ativista demonstrou ao retornar à Rússia apesar da ameaça de prisão. “A admiração por Navalny vai crescer. As pessoas talvez pensem: ‘Ele é uma pessoa especial, um guerreiro, mas nós não. Nós o admiramos, mas não vamos imitá-lo.'”