Internacional
Estado francês é julgado por racismo da polícia
A Corte na França analisa a primeira ação coletiva contra o Estado por discriminação sistemática por parte de policiais, principalmente contra jovens negros e de origem árabe
O Conselho de Estado da França , a mais alta corte administrativa do país, analisa nesta sexta-feira (29/09) a primeira ação coletiva contra o Estado por discriminação racial por parte da polícia. Seis organizações de direitos humanos argumentam que a corporação discrimina de forma sistemática, principalmente jovens de origem árabe e negros, ao escolher quem parar em patrulhas de rotina.
Se o Estado francês for condenado, a decisão pode moldar o futuro do ativismo social ao abrir caminho para processos semelhantes em um país onde as manifestações costumam ter mais força do que ações coletivas – algo que só se tornou possível a partir de 2014, mas, ainda hoje, continua raro.
O caso se baseia em depoimentos de 40 vítimas, bem como da polícia, e pede que o Conselho de Estado Francês exija reformas concretas, incluindo a limitação dos poderes policiais para verificar a identidade, além da obrigatoriedade de registrarem as abordagens.
“Não é aceitável que jovens e crianças tenham que aprender que o cor da pele é um problema”, afirma Omer Mas Capitolan, presidente de uma das seis organizações que assinam a ação, Maison Communautaire pour un Développement Solidaire (MCDS).
O governo e a polícia da França têm sido muito criticados principalmente depois que um policial matou um tiro um adolescente de ascendência norte-africana chamado Nahel, de 17 anos, durante uma blitz em junho, o que levou a diversos protestos violentos e milhares de prisões em todo o país.
O Comitê das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial condenou a “prática contínua de perfilamento racial” e instou a França a abordar as “causas estruturais e sistêmicas da discriminação racial” na polícia.
Racismo em debate
Questionado sobre o processo, o Ministério do Interior da França não se manifestou. O que já foi dito anteriormente é que o racismo na polícia não é sistêmico e que “a criação de perfis étnicos pelas autoridades policiais é proibida”.
Especialistas argumentam que o país não pode mais ignorar as acusações de grupos de direitos humanos que o racismo influenciam no recrutamento, treinamento e nas práticas policiais.
Desde 2016, a França pagou indenizações a indivíduos em três casos em que os controles de identidade da polícia foram considerados discriminatórios.
A ação coletiva, agora, não busca indenização parceira, conforme explica Antoine Lyon-Caen, advogado que representa as seis organizações: “O objetivo é olhar para o futuro, traçar todas as formas possíveis para erradicar esse mal”.
Além do MCDS, o grupo de organizações inclui Anistia Internacional , Human Rights Watch, Open Society Justice Initiative e as francesas Pazapas Belleville e Réseau Egalité, Antidiscrimination, Justice Interdisciplinaire (Reaji).
Mudança de rumo
Enquanto em outros países, como nos Estados Unidos , as ações coletivas fazem parte do cotidiano da defesa dos direitos humanos há décadas, na França esse tipo de processo é bem mais recente.
Somente desde 2014 o país permite que organizações entrem com processos judiciais em nome de um grupo prejudicado por uma política ou prática.
As ações, porém, geralmente fracassam, e os legisladores debatem maneiras de fazer com que a pauta avança. Na França, “a defesa judicial não é uma tradição, essa é a primeira [ação coletiva contra o Estado], a tradição [aqui] é ir para as ruas”, afirma Sophie Latraverse, advogada e especialista em antidiscriminação.
Em sua argumentação, Lyon-Caen cita uma decisão de 2013 contra a cidade de Nova York por causa de perfilamento racial e práticas inconstitucionais por parte da polícia.
“Essa decisão traz esperança, pois coloca em prática medidas para transformar a polícia e um mecanismo de controle”, diz.
Quanto ao veredicto, Gwénaële Calvès, professora de direito da Universidade de Cergy-Pontoise, acredita que uma derrota do Estado enviaria uma mensagem mais ampla sobre ações coletivas na França. A decisão, segundo um membro do Conselho de Estado, deverá ser proferida nas próximas semanas.