Internacional
O que esperar da Cúpula pela Democracia de Biden?
Para se restabelecerem como uma democracia de peso após Trump, EUA convocaram evento virtual contra autoritarismo e corrupção e em prol dos direitos humanos. Brasil foi convidado, enquanto Rússia e China ficaram de fora
Na esteira do turbulento governo Donald Trump – no qual teorias conspiratórias foram promovidas e um estilo autoritário de liderança, admirado –, o presidente Joe Biden quer reforçar seus compromissos com a democracia através da realização de uma cúpula para defendê-la.
Na Cúpula pela Democracia convocada por Biden para estas quinta e sexta-feira (9 e 10/12), os EUA terão que reavaliar seu tradicional papel de orador sobre valores democráticos. O Departamento de Estado deu a entender que poderia ser genuíno assumir um novo papel, afirmando ser preciso aproveitar a “oportunidade para ouvir, aprender e falar sobre os desafios que a democracia enfrenta nos Estados Unidos”.
A invasão do Capitólio em 6 de janeiro; esforços coordenados do Partido Republicano para restringir a votação antecipada e por correio; ou o fato de apenas um terço dos republicanos acreditarem que as eleições são justas, de acordo com uma recente pesquisa da NPR, são sinais claros de que a democracia americana está vacilando.
Esta Cúpula pela Democracia será a primeira de duas sobre o tema a serem realizadas por Biden com o objetivo declarado de alcançar a “renovação democrática” por meio da defesa contra o autoritarismo, do combate à corrupção e do respeito aos direitos humanos.
Lista de convidados controversa
Quase 70% dos países registraram um declínio em sua pontuação geral de democracia em 2020, de acordo com o Índice de Democracia da Economist Intelligence Unit – a pior avaliação desde que o índice foi lançado, em 2006.
Em meio a esse cenário, a Cúpula pela Democracia de Biden incluirá líderes de 110 países, além de empresas privadas, ativistas, organizações da sociedade civil e jornalistas.
O mais notável é que não foram convidados pelo governo americano países como Rússia, China e Hungria. Ao mesmo tempo, países como Filipinas e Congo, ambos abaixo da Hungria em índices de democracia, estarão presentes.
Depois de quatro anos de governo Trump, a reputação dos EUA como sendo o porta-estandarte da democracia está abalada. E China e a Rússia prontamente criticaram a hipocrisia americana ao não serem convidadas para a cúpula de Biden.
O Kremlin acusou os Estados Unidos de tentarem traçar novas linhas divisórias entre os países com a cúpula e de tentarem “privatizar a palavra ‘democracia'”, acrescentando que, para Washington, democracia é apenas o que se encaixa em seu entendimento.
Para diz Erik Voeten, professor de geopolítica e justiça da Universidade de Georgetown, “não há absolutamente nenhuma maneira de identificar uma lista de democracias que será incontestável”. “Este será sempre um exercício subjetivo.”
O texto de apresentação da cúpula menciona uma afirmação feita por Biden por o ocasião do Dia Internacional da Democracia: “Nenhuma democracia é perfeita, e nenhuma democracia jamais está concluída. Cada ganho alcançado, cada barreira rompida é resultado de trabalho determinado e incessante.”
Confiança na democracia brasileira
O Brasil foi incluído na lista de convidados para a cúpula de Biden, e o presidente Jair Bolsonaro participará do evento virtual.
Segundo o jornal Folha de S.Paulo, a participação de Bolsonaro e de outros líderes se resumirá a um vídeo de três minutos e a uma discussão, na qual a presença do presidente não está confirmada. O nome dele não aprece na programação do evento. Além de Bolsonaro, a ativista Patrícia Zanella, filiada à Rede Sustentabilidade, é a única representante do Brasil.
Num documento de compromissos enviado à organização da Cúpula pela Democracia, o governo brasileiro acusou a mídia tradicional de promover desinformação e defendeu liberdade de expressão na internet.
Questionado sobre a pertinência de ter Bolsonaro na cúpula, tendo em vista seus constantes ataques ao sistema democrático, Juan González, encarregado de assuntos da América Latina do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, disse que o Brasil “definitivamente precisava ter um assento à mesa”.
O assessor do governo Biden ressaltou que a cúpula não terá somente a participação de governantes. “Acho importante que os líderes escutem os jornalistas e a sociedade civil e os ajudem a assumir seus próprios compromissos sobre como os governos podem realmente responder a algumas das demandas que recebem da população”, disse.
González também afirmou que o governo americano tem plena confiança de que as eleições de 2022 no Brasil serão “livres e justas”. Ele respondia a uma pergunta sobre o risco de o Brasil ter no ano que vem o seu próprio “6 de janeiro”, em referência à invasão do Congresso americano por apoiadores do ex-presidente Trump, que tentavam evitar a certificação da vitória de Joe Biden.
Bolsonaro, apelidado por alguns analistas como “Trump dos trópicos”, afirmou diversas vezes, sem apresentar provas, que o sistema eletrônico de votação no Brasil sofre fraudes e disse que não admitiria uma derrota eleitoral.
Em um relatório divulgado em novembro pelo Instituto para a Democracia e Assistência Eleitoral (IDEA, na sigla em inglês), sediado em Copenhague, o Brasil aparece como a democracia que registrou piora no maior número de fatores que medem a qualidade do regime democrático nos último cinco anos. Foram retrocessos em oito aspectos, entre eles liberdades civis, independência do Judiciário, integridade da imprensa e liberdade de expressão.
Compromissos significativos?
O consenso entre analistas parece ser de que cúpulas como estas são organizadas principalmente para falar sobre problemas, em vez de resolvê-los.
“Não parece provável que daí saia qualquer medida concreta ou importante”, diz Voeten. O professor vê o evento como um exercício simbólico, que sinaliza as prioridades da política externa dos EUA, sendo a promoção da democracia uma delas.
James Lamond, diretor do Programa de Resiliência Democrática no Centro de Análise de Políticas Europeias (CEPA), afirma que fará duas perguntas para avaliar o resultado da cúpula: Será que os países e participantes assumirão compromissos específicos? E esses compromissos são significativos?
Lamond aponta que o fato de que os EUA estão lidando com suas próprias falhas é uma das partes fundamentais para preservar uma democracia funcional. Além disso, é um sinal de que o país está tentando se restabelecer no cenário global como um ator contra a corrupção e o autoritarismo e um promotor dos direitos humanos e das liberdades, diz.
“[A cúpula] fala da necessidade de a democracia ser um projeto constante, que sempre precisa ser trabalhado, pois pode estar sempre potencialmente em risco”, disse Lamond.
Resta saber se os EUA irão ou não realmente implementar quaisquer estratégias que outros países utilizam para defender ou fortalecer suas democracias. “Acho que a resposta é não”, diz Voeten. “Os EUA são tipicamente resistentes a aprender com outros países. Eles gostam de pensar que são como um farol brilhante para outros países.”