Internacional
Autotestes podem deter a pandemia?
O ministro da Saúde alemão planeja disponibilizar autotestes de covid-19 para a população. Permitir que todos verifiquem em casa se estão contaminados seria capaz de deter o avanço do coronavírus? A DW checou os fatos
Para limitar o risco de uma nova onda de covid-19 na Alemanha, o ministro da Saúde, Jens Spahn, anunciou nesta terça-feira (16/02) que o governo pretende oferecer, a partir de 1º de março, testes rápidos gratuitos contra a doença a todos os cidadãos. Atualmente, os testes ainda estão sendo feitos por pessoal treinado, mas o governo planeja abrir caminho para a utilização de autotestes por leigos.
Está em discussão possibilitar os autotestes em troca de uma “pequena contribuição” de um euro. “Esses testes podem contribuir para uma vida cotidiana segura, especialmente em escolas e creches”, disse Spahn. Essa meta será “verificada e aprovada o mais rápido possível”, anunciou o ministro.
Para o deputado Karl Lauterbach, ex-vice-chefe de bancada parlamentar do Partido Social-Democrata (SPD) e especializado em assuntos de saúde, “se a população se testasse regularmente, por exemplo, antes de visitar parentes ou amigos, as cadeias de infecção seriam quebradas”.
“Os autotestes são em princípio muito confiáveis. Nem todos os casos positivos são detectados, mas quase todos os que são contagiosos”, argumentou o político em entrevista à emissora alemã WDR.
At[e que ponto essas afirmações estão corretas? O que se sabe sobre os autotestes? A DW checou:
Como funcionam os autotestes, afinal?
Quando falamos em autotestes, nos referimos aos testes rápidos que qualquer pessoa pode fazer por conta própria. Os testes rápidos de antígenos para Sars-CoV-2 podem ser realizados independentemente do local ou equipamento, e o resultado sai após 15 a 30 minutos.
Há testes que envolvem um esfregaço da boca e do nariz ou, mais recentemente, testes de amostras de saliva e mesmo de fezes. Segundo o Instituto Robert Koch (RKI), responsável pelo controle e prevenção de doenças na Alemanha, os testes se baseiam no fato de que “anticorpos fixados no material do teste se ligam ao antígeno, ativando uma enzima que leva a uma mudança de cor. Esta mudança de cor pode ser vista a olho nu”.
Ainda segundo o RKI, testes rápidos de antígenos são particularmente adequados para detectar altas cargas virais, que são “especialmente relevantes para a contaminação”.
Quão seguros e confiáveis são os testes rápidos?
Os testes rápidos de antígenos aprovados devem ter uma sensibilidade maior que 80% e uma especificidade maior que 97%. Sensibilidade é a capacidade de um teste em identificar, dentre as pessoas com suspeita da doença, aquelas realmente doentes; enquanto especificidade é a capacidade do mesmo teste de ser negativo nos indivíduos que não apresentam a doença.
Em outras palavras, para que um teste rápido seja aprovado, ele deve detectar pelo menos quatro em cada cinco pessoas infectadas por covid-19 e dar não mais que três resultados falsos-positivos em 100 pessoas não infectadas.
Na prática, porém, o teste rápido tem um desempenho pior. Como mostrou um estudo do RKI, de 60 pacientes com um teste PCR (considerado o mais confiável) positivo, apenas 71,7% foram também identificados no teste rápido como positivos. Isto significa que quase um em cada três pacientes positivos recebeu falsamente um resultado negativo no teste rápido − o que é pior do que o pretendido para aprovação.
Ainda de acordo com o estudo, ambas as variantes de teste podem detectar pessoas não infectadas de forma semelhante.
Quão fáceis são os testes rápidos para os leigos?
Os testes rápidos atualmente no mercado são aprovados apenas para uso por pessoas treinadas. A principal razão para isto é que a coleta de amostras por leigos pode ser deficiente. Pode ser difícil, por exemplo, fazer o esfregaço a uma profundidade suficiente no fundo da boca ou do nariz.
Entretanto, de acordo com um estudo recente envolvendo o hospital Charité, de Berlim, entre outros, leigos que receberam instruções apropriadas foram capazes de realizar bem os testes.
De 146 participantes sintomáticos, 40 se autotestaram positivo por PCR. Todas as pessoas testadas adicionalmente se autotestaram com um rápido esfregaço nasal. Dos 40 infectados, 91,4% se autotestaram corretamente positivos, e, entre 106 não infectados, 99,1% alcançaram o resultado correto por autoteste.
Entretanto, o estudo não pode ser estendido à população em geral devido ao pequeno número de participantes.
Quem tem acesso aos testes rápidos?
Como ainda não está claro que os testes serão usados de forma confiável por particulares, os testes rápidos na Alemanha são permitidos apenas para certos grupos treinados de pessoas. Muitos resultados de testes falsos-negativos são um risco porque essas pessoas poderiam agir levianamente em relação às determinações de higiene e isolamento, disse o ministro alemão da Saúde, Jens Spahn, em 12 de fevereiro.
De acordo com o Ministério da Saúde, os autotestes para uso doméstico ainda precisam ser otimizados, de forma que sejam fáceis de manusear e tenham resultados mais confiáveis.
De acordo com o Instituto Federal de Medicamentos e Dispositivos Médicos (BfArM), existem atualmente cerca de 30 pedidos de aprovação extraordinária de testes rápidos para todas as pessoas já certificadas como treinadas. Maik Pommer, porta-voz do BfArM, espera que as primeiras aprovações especiais temporárias para a Alemanha sejam emitidas no início de março.
Os autotestes de antígenos podem deter a pandemia?
Uma coisa é certa: até agora, os testes rápidos só detectaram corretamente as infecções pelo Sars-CoV-2 em 70% dos casos, mostrando, portanto, muitos resultados falsos-negativos que poderiam dar aos testados uma falsa sensação de segurança. Além disso, eles ainda não estão aprovados para uso por leigos, pois não é garantido que sejam usados corretamente.
Médicos da Rede Federal de Pesquisa Aplicada de Vigilância e Testes da Alemanha advertem que um teste rápido negativo não deve ser considerado um “passe livre”: “Todas as medidas de higiene devem continuar sendo observadas. Isto é especialmente importante em áreas de alto risco, onde é necessário um alto nível de proteção de pessoas vulneráveis.”
O especialista em saúde Karl Lauterbach argumenta que os autotestes não detectam todos os casos positivos, mas todos os contagiosos. Entretanto, esta afirmação não pode ser considerada uma regra.
Segundo o Instituto Paul Ehrlich, órgão regulador médico da Alemanha, os resultados positivos usando um teste rápido são esperados principalmente em pessoas infectadas que ainda não têm nenhum ou apresentam os primeiros sintomas. O período exato em que se é infeccioso, no entanto, ainda não está claramente definido, afirma o RKI em seu site. Isto significa ser possível contagiar alguém mais tarde no curso da doença, quando um teste rápido já não detecta mais a infecção.
Ainda não há autotestes de antígenos disponíveis para uso doméstico, o que torna difícil prever se eles poderiam deter a pandemia. Mas se uma estratégia de testes rápidos bem elaborada e realizada por pessoal treinado poderia conter a pandemia, isso é outra questão.