Internacional
Como a Europa pode se adaptar ao calor extremo
Altas temperaturas se tornarão mais comuns no continente, à medida que se intensificam os efeitos das mudanças climáticas. Exemplos de outras regiões podem ajudar a minimizar consequências para os europeus
Uma onda de calor sufocante está invadindo a Europa, com termômetros registrando temperaturas recorde em algumas regiões do continente, como no Reino Unido, que nesta terça-feira (19/07) teve o dia mais quente de sua história.
Na Espanha, onde as já se chegou a 46 °C, as autoridades alertaram para os riscos à saúde resultantes da exposição ao calor extremo e aconselharam a buscar locais na sombra e com ar condicionado e a beber grande quantidade de água.
“A onda de calor está afetando amplas partes da Europa e se intensificará”, disse a porta-voz da Organização Meteorológica Mundial, Clare Nullis, em entrevista coletiva em Genebra, nesta terça-feira.
À medida que aumentam os efeitos das mudanças climáticas e ondas de calor extremo no verão se tornam norma na Europa, alertas como esses se tornarão cada vez menos excepcionais. O clima historicamente ameno do continente está mudando rapidamente, o que apresenta inúmeros desafios, à medida que os países tentam se adaptar.
São problemas familiares às áreas no mundo mais propensas ao calor. Muitas das soluções que se desenvolveram lá para combater altas temperaturas podem oferecer modelos úteis também para a Europa.
Mudando a forma de viver e trabalhar
Muitos na Europa ainda pensam em altas temperaturas como uma novidade e desconhecem os perigos que elas representam para a saúde. Autoridades sanitárias como o Serviço Nacional de Saúde britânico (NHS) têm instado o público a mudar seus hábitos, evitando o sol entre 11h e 15h e aprendendo a detectar os primeiros sinais de insolação.
Nas regiões atingidas pelo calor, campanhas de conscientização ainda mais abrangentes e respostas orientadas para a comunidade são usadas para incentivar a população a mudar seus hábitos de trabalho, de socialização e de exercícios durante períodos perigosamente quentes.
Ahmedabad, no oeste da Índia, que sofre ondas regulares de calor extremo, desenvolveu uma série de planos de ação contra o calor na última décad, com reações coordenadas entre o Estado e as comunidades locais. Quando um alerta de calor é emitido, enviam-se avisos por TV, rádio e mensagem de texto, e um número de telefone especial é divulgado nos espaços públicos.
Grupos comunitários de saúde são encarregados de acessar os mais vulneráveis; empresas são instadas a fornecer sombra e descanso para seus empregados, muitos dos quais trabalham ao ar livre; e templos, bibliotecas e pontos de ônibus são usados como centros de refrescamento e pontos de distribuição de água.
Os empregadores na Europa terão que mudar suas atitudes em relação ao trabalho ao ar livre ou em espaços mal ventilados, mesmo que isso afete a produtividade. Os sindicatos alemães já sugeriram que, em dias particularmente quentes, os trabalhadores tenham direito a pausas para o almoço prolongadas em locais protegidos, providenciados pelo empregador.
Os empregadores “precisam proteger seus trabalhadores, e os governos devem garantir essa proteção, seja através de sestas, horários de trabalho flexíveis, início mais cedo ou pausas mais frequentes”, sugere Sari Kovats, professora de saúde pública da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.
Sistemas de saúde à prova de calor
O verão tem sido tradicionalmente um período de relativa calma para os serviços de saúde europeus, mas com o calor extremo cada vez mais frequente, os sistemas de saúde precisam se preparar para o aumento de pacientes, gerado pelas ondas de calor.
Estudos revelaram que as ondas aumentam em pelo menos 10% os atendimentos de emergência, com muitos pacientes recorrendo aos hospitais relatando sintomas de desidratação, insolação e náusea. Os maiores de 65 anos estão especialmente em risco, portanto grandes segmentos da população envelhecida da Europa são altamente vulneráveis.
A julgar pelas tendências atuais, e se não houver mais adaptações, as mortes anuais relacionadas ao calor extremo na União Europeia podem aumentar de cerca de 2.700 por ano para 30 mil a 50 mil em 2050, de acordo com um documento da Comissão Europeia publicado em 2021.
Os preparativos para adaptação ao calor extremo foram acelerados em toda a Europa desde o verão letal de 2003, quando temperaturas acima de 40°C deixaram os hospitais da França superlotados, principalmente de pacientes idosos. Agora, cidades como Paris têm extensos sistemas de vigilância e planos de ação especiais anticalor. Mas segundo Kovats a conscientização sobre os perigos do calor para a saúde ainda pode ser melhorada.
“Há uma espécie de falta de conscientização entre os funcionários da linha de frente, como enfermeiros e médicos. E também do público em geral, então geralmente não se percebe o risco”, afirma a especialista.
O estado de Odisha, no leste da Índia, obteve sucesso na redução das mortes por calor desde uma onda letal ocorrida em 1998, em que morreram mais de 2 mil. Lá, quando as temperaturas atingem níveis perigosos, mensagens de texto e outdoors são usados para emitir avisos de saúde pública para os mais vulneráveis, enquanto os hospitais criam enfermarias temporárias para doenças com causas térmicas e aumentam o número de funcionários.
Como o calor intenso também pode danificar as redes elétricas, a infraestrutura de saúde precisa de medidas alternativas. Hospitais do Durante ondas de calor no Alabama e Califórnia houve cortes de energia nos hospitais, resultando em temperaturas perigosamente altas. Os hospitais mais novos nos EUA são obrigados a ter geração de energia própria para garantir o funcionamento contínuo dos sistemas de ar-condicionado.
Cidades mais frescas e sustentáveis
A capital do Vietnã, Hanói, incorporou o resfriamento em seu plano mestre de desenvolvimento para 2030, que garante a proteção das áreas verdes já existentes diante da rápida expansão da cidade e visa aumentar em sete vezes por habitante a densidade da cobertura de árvores e água no centro. Em consequência, prevê-se que em 2030 as temperaturas urbanas serão aproximadamente as mesmas de 2011, apesar de um aumento esperado na população de 2,5 milhões.
As cidades também precisam reduzir suas temperaturas internas, especialmente em residências e locais de trabalho. O ar condicionado é uma solução comum, mas é caro e prejudicial ao meio ambiente.
O Mahila Housing Trust, que opera em dez cidades na Índia, trabalha com mulheres de áreas de baixa renda, ajudando-as a encontrar soluções acessíveis para casas superaquecidas. Pintar paredes e telhados com tinta refletiva repele até 80% da energia da luz solar, e adicionar trepadeiras, solo e vasos de plantas sobre as casas pode reduzir as temperaturas internas em até 2,5°C.
O arquiteto Yatin Pandya, de Ahmedabad, foi buscas nas formas tradicionais de arquitetura soluções sustentáveis para lidar com o calor. Muitos edifícios de estilo ocidental em cidades como Bangalore são construídos com exteriores de aço e vidro, requerendo ar-condicionado constante. Mas séculos antes de haver essa opção, as casas indianas usavam toldos e janelas de sacada para fornecer sombra, e pátios e gelosias para criar fluxos de ar refrescantes.
“Não se trata de retroceder o relógio, mas a arquitetura vernacular fornece muitas informações sobre as respostas locais nos dias pré-eletricidade”, explica Pandya. “Eram princípios lógicos muito simples, que hoje podem ser facilmente adaptados.”