Judiciário
Desafios jurídico-institucionais do financiamento privado de pesquisas no Brasil
Agente privado se depara com um quadro jurídico-regulatório altamente complexo e incerto
Há, no Brasil, um grande potencial reprimido de participação do setor privado no financiamento de atividades acadêmicas lato sensu. Fundações e instituições privadas têm muitas vezes se privado de lançar programas e apoiar iniciativas devido à incerteza jurídica e aos entraves burocráticos associados ao financiamento.
Enumeramos aqui alguns dos desafios de natureza jurídico-institucional percebidos em iniciativas que procuram destinar recursos financeiros de fontes privadas para o custeio de pesquisas em nosso país. Trata-se de buscar uma estrutura mínima do problema, a fim de sistematizar as causas recorrentes das dificuldades e assim facilitar a abordagem mais propositiva que será feita nos próximos artigos da sequência.
Sem a pretensão de uma enumeração exaustiva, alguns temas têm funcionado como fatores impeditivos ou ao menos dificultadores de modelos de financiamento privado à pesquisa no Brasil:
a) as limitações decorrentes do vínculo institucional de pesquisadores de universidades e institutos públicos de pesquisa;
b) a multiplicidade de normas infralegais, de caráter local e institucional, a reger de maneira desuniforme e relação entre os financiadores privados e a aplicação de recursos nos projetos de pesquisa;
c) ausência de legislação clara – da tributação ao vínculo institucional – para transferência de recursos de fonte privada, pagamento de bolsas, contratação de pesquisadores e assistentes, assim como compra de insumos para pesquisa nacionais e importados;
d) as incertezas em relação à possibilidade e a forma de participação dos pesquisadores vinculados às universidades e centros de pesquisa de natureza pública (regime de dedicação, possibilidade de remuneração e outras limitações);
e) a complexidade e custos dos processos de aprovação e prestação de contas dos recursos de fonte privada aplicados na pesquisa;
f) a necessidade de envolvimento de outras instituições para o recebimento e a gestão administrativa e financeira dos recursos da pesquisa (fundações de apoio, p. ex.), e os custos envolvidos;
g) as diferenças de regime jurídico existentes entre organizações (públicas e privadas), o que requer diferentes modelos de financiamento privado à pesquisa;
h) a necessidade de trazer maior clareza e segurança jurídica aos envolvidos, mediante a assinatura de contratos customizados e adaptados a cada realidade local ou institucional, com alto custo de transação;
i) o regime de responsabilidade do pesquisador por eventuais insucessos do projeto de pesquisa, inclusive no que diz respeito à proteção/gestão de dados, equipamentos, materiais e insumos;
j) a demora do processo de aprovação do projeto de pesquisa, em Comitês de Ética de algumas Universidades ou mesmo junto aos órgãos deliberativos da instituição de vínculo do pesquisador responsável;
k) a necessidade de diligenciar junto à instituição de origem do pesquisador a fim de verificar a possibilidade e a forma de gestão dos recursos de fontes externas, assim como as contrapartidas exigidas para tanto, apoios e compromissos das instituições e das pessoas envolvidas (pesquisadores, equipe de apoio).
Em alguns casos, especialmente nas universidades e instituições públicas de ensino e pesquisa, pode ser impositiva a gestão administrativa e financeira pela própria instituição pública ou por fundação de apoio credenciada ou autorizada para esse fim. A morosidade no processo administrativo de aprovação dos instrumentos jurídicos necessários para recebimento e gestão dos recursos financeiros, por si só, é fator de inibição ao investimento privado em pesquisas junto a essas instituições. Esse entrave é ainda mais acentuado nos casos de docentes vinculados a instituições públicas em regime de dedicação exclusiva, devido às limitações inerentes ao cargo/função e remunerações adicionais.
Qualquer agente privado que pretenda apoiar financeiramente pesquisas no Brasil depara-se com um quadro jurídico-regulatório altamente complexo e incerto. Ao pretender formatar um modelo de atuação nessa área em nosso país, o agente econômico deve levar em consideração a possibilidade de participação de professores servidores públicos, mas deve também ser flexível a ponto de admitir a participação de pesquisadores em regimes menos restritivos, ou vinculados a instituições privadas de pesquisa que muitas vezes não possuem o mesmo nível de restrição das Universidades ou Instituições Públicas.
O desafio, portanto, é encontrar um modelo de financiamento privado de pesquisas que procura conjugar as necessidades, endereçar as principais preocupações e transpor as eventuais barreiras e restrições, a depender do tipo de organização envolvida na pesquisa, do tipo de vínculo do pesquisador com a sua instituição de origem, da complexidade do projeto de pesquisa e/ou dos valores envolvidos. Há ainda a dificuldade em se estabelecer qual o instrumento de contrato ou parceria a ser utilizado em cada caso, o que será tema de abordagem específica no momento oportuno, ainda dentro desta série de artigos.
A tarefa não é simples. É preciso encontrar ou mesmo conceber um modelo jurídico-institucional de transferência e gestão de recursos privados destinados ao financiamento das pesquisas. Trata-se de “arquitetar” um modelo de financiamento de pesquisa ágil, simples e, ao mesmo tempo, capaz de integrar as instituições envolvidas e os pesquisadores, com segurança jurídica. As próximas reflexões terão por objetivo endereçar algumas propostas de soluções para os entraves jurídico-institucionais aqui brevemente antecipados.