Internacional
Portugal tenta evitar colapso do sistema de saúde
País viu número de infecções e mortes por covid-19 dispararem desde a virada do ano. Solidariedade cidadã e apoio internacional ajudam a amenizar a crise
Em 2020, poderia-se descrever Portugal como um paciente com sintomas moderados de covid-19. Mas isso mudou desde a virada do ano.
A taxa de incidência de sete dias explodiu: são quase 850 novas infecções por 100 mil habitantes. Somente em janeiro ocorreram mais de 40% de todas as infecções conhecidas e 44% de todas as mortes registradas no país desde o início da pandemia.
A situação é “muito tensa”, diz Reinhard Naumann, que dirige o escritório de Lisboa da alemã Fundação Friedrich Ebert. “Toda a população está muito nervosa diante deste desenvolvimento dramático das últimas duas, três semanas”, comenta.
O governo cita novas cepas do coronavírus, como a B.1.1.7, que surgiu pela primeira vez no Reino Unido, como razões para a explosão de óbitos, mas também a flexibilização das restrições antes do Natal.
No início de janeiro, foi decretado um lockdown rígido: escolas, lojas e restaurantes tiveram que fechar, e o governo impôs amplas restrições de circulação. A saída de portugueses para o exterior, além disso, foi restringida, como forma de evitar que a mutação do coronavírus se espalhe.
Fila de ambulâncias
Em várias cidades, ambulâncias às vezes têm que esperar horas antes de poderem desembarcar os pacientes nos superlotados hospitais. Com cerca de 850 pacientes gravemente doentes com covid-19 em todo o país, as unidades de terapia intensiva estão quase em plena capacidade. Cerca de 6.700 pacientes graves estão sendo tratados em enfermarias normais.
Alguns pacientes de terapia intensiva foram transferidos para a Áustria. A Alemanha prometeu enviar militares e equipamentos, como respiradores, para Portugal.
Tendas de triagem foram montadas fora de alguns hospitais: nelas, os médicos decidem quais pacientes recém-chegados devem ser tratados primeiro, com base nos níveis de oxigênio e na temperatura corporal. Ginásios de universidades estão sendo adaptados para receber doentes.
Enquanto os pacientes de covid são atendidos em instalações públicas, as clínicas privadas têm outras tarefas, como explica Naumann. “O setor privado é importante precisamente para cuidar dos pacientes sem covid, que agora estão fora do sistema de saúde pública”, diz.
Escassez de pessoal
A falta de pessoal está sendo provavelmente o maior problema: o governo português informou na sexta-feira que 70% do pessoal médico foi infectado com o vírus. Atendendo a um pedido do governo português, as Forças Armadas alemãs enviarão nesta quarta-feira uma equipe de socorro de 26 membros com oito médicos para Portugal, por três semanas. A bordo do avião de transporte A400M, 50 ventiladores, 150 dispositivos de infusão e 150 leitos hospitalares também devem chegar a Lisboa.
“O Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem sofrido muito devido a muita austeridade nos últimos anos, especialmente durante o período da crise do euro, e ainda assim se manteve”, diz Naumann. “Mesmo nesta situação exacerbada, minha impressão é de que o ministério tem administrado muito bem.”
Naumann é muito positivo sobre os esforços do SNS, citando um provérbio português: o sistema de saúde “faz muitas omeletes com poucos ovos”. “Minha impressão é que eles estão trabalhando desde o início da pandemia para preparar e fornecer a capacidade necessária”, comenta.
A partir desta semana, pessoas com mais de 80 anos estão sendo vacinadas. Entretanto, a imprensa portuguesa chama isso de um “começo simbólico”, pois a campanha de vacinação de Portugal também está sendo dificultada pela escassez global de vacinas. Até o final de março, o governo está visando a imunização total de 800 mil dos 10 milhões de habitantes do país. Outro meio milhão de portugueses devem receber pelo menos a primeira dose até lá.
País se mantém unido
Para médicos e enfermeiros, a luta contra a pandemia é tarefa homérica – por isso eles também recebem muito apoio da sociedade civil. Um exemplo é o Projeto Cama Solidária, de Ricardo Paiágua, que lhes proporciona salas de descanso onde podem se recuperar de longos e extenuantes turnos diretamente em frente aos hospitais. Cerca de 50 trailers e 200 voluntários estão à disposição.
“O trabalho aqui é muito emocional”, diz Paiágua à DW. “Na semana passada, uma médica bateu à minha porta e só queria dizer ‘obrigada’. Ela disse que, com frequência, se sentia desamparada. Acho que, além de um lugar para dormir, às vezes o pessoal médico só precisa de apoio moral.”
Reinhard Naumann, da Fundação Friedrich Ebert, também percebe uma grande coesão na sociedade. Ele diz que houve críticas e sinais de cansaço entre os portugueses, mas que, em geral, as pessoas em Portugal estão se unindo. “Tenho a impressão de que, sob esta pressão e com estes números terríveis das últimas semanas, a coesão cresceu.”