Internacional
Conferência de Munique virtual e reduzida foca na relação Europa-EUA
Quatro anos de Trump na presidência dos EUA abalaram as relações transatlânticas. Agora líderes dos dois lados terão chance de reatá-las na Conferência de Segurança de Munique, em edição especial, virtual e comprimida
Realizada todos os anos desde 1963, a Conferência de Segurança de Munique (MSC), que deabte a política de segurança internacional, vai adotar o formato virtual em 2021. É assim que os organizadores do evento receberão esta semana o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, a chanceler federal alemã, Angela Merkel, o presidente da França, Emmanuel Macron, o premiê britânico, Boris Johnson, e outros líderes ocidentais.
Menos de um mês após a posse de Biden, a “Edição Especial da MSC” pretende dar início a uma renovação de laços entre os EUA e seus aliados europeus. O evento, resumido a esta sexta-feira (19/02), será uma versão significativamente reduzida da conferência anual, que geralmente dura três dias e foi adiada pela primeira vez devido à pandemia de covid-19.
“Se esta fosse uma conferência de segurança normal, o presidente viria acompanhado de dezenas e dezenas de membros da sua equipe”, diz o diretor da MSC, Wolfgang Ischinger. Segundo ele, aí seria possível interagir com essas pessoas e compartilhar preocupações e interesses de uma forma que não é possível virtualmente.
Uma conferência normal também incluiria uma gama muito maior de atores relevantes no âmbito da segurança global. Quem está de fora do evento de sexta-feira – como China, Rússia e países do Oriente Médio – é tão importante quanto quem participa. “Este é um evento americano-europeu”, explica Ischinger, “para agirmos juntos e nos engajarmos em questões globais como clima, pandemia e terrorismo.”
Encontro de pesos-pesados
Esta será a primeira vez que um presidente americano em exercício falará em um evento da MSC. Biden já compareceu duas vezes à MSC, primeiro como vice-presidente de Barack Obama, e depois novamente em 2019.
A primeira hora será reservada às principais questões globais, como a pandemia de coronavírus, com o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, o magnata americano Bill Gates e o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Ghebreyesus.
“Literalmente ninguém deu ouvidos”, disse Ischinger, referindo-se ao discurso de Gates na conferência de segurança de 2017, quando ele destacou o risco de uma pandemia. “Se tivéssemos ouvido, não estaríamos hoje nesta situação terrível.”
As mudanças climática também serão abordadas. O evento será encerrado por John Kerry, encarregado de Biden para assuntos climáticos.
Biden, Merkel e Macron terão, cada um, cerca de 15 minutos para apresentar seus pontos de vista sobre a agenda transatlântica. Em seguida, será a vez dos líderes da União Europeia e da Otan.
Embora as intervenções sejam ao vivo, os demais participantes não terão a oportunidade de interagir. Em vez disso, eles participarão de uma breve sessão de perguntas e respostas com Ischinger – exceto Biden, que, segundo Ischinger, já se recusou a responder questionamentos.
Ischinger, que já foi embaixador da Alemanha nos EUA, disse que, se pudesse perguntar, sua principal pergunta para o presidente americano seria sobre a China, que ele aponta como um dos maiores desafios para a cooperação transatlântica. “Se não conseguirmos entrar em acordo sobre a China, teremos, entre os dois lados do Atlântico, problemas e atritos intermináveis”, disse Ischinger. “Nossos interesses em relação à China não são idênticos.”
Diferentemente dos EUA, a UE não tem compromissos de segurança na região Ásia-Pacífico, o que permite que o bloco veja seu relacionamento com a China como majoritariamente comercial. De acordo com estatísticas da UE divulgadas na segunda-feira, o país asiático ultrapassou os EUA como principal parceiro comercial da UE em 2020. No início de 2021, o bloco também fechou um acordo de investimento com a China, enquanto as tarifas alfandegárias estabelecidas durante a administração de Trump foram até agora mantidas sob Biden.
Causa comum, pontos de vista diferentes
Macron foi um adendo posterior ao programa e confirmado pelos organizadores da MSC só nesta terça-feira. Originalmente, apenas Biden e Merkel ocupariam a mesma seção do evento, o que daria um certo viés bilateral a um fórum que se propõe multilateral.
Em suas falas, Merkel e Macron – líderes dos maiores Estados-membros da UE –,terão que equilibrar seus papéis de líderes de países com interesses diferentes, cada um com uma relação própria com os EUA, e de partidários ferrenhos da União Europeia, que luta para se posicionar entre as potências globais e desenvolver uma política externa de interesses e objetivos comuns.
Mas sérias diferenças políticas permanecem, tanto através do Atlântico como dentro da própria comunidade europeia. A UE, por exemplo, apoiou os EUA ao pressionarem a Alemanha a desistir de seu oleoduto Nord Stream 2 com a Rússia, mas Washington não conseguiu convencer os aliados a adotar uma abordagem mais circunspecta para com a China – tanto no comércio quanto na tecnologia 5G.
Mudança de tom
Embora os EUA ainda precisem provar aos seus aliados europeus que continua sendo um parceiro confiável e permanente, Washington também exige garantias de que a Europa deseja e é capaz de assumir mais responsabilidade por sua própria segurança e em outras questões globais.
Esta é uma semana agitada para as relações transatlânticas. Nestas quarta e quinta-feira, o secretário de Defesa de Biden, Lloyd Austin, faz sua estreia na Otan durante uma teleconferência a portas fechadas com outros ministros da Defesa para discutir o futuro da aliança militar no Afeganistão, bem como a resposta à agressões chinesa e russa.
O evento de sexta-feira em Munique será imediatamente seguido por uma reunião virtual de líderes do G7 organizada pelo Reino Unido, da qual Biden, Merkel e Macron também participarão.