Internacional
Clubhouse, o novo alvo da censura chinesa
Aplicativo de bate-papo por áudio deu a chineses breve oportunidade de se conectar com o resto do mundo e discutir questões controversas relacionadas à política e à sociedade do país
Nos últimos dias, milhares de chineses aderiram ao Clubhouse, aplicativo de bate-papo por áudio que por enquanto é acessível somente para convidados. Eles abriram diferentes salas para discutir tópicos que normalmente lhes causariam problemas numa rede social chinesa.
Na nova plataforma, aconteceram debates entre usuários chineses e de outras partes do mundo sobre temas como Hong Kong, Taiwan ou os chamados “campos de reeducação” na província chinesa de Xinjiang.
Para ativistas e observadores fora da China, o Clubhouse ofereceu uma rara oportunidade de dialogar com pessoas de dentro do país. O chamado “Grande Firewall” estabelecido pelo governo chinês frequentemente impede que tais discussões ocorram.
“Acho que muitas dessas salas alcançaram o efeito de reconciliação, com pessoas da China e de outras comunidades compartilhando pontos de vista e opiniões de maneira genuína e racional”, considera Badiucao, um artista sino-australiano. “Acho que o formato dessas discussões é excelente.”
No entanto, tais trocas genuínas duraram pouco, pois na noite de segunda-feira (08/02), usuários na China começaram a compartilhar print screens (capturas de tela) de mensagens de erro que recebiam quando tentavam fazer login no aplicativo. Pouco depois, começaram a surgir no Clubhouse salas de bate-papo falando sobre a proibição – graças a alguns usuários na China que acessaram a plataforma novamente por meio de VPN, uma ferramenta à qual muitos recorrem para acessar sites estrangeiros ou redes sociais proibidas na China.
“Embora a maioria de nós soubesse que a proibição era iminente, eu ainda fiquei triste, pois um dos poucos canais para interagirmos com pessoas de outras partes do mundo de maneira genuína foi fechado abruptamente”, disse um usuário chinês em uma das salas virtuais.
Alguns especialistas veem a proibição como uma tentativa do governo chinês de impedir que a própria população se conecte com cidadãos globais do outro lado do Grande Firewall.
“Isso é o que o Partido Comunista da China (PCC) está censurando: nossa capacidade de resolver conflitos por meio do diálogo e da conversa”, escreveu Lokman Tsui, professor assistente da Escola de Jornalismo e Comunicação da Universidade Chinesa de Hong Kong.
“Temos uma coalizão”
Apesar da proibição, muitos ainda estão comemorando o que consideram um momento positivo e “maravilhoso” no Clubhouse.
“Muitos usuários do Clubhouse são pessoas com as quais eu normalmente não consigo interagir em outras plataformas de mídia social, e ver tantas pessoas da China dispostas a expressar suas opiniões é muito encorajador”, disse Badiucao à DW.
No último domingo, a advogada Rayhan Asat, da minoria majoritariamente muçulmana uigur, que passou a defender seu irmão após ele ser condenado a 15 anos de prisão pelo governo chinês, entrou em uma sala de bate-papo para falar em mandarim sobre a perseguição aos uigures na China. Ela conta como ficou emocionada com os relatos de alguns usuários chineses de etnia han que demonstraram empatia com a situação vivida pelos uigures nos últimos anos.
“Quando certos usuários faziam perguntas inadequadas no chat, alguns chineses han saíam em defesa dos uigures, o que foi bastante comovente”, conta Asat. “Nos últimos dois dias, percebi que, como os chineses han e os uigures vivem dentro do mesmo sistema na China, as trocas que temos no Clubhouse me fizeram sentir como se tivéssemos uma coalizão. Os usuários chineses han queriam falar pelos uigures, mas eles também têm medo de serem perseguidos pelo governo chinês.”
Asat também ressalta que a disposição dos usuários chineses han em ajudar os uigures a fez entender por que o governo chinês tentou suprimir todos os tipos de discussões relacionadas aos “campos de reeducação” em Xinjiang nos últimos anos.
“Alguns usuários da etnia han ficavam nos perguntando como poderiam nos ajudar, mas, ao mesmo tempo, estavam preocupados com a possibilidade de se colocarem em uma situação de perigo”, disse. “Tais usuários precisam primeiro pensar em sua segurança pessoal e não podem, portanto, falar publicamente pelos uigures.”
Preocupações com a segurança
Apesar dos elogios, existem algumas preocupações de segurança relativas à tecnologia utilizada pelo Clubhouse. Badiucao chama a atenção para o fato de o aplicativo pedir a seus usuários que se registrem com um número de telefone e compartilhem sua lista de contatos, o que pode desencadear sérios problemas de segurança.
“Até agora, os usuários só podem entrar no Clubhouse por meio de convite. Portanto, caso seus dispositivos sejam apreendidos pelas autoridades, a rede de contato de todos os usuários pode ser facilmente violada pelo governo chinês”, explica Badiucao.
“Além disso, como o Clubhouse usa tecnologia de áudio da empresa chinesa Agora, vale a pena ficar de olho se a companhia atenderá ou não a pedidos de cooperação do governo chinês”, acrescentou o artista. “Se a Agora não puder se recusar a obedecer ao governo chinês, isso também poderia ser motivo para sérias preocupações de segurança.”
Como exemplo, a pesquisadora Wang Yaqiu, da organização internacional de direitos humanos Human Rights Watch (HRW) para a China, remete a um incidente envolvendo o Zoom no ano passado, que impediu usuários nos EUA de organizar um evento em comemoração ao Massacre da Praça da Paz Celestial.
Ela aponta que, como o Clubhouse é um software americano, pode ser investigado nos EUA se sua operação na China gerar controvérsia.
“Se o Clubhouse cooperar com o governo chinês, isso prejudicará a reputação deles”, argumenta.
Aplicativo deu visibilidade a usuários na China
Para Wang e Badiucao, o mundo exterior deve ver a entrada de usuários chineses do Clubhouse de forma positiva, porque isso prova que o país não é tão “impenetrável” quanto o mundo pensa.
Badiucao considera que usuários na China provam que há muitos chineses que têm uma compreensão clara de seu próprio país e também são muito conscientes social e politicamente.
“Se a China fosse uma panela de pressão, quando o Clubhouse apareceu, era como se alguém tivesse levantado a válvula de escape, permitindo que um ruído estridente viajasse pelo mundo”, diz Badiucao.
“A mão do governo fechou a válvula, mas o Clubhouse provou que nem tudo é tão tranquilo quanto a descrição que Pequim faz do país. Há, em vez disso, muitos ressentimentos e contradições na sociedade chinesa”, conclui.
Wang, da HRW, afirma que ver tantos usuários chineses liberais no Clubhouse pode ser surpreendente para alguns. Mas ela enfatiza que há, de fato, muitos cidadãos chineses que se sentem compelidos a falar publicamente sobre tópicos delicados, como os “campos de reeducação” em Xinjiang, mas temem a perseguição.
“O Clubhouse permite que esses usuários chineses sejam vistos, e espero que pessoas de Taiwan, Hong Kong e de todo o mundo possam entender que eles sempre estiveram lá e não podiam comentar publicamente sobre tópicos delicados devido a preocupações com os riscos envolvidos”, diz.