Segurança Pública
Deputadas discutem como denunciar violência sexual contra crianças na pandemia
Denúncias caíram durante isolamento social e organismos de proteção acreditam que subnotificação tem relação com escolas fechadas
Deputadas da Comissão de Seguridade Social e Família discutiram nesta segunda-feira (17) meios de fortalecer as denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes. As notificações de estupro de vulneráveis, que vinham subindo nos últimos anos, caíram durante a pandemia de coronavírus. A explicação é por causa das medidas de isolamento social e pela falta de aulas presenciais nas escolas, que oferecem as melhores oportunidades para identificar abusos e maus tratos.
Os professores seriam fundamentais para constatar situações de abuso dos alunos, conforme observou a deputada Paula Belmonte (Cidadania-DF). “As crianças estão no momento isoladas e vulneráveis”, lamentou.
A deputada Rejane Dias (PT-PI) também disse estar preocupada com os casos de violência. “Se a situação era muito grave, imagine em tempos de pandemia”, comentou. Ela apontou para a necessidade de contratação de psicólogos e assistentes sociais em escolas públicas para ajudar no combate à violência contra crianças e adolescentes.
Rejane Dias ainda defendeu a aprovação do Projeto de Lei 4299/20, de sua autoria, que tipifica o crime de pedofilia no Código Penal. “É muito difícil reconhecer um pedófilo, porque são pessoas comuns”, alertou.
A deputada Erika Kokay (PT-DF), que foi presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a exploração sexual de crianças e adolescentes, concordou que a escola é a melhor rede de proteção para lidar com casos de violência sexual. Ela comentou que faltam delegacias de proteção à criança e adolescente. “Muitos lugares nem têm delegacia. Já os Institutos Médicos Legais vitimizam as crianças e não oferecem o acolhimento necessário”, disse.
Disque 100
A diretora do Departamento de Enfrentamento de Violações aos Direitos da Criança e do Adolescente, da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Maria Leolina Couto Cunha, afirmou que o Disque 100 está sendo fortalecido para receber denúncias. “Agora, os crimes contra criança e adolescente são a primeira opção no canal de atendimento. Antes, eram a quinta opção”, comentou.
Maria Leolina observou que, com mais de 400 atendentes trabalhando no Disque 100, o tempo de espera para fazer uma denúncia baixou de 40 minutos para uma média de 30 segundos. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos também desenvolveu o aplicativo Direitos Humanos, que pode ser baixado no celular para fazer denúncias.
A diretora afirmou que as iniciativas foram motivadas pela diminuição das notificações de casos de estupro de crianças e adolescentes. O número de casos registrados baixou de 1.392, em janeiro de 2020, para 185, em junho do ano passado. Há estimativas de que, para cada caso notificado, 20 não são reportados. O ministério também planeja criar uma linha direta para médicos e professores de escolas do ensino básico fazerem denúncias. “Não adianta só aperfeiçoar os canais de denúncia. Vamos oferecer cursos de formação e enfrentar o problema de forma multidisciplinar”, afirmou. https://www.camara.leg.br/internet/agencia/infograficos-html5/aumento-notificacoes-violencia-sexual-criancas-adolescentes/index.html
A delegada-chefe da Delegacia da Proteção à Criança e ao Adolescente no Distrito Federal, Simone Maria Pereira da Silva, também notou a diminuição de registros de estupro de vulnerável durante a pandemia de Covid-19. “Tem muitas crianças e adolescentes que sofrem abuso sexual, maus tratos, e não têm como comunicar. Precisamos que as crianças sejam ouvidas”, afirmou. Simone Maria lembrou que a criança ou adolescente não precisa estar acompanhada para ir a uma delegacia prestar uma denúncia, que também pode ser registrada por meio eletrônico, sem precisar sair de casa.
A assessora do Ministério da Justiça e Segurança Pública Daniele de Sousa Alcântara anunciou que a pasta deve lançar um protocolo para orientar a investigação e perícia de infrações penais contra crianças e adolescentes. O documento estabelece diretrizes de tratamento para abordagem e escuta das vítimas, cujo depoimento é fundamental na investigação. “O agressor não deixa provas muito concretas de materialidade”, notou. Ela lembrou que a maior parte dos atendimentos de vítimas mulheres, crianças e adolescentes é feita por homens. O ministério também planeja oferecer cursos de formação para profissionais de segurança pública.
Prevenção
A assessora de políticas públicas da Fundação Abrinq, Marta Volpi, notou que há 43 projetos de lei em tramitação na Câmara que tratam de violência sexual contra crianças e adolescentes. No entanto, ela notou que a legislação trata principalmente da punição do culpado e do atendimento da vítima. “A gente discute pouco a prevenção”, cobrou.
Marta Volpi pediu mais investimentos na prevenção
Marta Volpi notou que mais de 60% da violência sexual contra crianças e jovens ocorre na residência da vítima, sendo que a maior parte dos culpados são pais, padrastos e conhecidos. E o pior: 41% das notificações são de violência repetida, que já aconteceu antes.
A secretária nacional da Família, Angela Gandra, também apontou para a necessidade de trabalhar na prevenção dos crimes contra crianças e adolescentes. Para isso, ela aposta em políticas de fortalecimento da família e combate à pornografia em mídias sociais. “As famílias têm necessidade e desejo de valores. Há famílias que se forem ajudadas escapam disso”, comentou. “Advertimos os pais sobre a hiperssexualização de crianças e jovens. É importante ver o que damos para população através da internet e das novelas”, afirmou.
A representante do Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem) Ingrid Leão apontou para a necessidade de políticas públicas específicas para meninas pré-adolescentes de 9 a 11 anos. Ela denunciou a gravidez forçada de meninas vítimas de estupro. “É uma violência dar prosseguimento a uma gestação aos 11 anos de idade”, afirmou.
Alienação Parental
A representante do Coletivo Mães na Luta, Adriana Mendes, defendeu a revogação da Lei de Alienação Parental. Segundo ela, a legislação em alguns casos seria responsável por garantir o direito de visitação ou mesmo a guarda para agressores e abusadores. “Só no Brasil a lei de alienação existe”, criticou. Adriana Mendes também reclamou que a legislação tem encarecido os processos pela guarda de filhos ao requerer perícias psicológicas frequentes. “As crianças passam a infância em fóruns, falando com psicólogos que nem querem conversar”, lamentou.
A representante do Conselho Nacional de Psicologia, Analícia Martins de Sousa, apontou para o aumento de casos de alienação parental desde a aprovação da lei, em 2010. Em uma pesquisa de 404 acórdãos sobre alegações de alienação parental, 18% traziam alegações de abuso sexual infantil. Analícia apontou para a complexidade dos casos. “É preciso evitar generalizações. Às vezes, o pai ou a mãe não faz denúncia de abuso sexual por má-fé. Não se pode classificar todos os pais como abusadores e todas as mães de alienadoras”, disse.