Internacional
Candidatos à sucessão de Merkel travam debate inédito na Alemanha
Trio de candidatos mais bem posicionados nas pesquisas discute Afeganistão, pandemia, mudança climática e linguagem neutra. Pesquisa mostra que social-democrata Olaf Scholz venceu o embate
Os três candidatos mais bem posicionados nas pesquisas à sucessão da chanceler federal Angela Merkel travaram na noite deste domingo (29/08) o primeiro debate da eleição federal alemã, marcada para 26 de setembro.
O social-democrata Olaf Scholz (SPD), o conservador Armin Laschet (CDU) e a verde Annalena Baerbock discutiram temas como Afeganistão, pandemia, mudança climática, formatos de possíveis coalizões de governo e até temas como linguagem neutra.
Laschet é o governador da Renânia do Norte-Vestfália, o estado mais populoso da Alemanha. Scholz é vice-chanceler federal da Alemanha e ministro das Finanças. Já Baerbock é deputada federal desde 2013 e colíder do Partido Verde.
O debate não só teve um formato inédito por contar pela primeira vez com três candidatos, mas também por incluir apenas políticos que buscam liderar o governo pela primeira vez. Até então, todos os debates incluíram apenas um chanceler buscando a reeleição e um desafiante.
Um pleito pulverizado
No momento, a eleição alemã está pulverizada, com os candidatos dos três partidos aparecendo em empate técnico ou com pequenas distâncias entre si em pesquisas nos últimos dias. Nenhum aparece com mais de 24% das intenções de voto, o que deve dificultar a costura de coalizões de governo para suceder Merkel, que vai deixar a liderança do governo alemão após 16 anos.
Pelas pesquisas atuais, o eventual vencedor do pleito provavelmente será obrigado a negociar uma coalizões com pelo menos três partidos para garantir uma maioria no Bundestag (Parlamento alemão), algo que não ocorre na Alemanha desde os anos 1950.
Cada vez mais em desvantagem nas pesquisas, Laschet, o candidato do partido de Merkel, adotou uma postura ativa e por vezes incisiva no debate, após acumular gafes e críticas durante a campanha.
Scholz, que está numa trajetória ascendente, desempenhou um papel calmo e pouco incisivo em várias questões, o que acabou gerando comparações com o estilo de Merkel.
Já Baerbock, que também viu sua campanha sofrer episódios de desgaste e queda nas pesquisas, também tentou capitalizar o debate adotando uma postura viva, especialmente no segmento que abordou mudanças climáticas.
Pandemia
Sobre o combate à pandemia, todos responderam que não concordam com a imposição de novas medidas de restrição de circulação. Scholz foi o mais direto, afirmando “não vai haver um novo lockdown”.
Scholz e Laschet também descartaram a imposição de vacinação obrigatória para certas categorias profissionais. Baerbock, por sua vez, também se posicionou contra no momento, mas com a ressalva de que tal medida pode vir novamente a ser discutida no futuro dependendo das circunstâncias.
Scholz e Baerbock também concordaram em exigir que passageiros de trens tenham que apresentar um passe sanitário. Laschet, por sua vez, se esquivou da pergunta, afirmando que há muitas questões técnicas em aberto sobre sua execução.
Afeganistão
Em relação à caótica retirada do Afeganistão, Laschet, Scholz e Baerbock defenderam de maneira unânime que o papel da Alemanha na política de segurança europeia seja reforçado. Laschet defendeu reequipar a Bundeswehr (Forças Armadas) e a criação de um Conselho de Segurança Nacional vinculado à Chancelaria Federal. O instrumento, segundo ele, deve ajudar os ministérios a se coordenarem melhor.
Baerbock, por sua vez, criticou o desempenho do governo alemão na retirada de civis no Afeganistão, afirmando que o processo foi marcado por burocracia e lentidão. Laschet, por sua vez, criticou o partido de Scholz pela oposição ao uso de drones armados.
A inclusão do Afeganistão no debate marcou um contraste com os duelos das eleições de 2017, nos quais temas de política externa estiveram praticamente ausentes.
Scholz, cujo correligionário Heiko Maas está à frente do Ministério das Relações Exteriores, pediu o fortalecimento da cooperação internacional e a disponibilização de soldados da Bundeswehr para missões de proteção da paz e da segurança no futuro.
Mudanças climáticas, impostos, linguagem neutra
Após concordarem em diversos pontos, os candidatos mostraram mais diferenças em relação ao combate às mudanças climáticas. Laschet e Scholz evitaram falar em proibições ou banimentos. Baerbock, por sua vez, foi a única participante que especificou práticas ou produtos que devem ser banidos em nome do combate à mudança climática, como motores de combustão, seguindo um cronograma. Scholz defendeu a expansão das energias solar e eólica. O conservador Laschet acusou os verdes de Baerbock de adotarem um política que pode pressionar negativamente a economia com medidas rígidas.
No caso dos impostos, Scholz e Baerbock afirmaram que defendem aumentar as taxas dos cidadãos que ganham mais, para equilibrar melhor o sistema tributário. O conservador Laschet, por sua vez, descreveu como “tolas” propostas de aumento de impostos.
O trio também foi questionado sobre o tema da linguagem neutra, que tem movimentado as “guerras culturais” na Alemanha. Baerbock enfatizou que a “linguagem acompanha as mudanças da sociedade”. Scholz disse que as pessoas devem ser livres para adotarem a linguagem que desejarem. Laschet, por outro lado, fez advertências sobre a linguagem neutra. “Se começarmos a inventar uma linguagem que as pessoas normais não entendem mais, isso não leva a uma confiança crescente no estado.”
Coalizões e considerações
Os candidatos também foram questionados sobre cenários de montagem de coalizão de governo, um tema espinhoso nesse momento, em que a eleição permanece em aberto. O conservador Laschet aproveitou a ocasião para pressionar seus adversários sobre uma eventual coalizão liderada pelos social-democratas ou verdes que poderia incluir o partido A Esquerda, que aparece com entre 6% e 7% das intenções de voto. Ele lembrou que este partido se absteve de votar na resolução sobre o envio de militares alemães para auxiliar no resgate de civis no Afeganistão. Scholz e Baerbock aproveitaram a ocasião para criticar A Esquerda pelo posicionamento sobre o Afeganistão, mas não quiseram descartar uma coalizão com os esquerdistas.
Nas suas considerações finais, a verde Baerbock advertiu que a Alemanha não deve ser governada “como de costume” depois de anos de coalizão entre a CDU e o SPD. É hora de uma verdadeira mudança, disse a candidata. “Estou aqui porque estou profundamente convencida de que nosso país pode fazer muito mais!”
O candidato do SPD, Scholz, disse desejar uma modernização do país e uma sociedade marcada pelo respeito: “Respeito por todos, respeito por todas as profissões, respeito pelas conquistas de cada vida.”
O candidato da CDU, Laschet, alertou contra “mudanças bruscas”. Segundo ele, firmeza, confiabilidade e uma bússola são necessárias agora e seu partido conta com esses instrumentos. “Isso nos molda desde Konrad Adenauer, passando por Helmut Kohl e Angela Merkel”, disse.
Uma pesquisa com telespectadores após o debate apontou Scholz, que se manteve mais discreto durante o embate, como o vencedor. De acordo com o levantamento, 36% dos entrevistados apontaram que o social-democrata teve o melhor desempenho. Baerbock apareceu com 30%. Laschet, 25%.
Outra pesquisa, conduzida pelo canal RTL, que organizou o debate, mostrou Scholz e Baerbock mais próximos, com 38% e 37% respectivamente. Laschet amargou 22%.
Mais dois debates televisivos com o trio estão previstos para ocorrer em setembro.