Judiciário
Quais os limites entre lobby, representação comercial e corrupção?
Episódio durante CPI da Pandemia no Senado trouxe novamente à tona discussão sobre a questão

Sob os holofotes desde abril deste ano, a CPI da Covid-19 evidenciou recentemente uma confusão comum entre lobby e representação comercial. Era dia 26 de agosto, e os senadores ouviam o empresário e ex-secretário-executivo da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos da Anvisa, José Ricardo Santana. Parlamentares o acusaram de ter atuado como lobista dentro do Ministério da Saúde. Ao JOTA, especialistas explicam os limites entre as duas atividades e a corrupção, e a importância da regulamentação.
De acordo com o relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), Santana teria participado, supostamente, de ações para fraudar uma licitação de R$ 1 bilhão para comprar testes rápidos de Covid-19, com o objetivo de favorecer a Precisa Medicamentos. Diante disso, senadores acusam o empresário de ser lobista da farmacêutica.
“Na CPI, muitos parlamentares falavam que Santana fazia lobby, como se fosse crime, quando na verdade, não é. Existe uma diferença bem grande de empresários e representantes comerciais para lobistas. Claro que em ambos os casos, podem ocorrer desvios ilícitos, mas, no caso do Santana, está havendo uma confusão na origem”, explica Carolina Venuto, presidente da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig).
A prática de lobby é influenciar políticas públicas. “O lobista faz a defesa de um interesse legítimo em uma discussão de política pública e a autoridade, conforme seu livre convencimento, toma a decisão, podendo coincidir ou não com as razões apresentadas pelo lobista”, explica Venuto. Na última sexta-feira (03/09), a Casa Jota ouviu especialistas sobre como a regulamentação do lobby contribuiria para transparência e entendimento sobre a prática no Brasil.
Não são apenas empresas privadas que fazem lobby, ONGs e instituições sem fins lucrativos também contratam profissionais para defenderem seus interesses no Poder público. A presidente da Abrig explica que o limite entre o lobby e a corrupção é quando há a compra de autoridades, por meio de pagamentos ou benefícios. No caso, por exemplo, se o lobista oferecer um valor para que a autoridade tome uma decisão que lhe favoreça ou se a autoridade cobrá-lo, configura-se como crime.
Já o representante comercial é o profissional que atua diretamente com as vendas de produtos ou serviços de uma empresa. Assim como no caso do lobista, pode ser configurado crime quando houver corrupção. Ou seja, a diferença é clara: quando há venda, não há a prática de lobby. A confusão é comum.
Lobby não é crime
A atividade de lobby está protegida pela própria Constituição Federal, no que diz respeito ao artigo 5º, XXIV, A, que dispõe que todos são assegurados do “direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”. O artigo 1º, parágrafo único, também afirma que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”.
Milton Seligman, professor do Insper e coordenador do curso de relações governamentais e negociação, explica que as atividades políticas e de lobby são “inerentes à existência da humanidade quando organizada no Estado” e que são necessárias para que exista transparência nas políticas públicas.
“A hipótese de se considerar o lobby uma questão criminosa é tão negativa quanto considerar a atividade política criminosa. Infelizmente, o discurso populista nos últimos anos empurrou esses dois conjuntos para uma avaliação no campo da criminalidade. É uma pena, porque é impossível evitar que elas aconteçam em uma sociedade grande como a nossa. Então vamos ter que aprender a conviver”, afirma Seligman.
A importância da regulamentação
Apenas 40 países têm algum tipo de regulamentação de lobby, de acordo com levantamento feito pela Abrig. Entre eles, estão os Estados Unidos, Chile e os países da União Europeia.
No ano de 1946, o lobby foi regulamentado pela primeira vez nos Estados Unidos e, a partir disso, os profissionais começaram a se registrar, o que facilitava o controle de possíveis atos ilícitos.
Após a regulamentação, o Congresso norte-americano aprovou duas outras leis sobre o tema: a Lobbying Disclosure Act, de 1995, que começou a obrigar as empresas de lobby a identificarem seus clientes e a divulgar seus gastos, e, em 2007, a lei intitulada “Honest Leadership and Open Government Act”, que tornou obrigatória a apresentação de relatórios identificando contribuições e gastos realizados pelos lobistas e proibiu que autoridades aceitassem benefícios ou presentes desses profissionais.
De acordo com um levantamento feito pela Center for Responsive Politics (CRP) em 2012, o lobby nos Estados Unidos movimenta cerca de US$ 3,3 bilhões, equivalente a R$ 6,6 bilhões. O estudo aponta também que, no mesmo ano, o país tinha 12,4 mil pessoas registradas como lobistas junto ao Congresso.
“Quando você proíbe uma atividade, a tendência é que ela seja feita de forma camuflada, o que facilita a corrupção. Acredito que a melhor forma seria que adotássemos uma legislação parecida com a dos Estados Unidos, no sentido de que esses escritórios de lobby teriam que se registrar”, trazendo mais transparência e controle para a atividade, afirma Cássio Casagrande, professor de Direito Constitucional e procurador do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro.
“É importante a regulamentação para trazer ‘enforcement da legislação’, que é garantir que a lei seja cumprida. Também é importante para combater a corrupção, mas para além disso, para organizar o setor, que hoje está extremamente pujante. Também, para que a gente tenha um curso profissionalizante, uma estrutura básica de carreira”, diz Venuto.
No Brasil, há uma discussão na Câmara dos Deputados, com o Projeto de Lei (PL) 1202, de 2007, de autoria do deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP), que propõe a regulamentação da atividade de lobby. A proposta obriga profissionais da área a se cadastrarem, vedando a possibilidade de contratação pública de um lobista para atuar e influenciar decisões dentro do Poder público. Pelo projeto, eles também deverão encaminhar anualmente uma descrição de suas atividades, a natureza as matérias de seu interesse e todos os gastos relativos ao exercício. Desde 2019, o PL aguarda deliberação do Plenário da casa legislativa.
Fonte: jota